quarta-feira, 28 de setembro de 2016

héloa, o release

uma das coisas certas na vida é que a música popular brasileira - que, bom frisar, é muito mais ampla que a tal mpb - nunca vai te deixar na mão. ano após ano tem gente boa aparecendo, gente ótima surgindo, jovens artistas amadurecendo, gêneros se firmando e se transformando, velhos artistas inquietos. enfim, tem surpresa por todos os lados e de muitas formas.

a cantora e multiartista héloa, sergipana radicada em são paulo, é uma dessas surpresas boas, refrescantes mesmo, e tive a honra de escrever o texto-release pra divulgar seu disco de estreia, o belo 'eu'. não fiz muitos releases na vida e antes deste, foram apenas três - trio esmeril [junior boca, guizado e mauricio takara], projeto manada e paulo carvalho - e é curioso ver um pouco da inquieta e atual diversidade musical brasileira nessa pequena amostra.

agora, sem mais blábláblá, o texto sobre o 'eu' de héloa e sua música.



Uma voz que canta ventos e avenidas, amizades e mudanças, sorrisos e silêncios, amores e lembranças... uma voz assim não se encontra todo dia. Héloa é a dona desta voz e o seu 'Eu' – estreia em disco dois anos após o EP ‘Solta’ - é uma espécie de autorretrato de uma artista em movimento.

A história e os sons de ‘Eu’ começam em Aracaju, Sergipe, terra natal da cantora. É lá que seus caminhos se abrem, é lá que começa a dançar, fazer teatro e artes visuais. E a compor. Amarrando tudo com uma voz de céu, sol e mar. Uma voz quente. 

E então, vem a mudança. No segundo semestre do ano passado, Héloa decidiu ir para São Paulo para gravar e encontrar ‘Eu’. Tal movimento é ilustrado no disco pela regravação de “Caravana” [Geraldo Azevedo e Alceu Valença]. Ela sabe que é inevitável se arriscar, se jogar no mundo, e soa muito pessoal e verdadeira quando canta, com um fraseado todo especial: “Corra, não pare, não pense demais / Repare essas velas no cais / Que a vida é cigana”. 



Antes de partir em “Caravana”, na vida e no disco, Héloa pede “proteção para minha estrada, que não me aconteça nada que atrapalhe esta jornada de viver” [“Proteção”, de Ruan Levy, é a a faixa que abre ‘Eu’]. Daí faz silêncio pra enxergar e se expressar melhor [na ótima “Calei”, de Allen Alencar, talvez a mais pop do disco] e se espreguiça apaixonadamente ao acordar lado a lado com o amor [“Amanheceu, seu sorriso”, de Allen Alencar]. 

Acompanhada pelos músicos e produtores Daniel Groove e João Vasconcelos, Héloa vai encontrando novos ‘eus’ em São Paulo, todos muito apaixonados e apaixonantes. Na linda “A avenida” [Héloa e Eduardo Escariz], a cantora lamenta perdas, procura respostas e guarda certezas no coração, e, em meio ao frenesi de uma cidade grande e nova, Héloa vai buscando tranquilidades na vida.

De música em música, e sem nunca se prender a rótulos, a cantora se coloca naturalmente como mais uma força a expandir e misturar os limites da música popular brasileira. Afinal, tem um tanto de afoxé em “A paz que desejei” [Eduardo Escariz], balada em “Super herói” [Daniel Groove], brega romântico em “Se você disser que vem” [Daniel Groove], bossa em “Crua” [Otto] e bluegrass em “Meus amigos” [Saulo Duarte e Daniel Groove]. Mas todas as canções de ‘Eu’ vão muito além de um gênero, muito além da velha e gasta mpb.

É que Héloa canta ventos e avenidas. Uma voz assim não se encontra todo dia.



p.s. 1: saiu o clipe de “Calei”.



p.s. 2: apresentação ao vivo de Héloa no estúdio do Showlivre.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

não vai ter selfie

o controle midiático da narrativa política é um troço avassalador. semana passada aconteceram em são paulo cinco atos #foratemer e em todos a polícia militar compareceu com sua violência habitual e selecionada. a desculpa policial é a mesma de sempre e é ilustrada pelas imagens da assessoria de comunicação da instituição [a grande imprensa, com ênfase na tv globo]: vândalos infiltrados queimam uns lixos, pixam umas paredes, vandalizam uns bancos, aí a polícia é obrigada a agir e dispersar a multidão. qualquer pessoa que tenha passado em qualquer manifestação de esquerda desde 2013 sabe que esse lixo queimado, essas fachadas quebradas de bancos e concessionárias só ocorrem APÓS a repressão policial.

foto: marlene bergamo

a linda manifestação deste domingo 4 de setembro, igualmente #foratemer, só que muito maior, mais longa e mais diversa, parecia que conseguiria driblar a narrativa conservadora com crianças, famílias, cinco horas de marcha absolutamente pacífica e sem acompanhamento da polícia. mas a pm não quis perder a viagem e soltou bombas, balas de borracha e jatos d'água após o fim do ato QUANDO MILHARES DE PESSOAS JÁ ESTAVAM INDO PARA SUAS CASAS e outras tinham ficado pelo largo da batata para beber uma saideira [isso devia ser um pouco depois de 8 e meia da noite].

a globo news, que tinha mostrado uns curtíssimos flashes da gigantesca manifestação - nas manifestações pelo impeachment era cobertura 24 horas, tinha convocação e o escambau -, rapidamente entrou ao vivo com lixos pegando fogo e acabou ditando a cobertura noite afora e nos jornais de hoje. ontem, a princípio, folha, estadão, bbc, el país e o globo deixaram bem claro que foi a pm, dando razões desencontradas, que começou gratuitamente a repressão. logo depois o discurso mudou. hoje o estadão nem deu foto na primeira capa e na chamada fala em tumulto. o jornalismo capacho de césar tralli no sptv falou que era "muito triste tudo isso". a folha deu foto na capa junto com um texto neutro, mas logo abaixo uma outra chamada, diretamente de um texto asqueroso do secretário de redação & revoltado online vinicius mota, falando que militantes de esquerda são burguersinhos que não respeitam o trabalhador pm e que a violência é de esquerda [o que é de um cinismo absurdo justamente quando a folha defendeu violência da pm em editorial na sexta].


para a grande imprensa, para a pm de geraldo alckmin, para o ministério público, para o governo GOLPISTA, os movimentos sociais, partidos de esquerda, defensores de dilma ou da democracia, não são manifestantes, não são brasileiros, são militantes pagos a preço de mortadela, vândalos arruaceiros e bandidos [e seus leitores/admiradores tem certeza absoluta que usam crianças como escudo humano]. a recorrência da narrativa do "vandalismo de esquerda" é um jeito de esvaziar as manifestações [para a esquerda] e criminalizar [para a direita] ao mesmo tempo. pra essa corja cínica não basta dar um golpe e roubar 54 milhões de votos, é preciso criminalizar e aniquilar a oposição progressista. eles estão vencendo e tudo fica mais fácil controlando a narrativa. não dá pra esperar que a história faça justiça ao que está acontecendo, é preciso contra atacar com ações e discurso, é preciso união de esquerdas [coisa rara, difícil, mas que aconteceu ontem por algumas horas]. 


p.s.: o baderna notícias, de belo horizonte, fez um belo apanhado da cobertura de ontem; o ator e roteirista gregório duvivier deu belas porradas no editorial da folha dentro da própria folha; tem também esse texto do matheus pichonelli ["os '40 que quebram carros' mandam um recado a temer: conecte-se ao mundo real"]; texto de jean wyllys em resposta ao secretário de redação da folha; ah, antes da manifestação de ontem, a polícia prendeu arbitrariamente cerca de 20 pessoas, alguns menores e outros que nem iam pra manifestação e aqui tem um relato assustador dessa história que ainda não acabou.