sexta-feira, 30 de novembro de 2012

3 do rio

2012 chegando ao fim, novas listas de melhores do ano sendo cozidas, mas enquanto o mundo não acabar os discos não param de sair. agorinha então vieram à luz três novidades vindas do rio de janeiro, duas da cidade e uma do interior de aço (volta redonda). 


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começamos então com o afrobeat carioca da abayomy afrobeat orquestra e o disco de estreia que leva seu próprio nome. a produção é de andré abujamra e a homenagem ao ritmo criado pelo mestre fela kuti é muito mais respeitosa e fiel que a do bixiga 70 (no entanto, os paulistanos ganham em originalidade no diálogo áfrica X brasil). disco bom, dançante, afro-brasileiro na veia, e ainda traz um cover da potente e felakutiana “no shit”.


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a estreia solo de alvinho lancellotti, filho do compositor ivor lancellotti e irmão de domenico, veio no tempo certo, devidamente maturada após as ótimas experiências na banda fino coletivo (dos discos fino coletivo, de 2007, e copacabana, de 2010). o tempo faz a gente ter esses encantos, em dowload gratuito, é daqueles discos que mostram como é bonito ouvir um samba atual, respeitoso no pé na porta das tradições. o samba precisa muito desses movimentos para levar em frente o estandarte do gênero que fundou o brasil. e na estreia de alvinho, bom cantor e compositor de tudo, tem delícias absolutas como “alegria da gente”, “são tomé”, “vidigal”, “autoajuda” e “é de mamãe”, além das belezas de “meu bloco do amor” e “vazio”.


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fechando esta seleção, o pessoal do amplexos, que acabou de lançar seu segundo disco, a música da alma. esse sexteto de volta redonda assume logo que a influência principal é a música negra,  “aquela que vem dos guetos e periferias do mundo” (leia-se afrobeat, ska, dub, funk, reggae), mas tem um tanto de rocks e psicodelias no caldeirão das dez faixas do disco (e, olha, senti um lance picassosfalsos em algumas... pode ser viagem). de qualquer forma, em qualquer som, desejam ainda tratar nas músicas de grandes e pequenos temas e a sinceridade desse engajamento tanto faz parte do projeto quanto tocar muito bem e com balanço. nasceram assim – tudo da cabeça de eduardo “guga” valiante, também cantor e um dos guitarristas – músicas ótimas como “sim”, “falsa salsa”, “mistério”, “o homem”, “boladão”, “leão” e “making love”.


p.s.: ah, o amplexos lançou um minidoc com os bastidores da produção do disco, que, aliás, tem produção de buguinha dub e está disponível para download gratuito. e foi um dos participantes do tributo ao raça negra (jeito felindie) com uma ótima versão de “quando te encontrei”.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

yahoo #54

acho que foi em agosto que o muy aguardado disco de samba de mr. catra caiu na rede e a expectativa era alta para quem acompanha a carreira do sujeito. eu, que sempre esperei um disco bem produzido de catra, também me frustrei um pouco. não foi dessa vez. fora as razões musicais que aponto no texto pro yahoo, tenho a impressão que ele não liga muito pra esse lance de discos, nunca ligou. ele só quer as músicas para os shows e tá bom demais. catra, afinal, só faz o que lhe der na telha.




O SAMBA SEM PUTARIA DE MR. CATRA

Ele gosta de ser chamado de “Operário do funk”, o que diz muito sobre como encara seu ofício: música é trabalho (está no batente há quase 20 anos), entretenimento é trabalho (aos 44 anos segue fazendo shows todos os dias). Pra falar a verdade, sua vida toda é trabalho, afinal possui entre 20 e 24 filhos, sempre mais de uma esposa e muitas ex-mulheres.

Figura das mais singulares da música popular brasileira, Mr. Catra é tudo isso, mas é também um sujeito espiritualizado, autoproclamado “judeu salomônico”. Esse lado religioso, despertado por uma viagem a Jerusalém em 1999, acabou entrando no seu conhecido repertório de funks hipersexualizados, proibidões ou de crítica social. Mas ele também é machista, sexista e homofóbico. E bem humorado e a favor da legalização das drogas para acabar com o tráfico. O Isaac Hayes da Tijuca é um liquidificador de mil loucuras e sanidades.

Como se tudo isso fosse pouco, Catra encarou recentemente um disco de sambas, heresia total para alguém que começou no rock, passou pelo rap e ganhou notoriedade no funk. Na humildade lhe deu o título de Com Todo Respeito ao Samba. Mas talvez, talvez não, com certeza, humildade e respeito acabaram atrapalhando seu acerto de contas com a tradição de sua cidade. Claro que tem coisa boa – além dessa “Eu só quero paz” salvam-se as ótimas “Triste fim da mina”, “Sua foto” e “Mangueira é uma mãe” –, mas faltou mais Catra nesse samba (o pessoal do Fita Bruta, um dos poucos veículos que resenhou o disco, ficou ainda mais frustrado que eu).


O resultado abaixo das expectativas não tem nada a ver com sua interpretação, segura, rascante, dolorida como sempre. A voz de Catra é uma das mais fortes e cheias de balanço dos últimos tempos, mas a produção musical nunca ajuda. Nos funks geralmente é pobre e nesses sambalanços ficou quadrada, achatada. Todos os arranjos tem aquele peso de teclados e batuque careta, confirmando que o samba pop carioca foi definitivamente ganho por diluições da turma de Cacique de Ramos (Arlindo Cruz, Jorge Aragão, Zeca Pagodinho, etc.), produção do Rildo Hora, aquela coisa toda. Rolam até uns saxofones oitentistas estragando “Happy end” e “Tão lindo”, faixas que poderiam ser boas baladas soul.

Tudo é limpinho demais, redondinho demais, o que é exatamente o oposto do que Catra sempre fez. Um cara que cantou pedradas como “Júri popular” (player abaixo) agora vai de beatices constrangedoras como “Minha vida é um milagre de Deus” e “Evolução”.


Agora é torcer para Catra voltar logo aos bons tempos de molecagem. O funk e o samba carioca, atualmente tão carentes de novidades e vozes poderosas, agradeceriam. Porque, da minha parte, sempre vou achar mais legal um cara que fala “Putaria é sexo com alegria, putaria é quase amor” – frase já clássica registrada no documentário 90 Dias com Catra (direção de Rafael Mellin, 2010) – do que o que diz “Muito obrigado Senhor por esse mundo de maravilhas”. Mas aí vai de cada um.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

o funk dos patrão'

certamente foi o farofafá o primeiro veículo de imprensa a falar com mais profundidade sobre um dos fenômenos musicais populares mais impressionantes dos últimos anos: o funk ostentação (majoritariamente da baixada santista). teve uma ótima reportagem de renato barreiros sobre konrad "kondzilla" dantas, o diretor de videoclipes que deu o acabamento visual para o ritmo, e depois uma entrevista que eduardo nunomura fez com barreiros sobre "funk ostentação", um excelente documentário curta sobre o fenômeno produzido em parceria com kondzilla. saca só.



impressionante ver esses movimentos sociais-econômicos-culturais brasileiros. a chegada e ascensão do funk ostentação tem tanto a ver com a emergência recente das classes D e E quanto uma saída para o funk gangsta que vitimou inúmeros artistas populares da baixada santista (mc primo, duda do marapé, etc). e como isso fez a volta e agora está influenciando até o próprio funk carioca e alguns jovens artistas de rap.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

yahoo #53

por anos a fio pensei em fazer algo com as "versões místicas" de grandes sucessos pop (majoritariamente internacionais) feitas para louvar o figuraça inri cristo. nunca me importei se ele e as inrizetes acreditavam realmente no que pregavam, ou se eram um bando de malucos, ou malandros... deixem eles lá, não tão fazendo mal a ninguém... mas os vídeos são impagáveis, quase todos boas obras de humor (intencional ou não). pensei até em fazer aqui pro esforçado uma detalhada análise vídeo por vídeo, mas preferi fazer um apanhadão pro yahoo, o que fez mais sentido.


PAI Ó PAI

Já são quatro anos e meio de produção e pouco mais de 30 vídeos. Então, a essa altura do campeonato, podemos afirmar que Inri Cristo possui uma considerável obra audiovisual digna de análise. Aquelas “versões místicas”, sabe? Paródias de grandes sucessos do pop rock nacional e internacional com letras de louvor ao “emissário do Pai” em clipes surreais e primitivos da cabeça aos pés.

Provavelmente a primeira que vi foi a de “Umbrella” (Rihanna) e tudo já estava ali: a jovem Alara apresentando a mensagem do vídeo com algum elemento cênico; o vocal sempre desencontrado das cantoras Asusana e Alíbera (sempre nos cantos esquerdo e direito do vídeo, respectivamente); a filmagem caseira pelas árvores do terreno da Suprema Ordem Universal da Santíssima Trindade; cenas roubadas de bancos de imagens; fotos de arquivo de Inri e algumas silenciosas e impagáveis aparições. Enfim, diversão nonsense garantida.

Vieram loucuras como o espírito boxeador de “Eye of the tiger” (Survivor), uma corajosa versão a capela de “What a feeling” (Irene Cara), o êxtase sacolejante em “Single ladies” (Beyonce), a doçura épica de “We are the world” (Michael Jackson e Quincy Jones), a transformação de “Take you there” (Sean Kingston) em um quase rap e os surtos eletrônicos de “Hot n’ cold” (Katy Perry) e “Just dance” (Lady Gaga). O sagrado balaio de gato de Asusana e Alíbera também vitimou “Hotel California” (Eagles), “Living on a prayer” (Bon Jovi), “Wind of change” (Scorpions), “Crusader” (Saxon) e “Rehab” (Amy Winehouse). Mas nessa primeira fase nada supera o “plágio divino” de “Toxic” (Britney Spears). Saca só o grau de genialidade tosca.


Deu um vazio no coração quando notei, em meados de 2010, que Alíbera, minha preferida, tinha sumido das “versões místicas”. Será que ela largou de vez esse lance de Inri? Nunca soube. Revelador que o último vídeo que gravou foi uma cover do bolerão “Contigo aprendi” (Armando Manzanero) em algum lugar na Cordilheira dos Andes (?!). Uma nova fase (para todos) começava.

Com a saída de Alíbera, Assinoê tornou-se protagonista. Ela, que já havia feito uma participação davidlynchiana em “Sorry” (Madonna), passou a cantar com seus dramáticos olhos malucos e voz grave coisas tão diversas como “Breaking the law” (Judas Priest), “Judas” (Lady Gaga), “Imagine” (John Lennon), “Rolling in the deep” (Adele), “Ai se eu te pego” (Michel Teló), “Warriors of the world united” (Manowar) e “Ciúme” (Ultraje a Rigor). Nessa segunda fase, os vídeos passaram a ganhar outros cenários, desde novas partes da Terra de Inri até as margens do Lago Paranoá (Brasília), e recursos visuais mais, digamos assim, sofisticados.

A fiel e animada Alara também foi promovida e contribuiu com uma atuação mais moleca-romântica, o que ajudou muito em “I want to know what love is” (Foreigner), “Baby” (Justin Bieber), “Did it again” (Shakira) e “Friday” (Rebecca Black), sempre em dupla com Asusana. Só que, ambiciosa, encarou sozinha “A banda” (Chico Buarque), uma das músicas preferidas de Inri.

De um ano para cá, novas “inrizetes” vem sendo testadas, o que acabou jogando Asusana para escanteio. A mais promissora é a bela e expressiva Adeí que apareceu dividindo microfone com Alara em “We r who we r” (Ke$ha), mas já encarou o desafio solo na complexa e dolorida “Conquest of Paradise” (Vangelis). A outra é Alysluz, que ainda precisa se soltar um tantão, mas não se preocupem porque Alara há de ensinar. Só que em tão pouco tempo, Alysluz teve a sorte de participar de dois dos melhores vídeos da carreira das “versões místicas”: a superprodução “Gangnam Style” (Psy) e “Wannabe” (Spice Girls).

O que acho mais lindo nisso tudo é o desprendimento, o auto deboche. Nesse fantástico mundo maluco da internet vídeos assim viram piada instantaneamente – e lá se vai a “mensagem” de Inri Cristo pelo ralo – e a turma continua produzindo, ano após ano. Sabem talvez que falem bem, falem mal, mas falem de mim (quer dizer, Dele). De qualquer forma todos os envolvidos devem se divertir bastante, e os de fora que tem bom humor também. Isso é o que importa, ó Pai, ó.

Até sempre, pessoal. Com ou sem pimentões.


p.s.:  E se você quiser saber um pouco mais sobre Inri Cristo tome um chopinho com ele em companhia de Michel Blanco.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

esforçando o instagram #13

foi em julho, 29 de julho, que o playcenter abriu pela última vez. já tinha colocado aqui umas fotos da primeira vez que fui lá - pouco mais de um mês antes de seu fechamento! -, mas não das que tirei no seu derradeiro dia de funcionamento. na verdade queria ter escrito algo, mas acabei não encontrando um caminho narrativo. paciência, ficaram as fotos.













+ foto bônus

p.s.: já que essa seção é de fotos "instagramadas" nada melhor que finalizar com mais uma paródia afiadíssima de marcelo adnet sobre a ferramenta tendo como base "tarde em itapoã" (toquinho e vinicius de moraes). via trabalho sujo.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

yahoo #52

nem vou repetir o quanto sou fã de laerte, afinal ele tem aqui até uma seção própria ("laerte da semana"). mas resolvi escrever sobre ele no yahoo porque além de todo seu gênio no ofício este seu processo de feminização (essa palavra existe?) é uma das coisas mais interessantes e enriquecedoras no atual debate sobre direitos para homossexuais e transgêneros. e é preciso usar espaços populares-malucos como o yahoo para colocar essas questões (os comentários por lá são, como era de se esperar, repletos de preconceitos variados).



LAERTE, MAIS QUE UM ROSTINHO BONITO

Cerca de três anos atrás o cartunista Laerte Coutinho, um dos artistas mais importantes das artes visuais brasileiras, passou a dar mergulhos profundos e públicos na própria sexualidade. Quem acompanha suas tirinhas diárias no jornal Folha de S. Paulo já poderia prever que algo estava para acontecer, pois desde 2004/05 elas estavam mais existenciais, filosóficas. Mas então, em 2009, o paulistano começou a virar mulher. Quer dizer, mulher não.

Era o mesmo Laerte de sempre só que com roupas femininas, maquiagem, acessórios, depilação, assumidamente bissexual, e querendo seriamente experimentar um possível “ser mulher” sendo homem (nunca teve intenção de fazer cirurgia de troca de sexo, por exemplo, mas vem pensando em próteses de silicone). Tudo isso foi uma surpresa para os filhos, namorada, amigos e fãs. Mas quem está vivendo na pele, dia após dia, essa surpresa e essa batalha é o próprio Laerte.


  
“Gênero é uma construção social que faz parte da cultura e não da biologia. As possibilidades são inúmeras”, afirmou em recente entrevista à revista Continuum (Itaú Cultural). Homem, mulher, roupa de homem, roupa de mulher, nada disso importa. O que importa mesmo é ser livre e respeitado. O resto vai de cada um.

Agora, o fato de ser muito querido como artista/profissional ajudou um bocado na boa aceitação social de sua nova vida. Com pouco mais de 40 anos de carreira e um curriculum invejável de personagens (Piratas do Tietê, Overman, Palhaços Mudos, Deus, etc.) e obras (Laertevisão, Los Tres Amigos, Muchacha, etc.), Laerte é um privilegiado. Ele sabe disso.



Por isso vem usando suas entrevistas em revistas e TVs (“De frente com Gabi” e “Roda Viva”, por exemplo) como uma forma leve e didática de registrar sua busca pessoal e, ao mesmo tempo, quebrar tabus. Em um mundo que não oferece alguns dos direitos civis mais básicos a homossexuais e transgêneros, a discussão proposta por Laerte parece muito avançada. E é mesmo.

Basta ver a disposição de deputados federais irresponsáveis como o trio João Campos (PSDB-GO), Pastor Eurico (PSB-PE) e Pastor Marco Feliciano (PSC-SP) que vem tentando revogar a resolução do Conselho Federal de Psicologia que proíbe profissionais da área de oferecerem tratamento para “curar” homossexuais. Coisa mais óbvia do mundo, afinal homossexualidade não é doença. Intolerância sim é uma doença e, felizmente, tem cura: educação.



Em reportagem da Exame, Marco Feliciano chega ao absurdo de afirmar que “Não é que nem negro que nasce negro e não tem como mudar. ‘Homossexualismo’ pode ser mudado”. Provavelmente se existisse uma cura para negritude esse homem de Deus lutaria por um tratamento voluntário. De um sujeito que já disse que a AIDS e a fome surgiram na África por causa da “maldição do paganismo, ocultismo” é possível se esperar qualquer coisa.

Mas é isso. As coisas do mundo não caminham em linha reta. São camadas variadas, níveis diversos, ocasionalmente fazendo curvas bruscas à direita ou esquerda, passando por solavancos, dando cavalos de pau. No entanto, alguém ter que se linha de frente, dar a cara pra bater. Sessentona enxuta, Laerte é a cara mais lindamente maquiada de quem respeita a diferença, luta pelo amor e recusa o ódio.


p.s. esforçado: depois lembrei de um vídeo muito divertido feito pelo comediante carioca rafucko que trata justamente de um dos "argumentos" mais recorrentes dos intolerantes dos tempos de hoje, a tal da "ditadura gay". as coisas que a gente tem que ouvir nessa vida...

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

a resposta é...

não sou de poesia, nunca fui. tentei durante um tempo e gostei de alguns caras batutas como t.s. eliot e e.e. cummings. até cheguei a escrever algumas ali pelo final da década de 1990, mas vi que não era a minha, não dava conta. só que uma poesia em particular nunca me saiu da cabeça desde que conheci sua autora na biblioteca do meu pai (seção 'leste europeu/rússia') muitos anos atrás. "versos à tchecoslováquia" foi escrito em 1939 pela russa marina tsvetaeva (1892-1941) por conta da invasão nazista ao país vizinho e é uma das mais fortes odes à liberdade e ao espírito (político) livre. só que marina não se dobrou também aos seus próprios conterrâneos que transformaram a revolução popular de 1917 em um absurdo banho de sangue interno. e pagou caro por isso: viveu na pobreza, perdeu uma filha para a fome, outra filha foi presa, o marido executado acusado de espionagem e, finalmente, o seu suicídio aos 48 anos (quinze dias após a morte do marido, sergei efron). "versos à tchecoslováquia" continua tremendamente atual e serve como alerta constante contra novos e velhos obscurantismos, a violência de sempre.


Versos à Tchecoslováquia
tradução de Augusto de Campos

Lágrimas de ira e de amor!
Olhos molhados, quanto!
Espanha em sangue!
Tchecoslováquia em pranto!

Montanha negra -
Toda a luz amputada!
É tempo - tempo - tempo
De devolver a Deus a entrada!

Eu me recuso a ser.
No asilo da não-gente
Me recuso a viver.
Com o lobo regente

Me recuso a uivar.
Com os tubarões do prado
Me recuso a nadar,
Dorso quebrado.

Ouvidos? Eu desprezo.
Meus olhos não têm uso.
Ao teu mundo sem senso
A resposta é - recuso.

sábado, 3 de novembro de 2012

yahoo #51

nesse primeiro texto yahoozístico pós-campanha escolhi um assunto que queria tratar há tempos: quadrinhos. os últimos anos tem sido sensacionais em termos de lançamentos aqui no brasil e posso falar com conhecimento de causa porque compro e leio quadrinhos nacionais e internacionais desde meados dos anos 1980. na primeira parte, o texto é um apanhado pessoal, enquanto na segunda é um vôo panorâmico sobre os livros em quadrinhos (as tais 'graphic novels') de 2012. quem conhece quadrinhos tá careca de saber de tudo isso, mas é que foi feito como uma apresentação desse mundo pros leitores do yahoo.




CADA UM NO SEU QUADRINHO

Tem gente que até hoje acha que quadrinho é coisa de moleque, criança ou adolescente. Eu descobri criança, ali em meados dos anos 1980, que o buraco era mais embaixo, ou ainda, que os melhores quadrinhos eram aqueles que usavam essa linguagem tão popular para tratar de temas tremendamente adultos. E eles existiam aos montes! Na verdade desde sua origem, na virada do século 19 para o 20, com o extraordinário Little Nemo (1905-14/1924-27), de Winsor McCay. Claro que só fui saber disso muito depois.

No começo eram os super-heróis: Batman, X-Men, Homem Aranha, Hulk, DC Comics e Marvel, aquela coisa toda. Mas aí dentro desse universo comecei a ver coisas diferentes, densas, como Batman – O Cavaleiro das Trevas (Frank Miller, 1986), Elektra Assassina (Miller e Bill Sienkiewicz, 1986-87), Batman: Ano Um (Miller e David Mazzucchelli, 1987), Batman – A Piada Mortal (Alan Moore e Brian Bolland, 1988), Asilo Arkham (Grant Morrison e Dave McKean, 1989) e o Monstro do Pântano de Alan Moore.

E as portas definitivamente se abriram com V de Vingança (Alan Moore e David Lloyd, 1982-85), Watchmen (Alan Moore e Dave Gibbons, 1986-87), Maus (Art Spiegelman, 1986/91), a Mafalda do argentino Quino, a Valentina do italiano Guido Crepax, as moças do também italiano Milo Manara, as aventuras do francês Moebius e o pioneirismo de Will Eisner. No Brasil eram os tempos de Chiclete com Banana (Angeli), dos Piratas do Tietê (Laerte), da revista Circo (editada por Luiz Gê e Laerte) e da saudosa Animal, revista que me fez conhecer um mundo inteiro de artistas de primeira como Tanino Liberatore, Daniel Torres, Fábio Zimbres, Andrea Sapienza, os irmãos Jaime e Gilbert Hernandez, e Lourenço Mutarelli.

Tudo isso que foi citado tinha (e tem) uma coisa em comum: linguagem pop, impacto visual e dedo na ferida (nas mais diversas feridas).


Acredito que nos últimos anos os quadrinhos se cristalizaram como uma das mais relevantes artes populares. E que o mercado editorial brasileiro vem conseguindo dar conta de lançar grandes álbuns estrangeiros e estimular a produção nacional (graças às editoras guerreiras Conrad, Devir e Zarabatana Books, e ao atual poderio da Quadrinhos na Cia.). Não é o ideal, poder ser mais, e ainda é um pouco caro, mas estamos muito melhores do que já estivemos. Basta dar uma olhada nos lançamentos deste ano para se ter pistas disso.

Entre os gringos é possível entender um pouco sobre as relações entre o Oriente Médio e os Estados Unidos em Os Melhores Inimigos (Jean-Pierre Filiu e David B.) ou da história chinesa em Adeus Tristeza – A História dos Meus Ancestrais (Belle Yang). Acompanhar leituras particulares das vidas de grandes personalidades como J. Edgar Hoover (Rick Geary) e Freud (Anne Simon e Corinne Maier) ou de zés-ninguéns como Wilson (Daniel Clowes). E o subgênero ‘confessional’? Está lá em Pagando por Sexo (Chester Brown). Porém, nada melhor que fábulas barra pesada como Pinóquio (Vincent ‘Winshluss’ Paronnaud) e Habibi (Craig Thompson).

Já no Brasil tem o confessionalismo moleque de Momentos Brilhantes da Minha Vida Ridícula (Adão Iturrusgarai), a fantasia Monstros! (Gustavo Duarte), a crônica sexual-racial de Deus Essa Gostosa (Rafael Campos Rocha) e a deliciosa aventura de A Máquina de Goldberg (Vanessa Barbara e Fido Nesti). Destaque especial para os relançamentos luxuosos de Avenida Paulista (Luiz Gê), Diomedes (Lourenço Mutarelli) e Toda Rê Bordosa (Angeli).

Histórias diversas, traços ainda mais, tudo unido em nome de obras que se mostram atualmente mais adultas que o cinema, mais impactantes que a literatura e mais humanas que o noticiário.

p.s.: Até o final do ano deve sair Crônicas de Jerusalém, do sempre excelente Guy Delisle, enquanto não chegam por essas bandas Building Stories (Chris Ware, o mesmo de Jimmy Corrigan) e Journalism (Joe Sacco, de Notícias de Gaza). Sem falar em mais Rafael Coutinho, Rafael Grampá, Dash Shaw, Charles Burns, Marjane Satrapi, Caeto Melo, Alison Bechdel, muita gente boa pra dedéu...