terça-feira, 28 de maio de 2013

"black is not a color; it's an attitude"

blank on blank é uma série de documentários curtos, quase todos em animação, a partir de entrevistas perdidas. simplesmente uma puta ideia genial que conheci através do tumblr da npr music. o video mais recente é uma conversa com james brown, em 1984, na qual "o poderoso chefão do soul" fala de raça, de como o pai pagou para ser ignorante, de estilo e religião, e ainda elogia ronald reagan. saca só.



e a série, que tem cerca de um ano de vida, trouxe ainda muhammad ali, beastie boys, dave brubeck, david foster wallace, jim morrison, bono, kelly slater, larry king e wilt chamberlain.

mexidão #10 e #12

vivo cada vez mais distante do futebol, das torcidas, dos campeonatos, de tudo que gira ao redor da bola. mas a copa do mundo que acontecerá aqui no ano que vem tem sido uma cascata inesgotável de assuntos para quem gosta de pensar o país. acabei então, por força do noticiário, falando da copa em dois textos do mexidão. o primeiro foi sobre o autoritarismo interventor da fifa e o segundo sobre a polêmica caxirola "criada" por carlinhos brown como instrumento-símbolo da copa do mundo do brasil (e ontem o instrumento foi banido da copa das confederações, que começa agora em junho, por causa do incidente em salvador descrito no texto).



AH, QUE É ISSO? A FIFA ESTÁ DESCONTROLADA

Tem algo de muito errado no mundo quando um sujeito solta, tranquilão, a seguinte frase: “Vou dizer algo que é maluco, mas menos democracia às vezes é melhor para se organizar uma Copa do Mundo. Quando você tem um chefe de estado forte, que pode decidir, assim como Putin poderá ser em 2018, é mais fácil para nós organizadores do que um país como a Alemanha, onde você precisa negociar em diferentes níveis”. O tal sujeito é Jérôme Valcke, secretário-geral da Fifa, e essa asneira foi dita durante um simpósio ontem, 24 de abril, em Zurique, sede da organização que organiza a Copa do Mundo.

Lida sobre outro prisma, a asneira de Valcke é um elogio ao Brasil. Durante o mesmo evento ele falou sobre o país nos seguintes termos: “A principal dificuldade que temos é quando entramos em um país onde a estrutura política é dividida, como no Brasil, em três níveis: federal, estadual e municipal. São pessoas diferentes, movimentos diferentes, interesses diferentes e é difícil organizar uma Copa nessas condições”. Pois é, meu caro francês maluco, democracias são assim, um acordo entre diferentes, e é bom que assim sejam.

Mas pelo jeito, o pessoal da Fifa não está se contentando apenas com elogios a países ou líderes autoritários, eles querem mesmo se tornar um. É que hoje apareceu uma notícia tão absurda no site do jornal Tribuna da Bahia que por algum tempo achei que fosse uma piada do satírico Piauí Herald. A manchete grita que a “Fifa proíbe São João em Salvador”. Acuma? Isso mesmo, segundo a reportagem a prefeitura da cidade recebeu ordens da Fifa para não liberar alvarás para festas de rua durante o mês de junho deste ano, época que Salvador será uma das sedes da Copa das Confederações. E antes tinham tentado impedir (sem sucesso, felizmente) a venda de acarajé no entorno do estádio para não ferir os sentimentos do McDonald’s.

Nunca fui do time anti-Copa. Claro que o Brasil está pronto (ou está ficando) e um evento como a Copa injeta muito dinheiro na economia do país, mesmo que, como sempre, seja mal distribuído ou desviado. Porém, desde a violência que aconteceu na Aldeia Maracanã, no Rio de Janeiro, comecei a ter certeza que a coisa está fora do controle. Na certeira definição de @viniciusduarte, “sediar Copa do Mundo é um cavalo de Tróia”, é colocar o inimigo para dentro.

A Fifa é como a enigmática e fechada Coreia do Norte, só que transglobal, cheia de grana e muito influente. Com a promessa de carradas de dinheiro e visibilidade, a organização entra nos países e vai corroendo durante um tempo suas soberanias, violando direitos sociais, pintando o sete geral a seu bel prazer (com o conluio do governo federal, Estados e municípios, todos embevecidos pelo canto da sereia da bola redonda). Mas a Copa vai acontecer, de um jeito ou de outro, e o que dá para fazer agora é ficar atento a tudo porque já deu essa história do dinheiro passar por cima das pessoas. Perdemos Aldeia Maracanã, vencemos a Batalha do Acarajé, e isso é só o começo.


MAIS CAXIXI, MENOS CAXIROLA

Não pensei que iria voltar a tratar da Copa tão cedo. Sinceramente. Só que poucos dias após ter publicado “Ah, que é isso? A FIFA está descontrolada” aconteceu a Revolta das Caxirolas e uma coisa assim não pode passar em brancas nuvens pelo Mexidão. Bem, a essa altura do campeonato quase todo mundo já está nervoso de saber o que é a caxirola, mas não custa fazer um flashback rápido...

Do nada, a FIFA e o Ministério dos Esportes vieram a público apresentar o instrumento musical símbolo da Copa das Confederações e da Copa do Mundo no Brasil. Criação do multi-instrumentista Carlinhos Brown, a caxirola é um chocalho de plástico feito a base de cana-de-açúcar produzida pela Brasken. O músico baiano registrou sua nova obra – contratada não sabe-se como e em quais termos pelo governo – e vendeu os direitos de fabricação e distribuição para a multinacional The Marketing Store. Os valores dessa gigantesca transação não são revelados (o valor de R$ 1,5 bilhão foi estimado aqui e ali), mas o preço sugerido ao torcedor é R$ 29,90.

Daí que logo na estreia oficial do instrumento, domingo passado, 28 de abril, o reformulado Estádio da Fonte Nova viu uma revoada de caxirolas rumo ao gramado. Eram torcedores revoltados do Bahia protestando contra seus dirigentes, enquanto o time perdia para o rival Vitória por 2 a 1. Foi o bastante para o pessoal da grana ficar de orelhas em pé prevendo novas manifestações não-musicais já agora na Copa das Confederações. Bateu um medinho e estão pensando em colocar uma bula para ensinar ao brasileiro como usar o instrumento com responsabilidade.

É isso que dá pensar só em dinheiro e não nas pessoas que fazem e sustentam o espetáculo. Porque, será mesmo que eles acham que ninguém perceberia que a caxirola não passa de um caxixi de plástico? E que é um completo absurdo privatizar um bem cultural tradicional? Ou então que a caxirola não tem relação alguma com o futebol brasileiro? Só mesmo Galvão Bueno e Tadeu Schmidt, os porta-vozes futebolísticos da Globo, para defenderem tal disparate.

Direto ao ponto, o jornalista José Trajano afirmou durante o programa Linha de Passe (ESPN) que o torcedor tem o direito de jogar a caxirola onde bem entender. Na Copa da África do Sul as vuvuzelas podiam ser (e eram) um inferno para os ouvidos estrangeiros, mas eram genuínas integrantes da cultura do futebol no país. E a caxirola? Até quinze dias atrás ela nem existia! Porque diabos deveríamos aceitar algo imposto por essa dobradinha poder público/iniciativa privada e que provavelmente foi gestado em algum reunião de brainstorm com publicitários de sapatênis?

Mas nada disso me surpreende, na verdade. Agora, o papel de Carlinhos Brown nessa tragicomédia... como é que pode um sujeito assumidamente ligado à cultura popular pegar um instrumento tradicional (alô pessoal da capoeira!), dar um tapinha e registrar como criação sua?! Sou fã de Brown e o defendi em março do ano passado no texto “Quem tem medo de Carlinhos Brown?”, mas prevejo que a chuva de garrafas que tomou na cabeça durante o Rock in Rio em 2001 vai ser pinto perto do tsunami de caxirolas que se avizinha por aí. Olha, a Revolta da Caxirola virou até cordel.

Essa apropriação privada de um instrumento popular é o mais grave desse caso, mais até do que a imposição de um símbolo (o pessoal da grana que se vire com o encalhe das caxirolas). Em texto contundente, o antropólogo Henrique Parra tem uma sugestão para minimizar o absurdo dessa situação: “Se o governo está interessado em criar um símbolo, bem poderia indicá-lo e deixá-lo livre, como são os símbolos, ao invés de transformá-lo em propriedade privada. (...) Diversas fabricantes nacionais poderiam produzi-lo, diversos comerciantes locais poderiam distribuí-lo e aquelas corporações interessadas em fazer o produto circular em “outras esferas” (produtos especializados para consumidores endinheirados) poderiam recolher uma taxa específica cujos recursos poderiam ser destinados ao apoio de milhares de escolas de capoeira e grupos culturais espalhados pelo País”. Isso sim é um Brasil de todos.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

letra/música #27 e transversão #42

foi no blog do blundetto que fiquei sabendo do tributo brassens - echos d'aujourd'hui (fanon records), uma homenagem transglobal ao poeta, cantor e compositor anarquista francês georges brassens. nunca tinha ouvido falar dele, confesso, mas semana passada finalmente achei link para download do disco (aqui ou aqui) e é uma coisa linda. e também surpreendente porque foram reunidos artistas de várias partes do planeta cantando brassens em suas línguas nativas, o que acaba abrindo inúmeras portas para se procurar as versões originais e compará-las, colidí-las, etc. nas 16 faixas aparecem figuras como shawn lee (estados unidos), lianne la havas (inglaterra), grupo canalon de timbiqui (colômbia), las hermanas caronni (argentina), enkhjargal (mongólia), anthony joseph (trinidad), yael naim (israel) e, claro, blundetto (frança). mas então aparece rodrigo amarante cantando "o não-pedido de casamento" e... puxa... que versão, que música espantosamente linda e rebuscada. escuta só.




o não-pedido de casamento
(georges brassens, tradução e adaptação de rodrigo amarante e stephane san juan)

meu bem, por deus, tenho um pedido
não apontemos pro cupido
sua própria flecha
tantos amantes se arriscaram
com seu gozo eles pagaram
tal sacrilégio

uma aliança em cada mão
a jurar ordem de prisão
em domicílio
pro inferno, amélias secas amas
que deixam frias suas camas
pra pilar milho

eu tenho a honra de não te pedir a mão
pra quê firmar no pergaminho essa união?

vênus presa perde o viço
e com o choriço frita o juízo
cai na comida
por nada neste mundo eu vou
despetalar sobre o escargot
a margarida

cai o véu, com ele o encanto
o segredo da sereia, o canto
de Melusine
o batom nas cartas perde a cor
entre uma e outra página do
Nouvelle Cuisine

eu tenho a honra de não te pedir a mão
pra quê firmar no pergaminho essa união?
eu tenho a honra de não te pedir a mão
pra quê firmar no pergaminho essa união?

é muito fácil a gente pensa
largar no fundo da despensa
numa conserva
o belo fruto proibido
perdeu o gosto, foi cozido
não se preserva

de uma empregada eu não preciso
tratado a pão de ló, aviso
não quero nunca ser
como uma noiva eterna intento
a dona dos meus pensamentos
eu sempre ver

eu tenho a honra de não te pedir a mão
pra quê firmar no pergaminho essa união?
eu tenho a honra de não te pedir a mão
pra quê firmar no pergaminho essa união?
eu tenho a honra de não te pedir a mão
pra quê firmar no pergaminho essa união?

amarante, que está para lançar seu primeiro disco solo (cavalo), canta e toca violão acompanhado de berna ceppas (sintetizador), moreno veloso (cello), alberto continentino (baixo) e stephane san juan (percussão). agora veja e escute brassens direto de algum lugar dos anos 1960...



nas buscas por saber e ouvir mais dessa música encontrei ainda uma versão instrumental comandada por eddie "lockjaw" davis (sax tenor) e harry "sweets" edison (trompete) e lançada em 1979.



p.s.: agradecimentos a bebel prates que conseguiu essas informações (banda, tradução e revisão da letra que transcrevi) com o próprio amarante.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

mexidão #11

pouco depois que escrevi esse texto no mexidão, a garota de programa (e escritora) lola benvenutti se mudou de são carlos para são paulo e já está aprontando mil e umas. acho que esse foi um dos textos que mais gostei de escrever nessa primeira fase do novo blog no yahoo - e quem me sugeriu a lola foi o infalível michel blanco - e ainda contou com a participação especial da colega carol patrocínio. pedi algumas palavras dela sobre lola e recebi um belo texto. no yahoo tive que editar, mas aqui ele vai na íntegra.


SEXO É ISSO, AQUILO E VICE-VERSA

Dia desses imaginei o seguinte cenário: se pelo menos um terço (número totalmente hipotético) dos fiscais do gozo alheio curtissem os próprios prazeres, que maravilha seria viver. Lola Benvenutti concorda comigo. Ou eu concordo com ela, tanto faz. Só que Lola vai além, pois faz de seu próprio corpo um campo de batalha, no qual sexo é orgulho e dinheiro não é vergonha.

Nascida Gabriela Natália da Silva há 21 anos em Pirassununga, Lola começou a fazer programas quando se mudou para São Carlos. Até o último ano do curso de Letras na UFSCar manteve Gabriela e Lola em mundos distintos, pois temia represálias e inquisições, mas em março do ano passado abriu seu blog para contar suas experiências e os programas que faz pelo interior de São Paulo (o que faz lembrar imediatamente de Bruna Surfistinha, só que Lola é mais bem humorada e escreve melhor).

Sua história apareceu numa entrevista para o site São Carlos em Rede, depois numa longa matéria no G1 e mais recentemente no site da Folha de S. Paulo. Felizmente todas as reportagens conseguiram dar conta da postura orgulhosa e tranquila de Lola. O moralismo galopante só apareceu nos comentários.

Fugindo de todos os clichês da profissão, Lola nasceu em uma família feliz de classe média (pai militar da reserva, mãe enfermeira), não tem histórico de abuso, não começou a fazer programas para pagar a faculdade, nada disso. Lola faz programas porque gosta de sexo e dinheiro, simples assim. Ela mesma falou assim para o São Carlos em Rede: “Acho curioso o fato de as pessoas tentarem imaginar qual acontecimento familiar macabro me levou a este caminho. Lamento desapontá-los, mas a verdade é que tive ótima educação. Fui criada no sítio, com os melhores valores que alguém pode aprender. A questão é que eu amo sexo! (...) Tornar-me acompanhante foi apenas uma maneira de unir dois gostos: sexo e dinheiro”.

"Sou a Lola. Uma garota simpática, bela e que adora sexo! Intenso, forte, com desejo. É assim que tem que ser", diz na bio em seu blog

O raciocínio de Lola é tão cristalino que dá até um pouco de vergonha dessa questão ainda ser considerado “polêmica” nos dias de hoje. Mas ela, como já disse, vai além. “Meu modo de escrever é reflexo não apenas desse desejo de conferir glamour a este magnífico universo, mas também uma forma de valorizar meu intelecto. Sou garota de programa e sou inteligente, estudada, culta. Reconheço meu poder e quero que os outros também reconheçam”, disse a jovem que ostenta, igualmente orgulhosa, tatuagens com frases de Manuel Bandeira e Guimarães Rosa e faz strip-tease ao som de Etta James.

Já no G1 ela colocou o dedo diretamente na ferida ao afirmar que “as pessoas são hipócritas, vivem de sexo, veem vídeo pornográfico, mas não falam porque têm vergonha. Um monte de mulher entra no blog e fala que adoraria fazer o que eu faço, mas não tem coragem; e dos homens escuto as confissões mais loucas e cada vez mais esse tabu do sexo é uma coisa besta”.

Poderia falar por horas que falar e fazer sexo sem tabu faz um bem danado para a cabeça, mas preferi perguntar para Carol Patrocínio, jornalista, colega de Yahoo! e autora do blog Preliminares, o que ela acha dessa história. Com vocês, Carol...

“Acho inspirador ver mulheres como a Lola assumindo seu desejo sexual e sua busca por independência financeira da maneira que acreditam ser a melhor para si. O corpo da mulher é da mulher, assim como suas decisões.

É importante que a mulher tenha essa liberdade, que possa dizer com todas as letras que gosta de sexo e que o faz com quem quer, cobrando ou não. Não dá mais pra gente ficar tentando regrar a vida alheia, muito menos em uma questão tão íntima quanto o prazer. Ela tem prazer em vender sexo, qual o problema nisso? O que isso muda na sua vida? Se a cada julgamento que fizermos nos fizermos esse último questionamento veremos que dá para viver de maneira muito mais leve.

O feminismo, pelo que eu entendo, luta por igualdade, liberdade e respeito. Nada mais certo do que respeitar escolhas sem que a “moral e os bons costumes” ganhem espaço no mundo libertário que tentamos criar diariamente com nossos trabalhos de conscientização e informação. Ainda há um ranço religioso e cultural muito forte entre as pessoas, o que contamina as opiniões e faz com que o uso do corpo soe como algo imoral. O corpo é lindo, o sexo é parte da vida e a maneira que cada um se relaciona com o seu prazer é única. Não existe certo ou errado quando tudo que é feito é consensual. Lola teve coragem de assumir o que muitas mulheres adorariam e não têm coragem. Prostituição é, sim, uma escolha. E não há nada de vitimizador, vergonhoso ou errado nisso”.

Lola e eu assinamos embaixo. E vice-versa.

domingo, 19 de maio de 2013

virada cultural 2013, breve saldo pessoal

como sempre acontece em termos de virada cultural, a teoria é uma coisa e a prática é outra. fiz um roteiro com nove shows e vi, inteiros, quatro. a história desse ano foi mais ou menos a seguinte: finalzinho do lucas santtana (delícia), metá metá (absolutamente poderoso, e com muita gente cantando todas as letras - só lamentei não ter rolado “cobra rasteira”), black star (muito e muito bom), um pedacinho bem divertido de rappin hood, racionais (show foda, histórico, catártico, pra cima - mas vou depois escrever mais sobre esse comparando com o da virada de 2007) e baiana system (outra delícia total).

acompanhei e fiquei sabendo de algumas brigas/arrastões, mas não acho que a segurança (ou falta de) seja um problema maior que a limpeza, por exemplo. a sujeira na madrugada e início da manhã sempre foi e continua sendo pra mim o grande problema estrutural da virada, tanto por culpa da(s) prefeitura(s) quanto pelo público. mas voltando ao tema ‘violência’, também não acho que foi maior esse ano que nos outros e olha que já tenho uns seis ou sete de virada (e dois anos atrás fui assaltado). na madrugada desse domingo, por exemplo, atravessei em dois momentos a parte clássica da crackolândia (rua do triunfo, rua dos gusmões) e os nóias tavam lá no seu próprio mundo sem mexer com ninguém. a violência ali era só da tristeza e do abandono.

mas é claro que a combinação de muita gente com álcool durante muitas horas é potencialmente explosiva em qualquer lugar (principalmente na madrugada) e realmente não sei o que pode ser feito pra resolver esse dilema do evento. acho que tá mais que na hora de se pensar – e isso é apenas um exemplo – em mini viradas espalhadas pela cidade e trimestrais ou semestrais. talvez uma pulverização do público pela cidade resolvesse alguns desses problemas (do mesmo jeito que proibir bebida certamente não é uma das soluções).

vi muitos policiais na rua, mas achei que eles pareciam estar numa onda liberal, saca? num laissez fair/laissez passer de corpo presente e braços cruzados. impossível não cogitar a hipótese conspiratória que a pm, do governador alckmin (psdb), tenha recebido alguma ordem para ficar numa relax, numa tranquila, numa boa, afinal foi a primeira virada da administração haddad (pt). enquanto isso, no twitter, o cada vez mais infantil serra (psdb) se mostrou preocupado que o evento esteja sendo usado para “aparelhamento político-partidário” (zzzzzz).

de resto, uma programação bem boa e variada (como sempre tem que ser), e muita gente se divertindo numa cidade que precisa justamente disso (e cada vez mais).

p.s.: tava tão afim de curtir o que conseguisse na virada (e as pessoas que porventura encontrasse, premeditadamente ou não) que mal entrei na internet & redes sociais e só tirei uma foto (e ruim) do show do racionais. essa aqui ó...

segunda-feira, 13 de maio de 2013

transversão #41

não lembro quando ouvi “marcianita” pela primeira vez. acho que ela tá naquele rol de músicas que sempre existiram, sempre tocaram, e não se sabe direito como surgiram (nem no mundo, muito menos pra si). mas sei muito bem quando ela definitivamente entrou na minha lista de preferidas: durante os shows que o mauricio pereira fez no início dos anos 2000 e que resultaram no disco as canções que você já assobiou (2003). foi então que descobri a gravação do sérgio murilo (1960), a do caetano com os mutantes (1968), uma do raul seixas (1973), outra da gal costa (2002) e recuperei a memória de uma do grupo rumo (1992).

recentemente, e com certo atraso, ouvi a que jussara silveira gravou no disco ame ou se mande (2011) e chapei novamente. que versão linda e divertida! fui então pesquisar a origem da música e me surpreendi com as poucas informações. consegui descobrir que “marcianita” é uma composição de josé imperatore marcone e galvarino villota alderete, chilenos até onde sei, e foi lançada em 1959 (até poucos dias atrás nunca tinha ouvido nenhuma interpretação em espanhol). de bate pronto fez muito sucesso na argentina na voz de billy cafaro e no ano seguinte ganhou uma versão em português assinada por fernando césar que estourou com sérgio murilo. a partir daí ganhou inúmeras versões por aqui (e também em portugal com daniel bacelar, por exemplo).

nessa volta a seção transversão após tantos meses de silêncio (a última foi em julho do ano passado com “maria bethânia” de caetano) separei algumas das minhas versões preferidas dessa lindeza que é “marcianita”. começando com o argentino billy cafaro e os chilenos do grupo los flamingos, ambos em 1959.



então chegamos ao brasil e logo de cara sérgio murilo quebra tudo numa versão cool, sofisticadíssima, pré-jovem guarda.


queria colocar a do caetano com os mutantes, mas não achei nenhuma opção para incorporar. tristeza, viu? então agora é a vez das totalmente excelentes (e paulistanas) gravações do grupo rumo e de maurício pereira.




e, finalmente, jussara silveira em sua interpretação cristalina e deliciosa, acompanhada por sacha amback e marco costa.


pra encerrar essa postagem uma gravação que achei nessas buscas e que me impressionou bastante. gravada em 2012, essa “marcianita” traz ana clara cantando acompanhada pelo trio molho negro e por felipe cordeiro, todos paraenses. baita versão, mais pesada e pop, e com uma parte em espanhol levada no tecnobrega.



p.s.: e ainda tem os trapalhões (sim, isso mesmo, os trapalhões numa versão absolutamente fuleira), bobby di carloalípio martins, léo jaime, o “marcianito” de sueli, e uma recentíssima do felipe cordeiro, etc. 

domingo, 12 de maio de 2013

mexidão #09

uma coisa certa nessa vida: tom zé é foda. hoje com 76 anos, o artista segue produzindo a mil por hora, experimentando, olhando e pensando sobre o presente e o futuro da cultura e da música popular, e com bom humor, sem parar, sem parar. as críticas que surgiram com sua participação em uma propaganda da coca-cola o fizeram criar um de seus trabalhos mais interessantes e divertidos dos últimos anos, o EP tribunal do feicebuqui. lá no yahoo falei dessa resposta-musical que ainda contou com a participação de uma boa turma de jovens músicos paulistanos - o terno, emicida, tatá aeroplano, trupe chá de boldo e filarmônica da pasárgada - sob curadoria do jornalista marcus preto. de seus discos dos anos 2000 gosto muito de estudando o pagode e jogos de armar, gosto de estudando a bossa, imprensa cantada e pirulito da ciência, achei danç-êh-sá muito chato e ainda não entendi direito o tropicalismo lixo lógico. só a partir dessa listinha é possível ver o muito que o baiano produziu nos últimos anos e sempre muito intensamente. quer dizer, você pode não entender, pode até não gostar, mas é impossível não respeitar um cara apaixonado como ele e que ainda faz tanto pela música e pelo brasil... após ter lançado tribunal do feicebuqui deu ótima entrevista no programa roda viva e pagou um esporro federal durante show no circo voador (porque alguém jogou um copo de cerveja no palco).


O ARROTO GOSTOSO DE TOM ZÉ

Foi no início de março deste ano que apareceu na TV e na internet uma propaganda da Coca-Cola narrada por Tom Zé. Rapidamente, como sempre nos tempos de hoje, apareceram um tanto de comentários críticos à participação do artista na publicidade do refrigerante. “Tom Zé, seu vendido” foi o mantra repetido ad nauseam nas redes sociais.

O baiano de Irará, 76 anos, é um dos maiores artistas da música brasileira (e, consequentemente, do mundo). Também é um dos mais irrequietos, originais e coerentes. Por tudo isso ele já merecia um pouco de mais maturidade nas críticas, mas Tom Zé nunca fez sucesso (em sucesso leia-se, no caso, dinheiro) na vida, apesar de ser referência para centenas de artistas brasileiros e internacionais. E durante cerca de 15 anos, do final da década de 1970 ao inícios dos anos 1990, passou por profundas dificuldades financeiras que quase o fizeram desistir da carreira.

Mas os mimados da internet se acham no direito de julgar e apontar o dedo – quem destes comprou um disco dele ou foi em shows? – e tanto fizeram que Tom Zé publicou um texto em seu blog. Genuinamente preocupado, afirmou o seguinte: “É curioso que quando fui consultado sobre o anúncio nem pensei nessa probabilidade [das críticas negativas]. No ano passado meu disco [Tropicália Lixo Lógico] fora patrocinado pela Natura e como eu nunca tinha recebido patrocínio desse tipo – nem de nenhum outro – , cara, eu me senti como um artista levado em conta!”.


Não tem nada de errado na propaganda da Coca narrada por Tom Zé. Tem uma graça e um otimismo pelo Brasil que são típicos dele. Mas certos fãs que ainda acreditam que o refrigerante é o “líquido negro do capitalismo” ou algo parecido não lhe perdoaram (e, veja bem, a Natura, que é bem brasileira, não é nada santa). E não adiantou o compositor de clássicos como “Angélica, Augusta, Consolação” falar que o dinheiro ganho será reinvestido em sua própria música (nada de carrões, iate, cobertura de luxo, etc).

“Atualmente sinto paixão pela retomada do projeto dos instrumentos experimentais de 1972. Com a eficiente colaboração do engenheiro Marcelo Blanck, começamos a desenvolver alguma tecnologia, mas com recursos parcos, insuficientes. (...) Aí entrou o anúncio da Coca-Cola que, mesmo sem ela saber, patrocinaria boa parte da pesquisa”, disse no blog. Humildemente ainda perguntou: “Será que o uso dos recursos obtidos com o anúncio muda a avaliação de vocês?”. Olha o tamanho da fofurice e da atenção do sujeito! Eu já teria mandado todo mundo catar coquinho na ladeira.

Só que Tom Zé é mais, muito mais. Nesse meio tempo ele se reuniu com um grupo de jovens artistas de São Paulo (Emicida, O Terno, Tatá Aeroplano, Filamônica de Pasargada e Trupe Chá de Boldo), gravou e acabou de lançar o EP Tribunal do Feicebuqui para dowload gratuito em seu site oficial.

Nas cinco faixas do disco, Tom Zé dá um tapa com luva de pelica nos patrulheiros da vida alheia. Estão lá versos irônicos como “Que é que custava morrer de fome só pra fazer música?” (em “Tom Zé Mané”) ou “O povo, querida, com pedras na mão voltadas contra o imperialismo pagão / E na cerimônia do beija-pé / Papa Francisco perdoa Tom Zé / No Feicebuqui da Santa Sé / Papa Francisco perdoa Tom Zé” (em “Francisco perdoa Tom Zé). É isso, meu caro Tom Zé, arrota melhor quem arrota melhor.


p.s.: seguem abaixo as cinco músicas do tribunal do feicebuqui.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

mexidão #08

li muita coisa sobre a redução da maioridade penal antes e depois de escrever esse texto para o mexidão. simplesmente não consigo entender como até algumas pessoas inteligentes levaram a sério uma questão que pra mim é uma das mais cretinas e danosas da atualidade. pensar num aumento da reclusão para menores que cometeram crimes violentos (latrocínio, estupro, etc.) é uma coisa, mas generalizar em forma de lei é de uma cegueira absurda. é a boa e velha tática conservadora de atacar os fins e não os meios.


se o juizado de menores vier,
melhor que venha armado...


REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL: 
O OPORTUNISMO DE SEMPRE

Dez dias atrás, o estudante Victor Hugo Deppman, 19 anos, foi assassinado com um tiro na cabeça em frente ao prédio que morava com a família no Belém, bairro da Zona Leste de São Paulo. Victor não reagiu e mesmo assim o assaltante de 17 anos atirou à queima roupa. Mais uma tragédia com armas de fogo, mais uma família em luto pra vida toda.

Só que, mais uma vez, uma parte da opinião pública e a grande imprensa transformaram a dor em gritaria pela redução da maioridade penal (de 18 para 16 anos) como se uma tragédia isolada fosse um problema crônico. Nos últimos anos houve um aumento de crimes juvenis? Não, não houve. Em nota técnica contrária à redução da maioridade penal, a Fundação Abrinq afirmou, via Levantamento Nacional de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei (2011), “que de 2002 para 2011 houve uma redução percentual de atos graves contra pessoa e o homicídio apresentou redução de 14,9% para 8,4%; a prática de latrocínio reduziu de 5,5% para 1,9%; o estupro de 3,3% para 1,0% e lesão corporal de 2,2% para 1,3%”.

Enquanto o espírito linchador insistir que é preciso prender mais e por mais tempo nada disso vai mudar, muito menos melhorar. Não adianta atacar, como é costume de políticos oportunistas como o Governador Geraldo Alckmin (SP), os fins e não as causas da violência. E, acima de tudo, não é possível legislar ou mudar leis com base na emoção. Estimular e melhorar a infraestrutura de medidas sócio-educativas é o melhor caminho para tirar os jovens do mundo do crime.


Em ótimo texto sobre o assunto, Vinícius Boncato, aluno de Jornalismo na mesma Casper Líbero no qual Victor Deppman estudava Rádio e TV, faz uma pergunta muito importante: a questão é tentar reduzir a violência ou atender a um desejo coletivo de vingança? É vingança, claro, como diz o jornalista Leonardo Sakamoto em “Jovem rico erra. 'Menor' pobre comete crime” (também de sua pena é o texto provocativo “Maioridade penal aos seis. Afinal, nessa idade, eles já se vestem sozinhos”).

De volta à nota da Abrinq é bom que se entenda que “antes de criminalizarmos a adolescência, é preciso que os direitos sociais, tais como, educação, saúde, moradia, lazer, segurança, entre outros, estejam assegurados para cada adolescente brasileiro. Somente assim poderemos ser de fato um país democrático, rico e com justiça social”. É por isso que a gente tem que lutar.

p.s.: Vale assistir um documentário curto sobre os benefícios da prática de yoga para detentos da Fundação Casa e também as ponderações do antropólogo Paulo Malvasi no programa Encontros com Fátima Bernardes. São dois vídeos: “Medidas sócio-educativas são a melhor opção para recuperar menores” e “Redução da maioridade é atitude paliativa”.

domingo, 5 de maio de 2013

elas cantam ele, eles cantam ela

neste ano, o selo jóia moderna lançou dois excelentes tributos. não foram os primeiros da curta vida do selo criado pelo dj zé pedro – antes aconteceram literalmente loucas - as canções de marina lima (2011) e a voz da mulher na obra de guilherme arantes (2012) –, mas certamente são os melhores até agora (achei o da marina bom e o do guilherme arantes muito fraco). mulheres de péricles (2013) traz um punhado de cantoras da nova geração ao redor do compositor péricles cavalcanti, enquanto coitadinha bem feito (2013) faz o mesmo com jovens cantores e as músicas de ângela ro ro. ah, como se não bastassem trazer interpretações surpreendentes para algumas canções bem conhecidas, os dois tributos também estão disponíveis para download gratuito.


mulheres de péricles - péricles cavalcanti é um ilustre desconhecido. todos sabem cantar pelo menos uma de suas composições, mas poucos conhecem seus discos solos (são 5) ou associam seu nome a canções gravadas por gal (“negro amor”), caetano (“elegia”), arnaldo antunes (“eva e eu”) e adriana calcanhotto (“medo de amar nº3”). não que isso seja um problema ou motivo de ressentimento para ele (não parece), mas de qualquer forma esse disco é uma oportunidade e tanto para colocar alguns pingos nos is, principalmente sobre a poesia sofisticada e popular de suas letras. por outro lado, a escolha dessas jovens vozes femininas confere diversos tons de delicadeza (sexual, rascante, derramada, etc.) e experimentações musicais das mais variadas a canções feitas no decorrer das últimas quatro décadas. todas soam igualmente fresquinhas, urgentes. cada ouvinte terá suas preferidas e as minhas são “clariô” (marietta vital e mairah rocha), “blues” (céu), “porto alegre” (tulipa ruiz), “elegia” (mallu magalhães), “quem nasceu?” (laura lavieri) e “ode primitiva” (bárbara eugênia). detalhe: os anos indicados após as músicas (o mesmo vale para o próximo tributo) são das gravações originais.


1. céu – “blues” (péricles cavalcanti, 1981)
2. nina becker – “o céu e o som” (péricles cavalcanti, 1974)
3. blubell – “bossa nova” (péricles cavalcanti, 2004)
4. mallu magalhães – “elegia” (péricles cavalcanti & augusto de campos, 1979)
5. bárbara eugênia – “ode primitiva” (péricles cavalcanti & haroldo de campos, 1991)
6. marietta vital & mairah rocha – “clariô” (péricles cavalcanti, 1977)
7. tulipa ruiz – “porto alegre” (péricles cavalcanti, 2007)
8. iara rennó – “nossa bagdá” (péricles cavalcanti, 2004)
9. anelis & serena assumpção – “eva e eu” (péricles cavalcanti & arnaldo antunes, 1996)
10. laura lavieri – “quem nasceu?” (péricles cavalcanti, 1974)
11. karina buhr – “negro amor” (péricles cavalcanti & caetano veloso, 1977)
12. juliana kehl – “será o amor?” (péricles cavalcanti, 2004)
13. ava rocha – “musical” (péricles cavalcanti, 1983)
14. tiê – “medo de amar nº3” (péricles cavalcanti, 2000)
15. juliana perdigão – “canto maneiro” (péricles cavalcanti, 1991)




coitadinha bem feito - felizmente ângela ro ro se tornou objeto de culto ainda em vida, e a partir dos anos 2000 voltou a fazer shows, a gravar e até emplacou um programa de televisão. coitadinha bem feito é um coroamento desse movimento e uma bela homenagem a uma das compositoras mais fortes da música popular brasileira. a costura do repertório é menos original que a do mulheres de péricles – tanto que metade do tributo veio diretamente do disco de estreia de ângela, de 1979 –, mas a escolha por (e dos) intérpretes masculinos é um belo contraponto ao estilo da carioca. suas ironias mudam de lugar, seu romantismo rasgado ganha distância, seu blues ganha novas cores. as preferidas da casa são (sem nenhuma ordem, sempre) “balada da arrasada” (tatá aeroplano), “perdoai-os pai” (rael), “coitadinha bem feito” (otto), “não há cabeça” (pélico), “me acalmo danando” (hélio flanders), “came e case” (léo cavalcanti), “abre o coração” (gui amabis) e “fogueira” (rodrigo campos). baixe aí e veja quais são suas preferidas porque música boa é que não falta.

1. lucas santtana – “amor meu grande amor” (ângela ro ro & ana terra, 1979)
2. lira – “renúncia” (ângela ro ro, 1980)
3. leo cavalcanti – “came e case” (sérgio bandeira & ângela ro ro, 1981)
4. rómulo froés – “só nos resta viver” (ângela ro ro, 1980)
5. thiago pethit – “mares da espanha” (ângela ro ro, 1979)
6. tatá aeroplano – “balada da arrasada” (ângela ro ro, 1979)
7. otto – “coitadinha bem feito” (sérgio bandeira & ângela ro ro, 1981)
8. gui amabis – “abre o coração” (ângela ro ro, 1979)
9. adriano cintra – “gota de sangue” (ângela ro ro, 1979)
10. pélico – “não há cabeça” (ângela ro ro, 1979)
11. rodrigo campos – “fogueira” (ângela ro ro, 1984)
12. kiko dinucci – “tango da bronquite” (ângela ro ro, 1980)
13. rael – “perdoai-os pai” (sérgio bandeira & ângela ro ro, 1981)
14. gustavo galo – “fraca e abusada” (ângela ro ro, 1981)
15. dani black – “tola foi você” (ângela ro ro, 1979)
16. juliano gauche – “a mim e a mais ninguém” (ângela ro ro, 1979)
17. helio flanders – “me acalmo danando” (ângela ro ro, 1979)

quarta-feira, 1 de maio de 2013

mexidão #07

fui percebendo com o tempo que a mistura de cultura e política se tornou um dos principais tópicos da minha vida profissional. mais ou menos evidente em tudo que escrevo, mas principalmente no yahoo. então, por exemplo, dei um tempo das polêmicas quentes do cotidiano lá no mexidão para falar do cantor e compositor rodriguez e da sua história contada magnificamente pelo documentário searching for sugar man. obviamente a política acabou se metendo lá pelas tantas... coisas da minha vida, minha nega, e de mais um monte gente.


O CULTUADO ANONIMATO DE RODRIGUEZ

Conheci a música de Rodriguez – ou Sixto Rodriguez ou Jesus Rodriguez – uns três anos atrás por causa de um relançamento de seu primeiro disco, Cold Fact (1970). Não sou fã de folk music, gosto de uma coisa aqui e outra ali, mas tinha algo de muito urgente em suas crônicas urbanas sobre despossuídos como ele (viciados, moradores de rua, trabalhadores braçais, etc.). Sem falar que canções como “Sugar Man”, “Inner City Blues”, “Crucify Your Mind” e “Rich Folks Hoax” ganharam arranjos inspiradíssimos criados pelos produtores-músicos Dennis Coffey e Mike Theodore.

Mas não sabia nada sobre sua vida e de sua carreira só tinha conhecimento que havia lançado outro disco, Coming from Reality (1971), e depois que este também não fez sucesso nos Estados Unidos ele sumiu do mapa. Então surgiu o longa Searching for the Sugar Man (2012), do diretor sueco Malik Bendjelloul, com uma história tão absurdamente fantástica que nenhum ficcionista poderia ter imaginado. O filme acabou ganhando, este ano, o Oscar de Melhor Documentário.


É que enquanto sua terra natal o ignorava solenemente – e ele voltava a trabalhar, sem crise, na construção civil de Detroit –, Rodriguez se tornou objeto de culto na distante África do Sul. Segundo a lenda, uma americana levou o disco para o país nos anos 1970 e jovens brancos (os afrikaners descendentes de holandeses) começaram a fazer cópias e cópias em fitas K-7. Foi a época mais violenta do apartheid e toda a comunicação era controlada por um dos mais autoritários e segregacionistas Estados do século 20. A crítica social nas letras de Rodriguez caiu como uma luva nos corações daqueles que viam o absurdo de ver a grande maioria negra e nativa ser perseguida, brutalizada, sem nenhum direito.

Só que Rodriguez não sabia de sua fama na África do Sul, do quanto influenciou a juventude e de que possivelmente seu disco Cold Fact vendeu cerca de 500 mil cópias por lá. Também  não sabia que outra lenda afirmava que ele tinha suicidado em pleno palco e as versões variavam entre um tiro na cabeça e o ateamento de fogo em seu próprio corpo. Esse desconhecimento mútuo durou até 1997 quando um fã sul-africano criou uma página na internet para tentar descobrir o paradeiro do ídolo (já sabendo que ele estava vivinho da silva). Não demorou muito para que uma das três filhas do compositor de origem hispânico-indígena entrasse em contato girando a roda viva de um emocionante reconhecimento tardio. Flores em vida, diria Nelson Cavaquinho.


De lá para cá, Rodriguez voltou a fazer shows e ganhou reconhecimento em seu país, sem nunca deixar de ser um cara que canta a dor das ruas, um trabalhador-artista meio louco e muito lúcido. Ouvindo Rodriguez e sua história tão bem contada em Searching for Sugar Man acabei lembrando uma passagem de A Lebre da Patagônia, livro de memórias do cineasta e escritor Claude Lanzmann: “(...) os humanos só são humanos porquê tem a capacidade de transformar num valor aquilo que os oprime e sacrificar-se por ele. Isso é a humanidade em si, mas também pode ser chamado de tradição, como vimos, e mais ainda, de cultura” (pág. 272). Podiscrê.

laerte da semana #45

laerte e a incrível semelhança com os humanos...