quinta-feira, 5 de setembro de 2013

gaby is crazy for you

atualmente, gaby amarantos está malhando, fazendo regime e cuidando da saúde em horário nobre, mais precisamente no quadro 'medida certa - a disputa' (sua participação, aliás, gerou uma série daquelas microindignações virtuais, devidamente destruídas por nina lemos em "liberdade para preta gil e gaby amarantos"). só que a partir do dia 19 desse mês, às 19h no canal bis, a paraense estará em um reality show bem diferente. filmado na segunda quinzena de julho desse ano, gaby gringa é uma série em dez episódios que acompanha passeios, encontros musicais, descobertas e frios na barriga da artista em sua primeira miniturnê internacional (nova york, londres, bristol e antuérpia). bati um papinho virtual com a moça pouco após sua volta e antes da entrada no 'medida certa'. saiu na monet agora de setembro. ah, e as fotos que ilustram esta postagem foram tiradas durante um divertido encontro com ela em belém, no início de janeiro deste ano. não emplaquei a pauta sobre a gravação de um comercial, mas a conversa foi ótima (não transcrevi até hoje, mals) e a noite tão boa quanto.


DISSERAM QUE ELA VOLTOU MAIS PARAENSE AINDA

Desde que lançou, há dois anos, a primeira música (“Xirley”) de seu disco de estreia, Gaby Amarantos não sossegou o facho. Talvez tenha sido por causa do feitiço do café que ela coou na calcinha da música popular brasileira, mas o fato é que o disco Treme foi eleito um dos melhores de 2012 pela crítica especializada e Gaby emplacou uma canção (“Ex-Mai Love”) numa abertura de novela global, além de encarar muitos shows, matérias e aparições televisivas para todos os tipos de públicos país afora. Agora é a vez da orgulhosa paraense, que acabou de fazer 35 anos, ganhar o mundo, ou pelo menos parte dele, no especial Gaby Gringa.

Filmado em julho durante a miniturnê internacional que levou a cantora a países como Estados Unidos (Nova York), Inglaterra (Londres e Bristol) e Bélgica (Antuérpia), Gaby Gringa foi dirigido e produzido por Tatiana Issa e Rafael Alvarez, a mesma dupla do premiado documentário Dzi Croquetes. “[O programa] vai trazer um mix de irreverências, porque sou uma comediante por natureza e causei muito nos ‘States’, e momentos emocionantes como cantar ‘Aquarela Brasileira’ no Birdland, onde Billie Holiday foi consagrada, e visitar o Apollo Theater, palco de shows históricos de James Brown e Michael Jackson. Também rolaram encontros musicais inusitados com artistas do Brooklyn e Harlem e alguns brasileiros bem conhecidos. Cada encontro, uma emoção diferente”, explicou Gaby, já de volta a sua casa no Jurunas, bairro periférico de Belém.


Os brasileiros a quem Gaby se refere vão de Seu Jorge ao rapper Emicida, passado por Tulipa Ruiz, Lucas Santtana, Maria Gadú, Pretinho da Serrinha e a banda Graveola. Alguns desses encontros aconteceram em situações intimistas, na rua ou em um parque, e outros em grandes shows como o Brasil Summerfest, no Central Park. “A receptividade foi melhor do que imaginava, mas tinha certeza que algo maravilhoso estava reservado pra mim por lá. Sei o potencial do que faço e o fato das pessoas lá fora não atentarem para o significado da palavra ‘brega’ faria com que esse público ouvisse a música livre de qualquer preconceito”. Um público livre de preconceitos como ela própria.

“Essa viagem me agregou muita bagagem cultural e me fez levar a cultura do meu país para outros mundos. Isso me fez ver tudo, vida, carreira, com outros olhos”. Gaby Gringa é, portanto, o retrato de um momento especial de uma artista que nasceu nas festas de aparelhagem no Norte do Brasil e que agora mostra toda sua força pop miscigenada a um novo público.


Enquanto prepara o segundo disco, que só deve ser lançado em 2014, Gaby também comemora a descoberta do seu lado atriz. No primeiro semestre protagonizou o episódio de estreia da série Contos do Edgar (Fox) e em novembro estará nos cinemas em Super Crô – O Filme. Mas certamente 2013 ficará marcado na sua memória, e na sua carreira, como o ano que deu os primeiros passos do projeto de dominação mundial Gaby Gringa. “Todos os lugares [retratados no programa] foram especiais. Sabe aquele trabalho que você faz se arrepiando a cada passo? Foi assim. Nós nos emocionávamos a cada ato e chorei muito ao cantar ‘Como Nossos Pais’ [de Belchior] em homenagem aos meus pais que são heróis pra mim, e ‘The Very Thought of You’ da Billie Holiday. As pessoas vão se surpreender me assistindo cantar músicas que jamais imaginariam que eu flertasse. Mas o que quero mesmo é continuar fazendo o mundo e o Brasil tremerem com a alegria do Pará”. Sossegar o facho é uma expressão que não está em seu dicionário.

p.s. 1: olha só a reportagem em página dupla na monet.



p.s. 2: e aqui o clipe de "gemendo" gravado na galeria/ateliê do artista plástico kenny scharf durante a passagem de gaby por nova york.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

no fundo do mato-virgem nasceram uns gifs

e o pessoal do tumblr gif movie andou memetizando a antropofagia cinematográfica de macunaíma (1969) de joaquim pedro de andrade. fiz uma seleção, mas tem mais aqui (nem todas ficaram boas). saca só.


Macunaima (1969)
Macunaima (1969) Movie
Macunaima (1969)
Macunaima (1969)

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

mexidão #33

nunca me identifiquei direito com o humor cearense, talvez porque só tenha vivido lá até os 9 anos. mas quando vi o trailer de cine holliúdy, longa fenômeno de bilheteria dirigido por haldon halder gomes, parece que fiz as pazes, rolou um reencontro. o sotaque, a velocidade da fala, o deboche, as gírias, tudo é familiar e foi uma delícia ver isso retratado em um filme. não assisti ainda, claro, pois a estratégia de lançamento privilegiou o ceará e a partir dessa sexta, 30 de agosto, o resto do norte e nordeste. sul e sudeste, atrasadões, ficaram para depois. enquanto isso, só posso ficar rindo de rachar com o moleque falando "ô cego ignorante" pro personagem do falcão. posso também, como fiz no yahoo, bater um papinho com o diretor desse filme profundamente cearense.



O CINEMA PARADISO DA FULERAGEM

Por essa pouca gente esperava. Uma comédia independente, sem atores famosos, cearense e com legendas (isso mesmo, legendas pra entender melhor o “cearensês”), pode ser o grande sucesso nacional de 2013, desbancando o atual hit do ano, Minha Mãe é uma Peça. Mesmo que fique em segundo lugar, o longa Cine Holliúdy já é um grande vencedor, afinal estreou na semana passada em alguns cinemas de Fortaleza, Sobral, Maracanaú e Limoeiro do Norte e vendeu 43 mil ingressos em apenas 6 dias (45% do total da bilheteria do Estado). São números impressionantes e que prometem aumentar quando o filme de Haldon Halder Gomes estrear, em 30 de agosto, em outras cidades e capitais do Norte e Nordeste (Sul, Sudeste e Centro Oeste ficarão mais pra frente numa interessante e regionalizada nova estratégia de lançamento).

Rodado em seis semanas e com um orçamento de R$ 1 milhão, Cine Holliúdy é a história de Francisgleydisson (Edmilson Filho), um homem apaixonado por cinema que organiza, junto com a mulher e o filho, exibições improvisadas de filmes em uma cidade no interior do Ceará, na década de 1970. A divertida fauna humana da cidade e as confusões geradas por um projetor quebrado completam o quadro dessa comédia escrachada e profundamente cearense. E as legendas servem para outros Estados entenderem palavras como “catrevagem”, “espilicute”, “bonequeiro”, “cangapé” ou expressões como “tenha nervo”, “do tempo que o King Kong era soim” e “chiba nos possuídos”.

Diretor de filmes de ação (Sunland Heat), terror (The Morgue) e drama espírita (As Mães de Chico Xavier), Haldon Halder Gomes batalhou durantes anos para transformar um curta que fez em 2004 (Cine Holiúdy - O Astista Contra o Cabra do Mal) em um longa que homenageasse as coisas que mais ama na vida: o cinema, o humor e sua terra. E agora está feliz “que só uma porra”. Falaí, macho réi.


Como foram as exibições em Fortaleza?
Sensacionais! Todas as sessões esgotadas horas e dias antes, em todos os cinemas e em todos os horários. As pessoas não saem simplesmente satisfeitas - o que já seria excelente -, mas, sim, militantes do filme. Tenho visitado e aberto sessões diariamente nos cinemas da cidade pra agradecer este carinho.

E sua expectativa pra recepção do filme em outras regiões do Brasil, especialmente Sul e Sudeste?
Também espero uma ótima recepção. O filme já esteve em vários lugares do mundo, e andou pelo Brasil, em festivais, e tem encantado por onde passa. É uma história de amor universal, acima de tudo. Muitos críticos o chamaram de Cinema Paradiso Brasileiro.

Em seus filmes anteriores você trabalhou em gêneros (ação, comédia, terror) e temas (espirituosidade) bastante populares. Que cineastas ou artistas são referências no seu trabalho? Que outros tipos de gêneros você gostaria de trabalhar?
Minha vida sempre foi muito intensa e eclética de universos: luta, surf, futebol, artes plásticas, etc. Quero contar histórias com que me identifico, por isso esta pluralidade. Não tenho tantas referências, sou mais de fazer reverências a muita gente e coisas que gosto, como pintura, músicas, filmes, futebol, etc. Isto sempre está presente nos meus filmes. No momento, quero fazer mais comédias de ação, em parceria com a Downtown Filmes,  e, em seguida, um filme autoral, sobre um pintor no fim da vida, Vermelho Monet.

Haldon Halder Gomes no set de Cine Holliúdy; peguei a foto aqui

Ouvi você falando em outras entrevistas que existe uma procura consciente da sua parte pelo público, pela comunicação com a plateia. O que você acha que os brasileiros querem ver na tela? E como lutar contra Hollywood?
Sim, faço minhas pesquisas empíricas de mercado. Procuro nichos latentes e seus anseios. O cinema nacional precisa saber se posicionar e compreender sua diversidade cultural e regionalização em virtude de suas dimensões continentais e populacionais. Cine Holliúdy está aí pra mostrar ao cinema nacional independente como enfrentar Hollywood.

O que você aprendeu nos seus anos de Estados Unidos em termos de produção e comunicação?
Uni meus conhecimentos em administração de empresas e especialização em marketing a aplicação no cinema, como produção e lançamento. Pude aprender o que eles fazem de melhor e aplicar à nossa realidade, com precisão e cadeia produtiva, sem perder a autoralidade.

O Ceará é muito conhecido por seu humor e seus humoristas. Como você descreveria o humor cearense?
O humor cearense é diferenciado devido a nossa capacidade de saber rir de si, de não ter barreiras para a piada sem medo de perder o amigo. Este exercício diário de humor aguçado nos deixa mais criativos e com timing perfeito pro humor. Tanto é que no Ceará não existe bullying. Nós temos o anti-bullying, que é uma expressão local que diz “Aí dentu!”. Assim, todo mundo tira onda com todo mundo, e assim vivemos um show de humor no cotidiano.

com vocês, o curta cine holiúdy - o astista contra o cabra do mal.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

jovem guarda cigana

dia desses apareceu no exystence um disco impressionante. stand up, people: gypsy pop songs from tito’s yugoslavia 1964-1980 reúne, em 19 faixas, uma ampla perspectiva de como a música cigana foi sendo incorporada e mudando a música pop do leste europeu em parte do século passado. tudo caminhava lindamente, várias músicas bem boas, mas a última faixa dessa coletânea fez todo o resto parecer brincadeira de criança. fui descobrir depois que "djelem, djelem" é considerada um hino por parte do povo cigano e que o compositor zarko jovanovic escreveu sua letra em 1949 a partir de uma melodia tradicional (tem tradução em português aqui). a grafia do título e partes da letra mudam conforme o dialeto cigano e por causa disso existem muitas versões. mas a que está no stand up, people é simplesmente sensacional. escuta só.



gravada originalmente em 1968 por um grupo que teve vida curta ali entre o final da década de 1960 e início dos anos 70, essa "djelem, djelem" é uma deliciosa jovem guarda psicodélica. olha a capa estilosa mediterrânea do EP de onde essa música foi tirada.


mas, como disse, existem muitas versões que vão desde a instrumental do hot club of belgrade até o jazz latino de vlada maricic trio & friends, passando pela célebre kocani orkestar, e por cantores tradicionais como a impressionante esma redzepova e pelo ligeiramente cafona saban bajmarovic. para se ter ideia da importância de "djelem, djelem", a música fez parte de um dos melhores filmes ciganos já feitos, i've even met happy gypsies (1967) de aleksandar petrovic. sente o drama...

mexidão #27

uma das minhas obsessões desse ano foi o documentário the act of killing, de joshua oppenheimer. achei duas versões nos torrents da vida - a mais recente com cerca de meia hora a mais -, vi e revi inúmeras vezes, absolutamente assombrado com a história e com o corajoso formato do filme (não foi a toa que dois grandes cineastas, errol morris e werner herzog, entraram como produtores executivos do filme). nesse texto que fiz pro yahoo toquei em algumas das muitas discussões levantadas pelo filme, mas tem mais, muito mais...


O MAL, ESSE BANAL

Impressionante como as pessoas não percebem o tanto de maldade que carregam por aí. Recentemente, o assassinato de MC Daleste durante uma apresentação em Campinas gerou uma enormidade de comentários do tipo “tem que morrer mesmo!” (por ser funkeiro ou por ter feito proibidões no passado ou por ser da periferia, ou por tudo). Claro que nem todos que falaram coisas assim na internet são assassinos em potencial, mas só o fato de darem tão pouca importância para uma vida, qualquer vida, é um sinal alarmante de que a coisa não anda nada bem. Porque a história é a seguinte: se você acha que outra pessoa deve morrer é porque você não a considera igual. É menor, não é gente como você, não é nem gente.

Lembrei-me dessas reações à morte de Daleste ao assistir, entre calafrios e assombros, o documentário The Act of Killing (2012). Em cartaz nos Estados Unidos, Holanda, França e Reino Unido (e espero que saia pelo menos em DVD ou VOD aqui; caso contrário só nos torrents), o extraordinário longa de Joshua Oppenheimer é uma porrada na cara e logo de início dá a letra de sua proposta perturbadora.

“Em 1965, o governo da Indonésia foi deposto por militares. Qualquer um que se opusesse à ditadura militar poderia ser acusado de ser comunista: sindicalistas, agricultores sem terra, intelectuais e chineses. Em menos de um ano, e com a ajuda direta de governos ocidentais, mais de 1 milhão de ‘comunistas’ foram mortos. O exército usou grupos paramilitares e gangsters para darem conta da matança. Estes homens estão no poder e perseguem seus oponentes desde então. Quando nos encontramos com os assassinos eles contaram, com orgulho, histórias sobre o que fizeram. Para entender o porquê pedimos a eles que criassem cenas sobre os assassinatos do jeito que bem entendessem. Este filme segue este processo e documenta suas consequências”.


Os assassinos de 1965 estão hoje com pouco mais ou menos de 60 anos. Todos pais, avôs, religiosos, geralmente fanfarrões, ocasionalmente carinhosos e absolutamente normais como Anwar Congo, o personagem central do filme. Durante as pouco mais de duas horas de The Act of Killing, Anwar e outros colegas e amigos fantasiam o passado sangrento de seu país a partir de clichês do cinema hollywoodiano, de musicais a faroestes, de filmes de guerra a policiais (na verdade, mantém a versão oficial da luta dos justiceiros do bem em nome da ordem militar contra os comunistas maus). Ao mesmo tempo, nos bastidores e em conversas entre si, são confrontados com a própria crueldade e violência que protagonizaram naquele tempo (alguns mataram centenas com as próprias mãos).

“Se conseguirmos fazer esse filme [com realismo] o que vai acontecer é que vamos acabar mostrando que na verdade nós é que fomos os cruéis e não os comunistas. (...) É uma questão de imagem”, diz Adi Zulkadry, outro personagem importante do filme e o mais brutalmente consciente dos crimes do passado (“Matar é algo rápido. Depois é só se livrar dos corpos e voltar pra casa”). Fala que não se sente culpado porque “crimes de guerra” são definidos pelos vencedores e ele é um vencedor, portanto ele pode criar a definição que achar melhor. 

 Assassinos e atores: Adi Zulkadry e Anwar Congo sendo maquiados

Anwar Congo não consegue mais manter a frieza de outrora e com o decorrer das filmagens vai se abalando com a lembrança de tanto sangue nas mãos. Confessa que tem pesadelos recorrentes e teme os espíritos dos mortos e os olhares de suas vítimas. Diz que teve que matar, que foi sua consciência que o mandou, e não consegue explicar mais nada. Engasga, quase vomita.

“Acho que ao se identificar com Anwar, o espectador é forçado a ser confrontar com o fato de que estamos mais próximos de ser assassinos do que gostamos de acreditar”, disse o diretor Joshua Oppenheimer em entrevista ao site Inside Indonesia.

Anwar Congo, Adi Zulkadry e outros personagens de The Act of Killing mataram milhares na Indonésia por razões distintas. Uns foram em busca de poder financeiro e/ou político, uns por puro sadismo, e outros obedecendo a ordens superiores (seguindo a teoria da “banalidade do mal” de Hannah Arendt), para ficarmos apenas em alguns exemplos. Mas todos consideravam que os assassinados não eram gente o bastante para viver. Não eram nem gente. Eram exatamente o contrário deles, pessoas normais.


Epílogo jornalístico

Em determinado momento do documentário surge a figura de Ibrahim Sinik, editor do maior jornal do norte de Sumatra (a maior ilha da Indonésia) e amigo de políticos poderosos de ontem e hoje. Sobre seu papel como imprensa nos sangrentos eventos de 1965 e 1966 diz que coletava informações e comandava interrogatórios. “Independente de qualquer pergunta que fizéssemos, a gente mudava as respostas pra fazer com que eles parecessem maus. Como jornalista meu trabalho era fazer com que as pessoas odiassem eles [comunistas]”, relembra e logo completa, sem disfarçar certo orgulho, que bastava uma piscadela sua para que o interrogado da vez fosse levado para o matadouro de Anwar Congo & Cia.

Moral dessa história? Toda imprensa que está aliada ao poder (situação, oposição ou iniciativa privada) e não aos seus leitores se comporta da mesma forma.



p.s.: Para quem lê em inglês vale muito a pena encarar “The Murders of Gonzago - How did we forget the mass killings in Indonesia? And what might they have taught us about Vietnam?”, texto de Errol Morris, diretor do oscarizado Sob a Névoa da Guerra (2003) e um dos produtores executivos de The Act of Killing. Mais um destaque para a ótima entrevista em vídeo da Vice com Morris e outro entusiasmado produtor executivo do documentário, o cineasta Werner Herzog, de O Homem Urso (2005).

terça-feira, 20 de agosto de 2013

diversão é solução sim

"nós estamos aqui no mappin pra curtir aquele som, pra achar aquele som que nós queremos curtir. todo mundo. não só os negro, como os branco, os mulato. nós queremos curtir o jazz, queremos curtir o pop, o samba, o rock. todo mundo quer curtir aquele som, vc entende? nós viemos aqui pra achar aquele meio social que nós queremos curtir, aquele salão. um determinado lugar que você se sente bem, que você se sente gente... não que você vegeta! você quer sentir, você quer sentir gente", depoimento dessa moça da imagem abaixo e que tá no documentário feito por mano brown para o dvd 1000 trutas, 1000 tretas (2006).



era no calçadão do falecido mappin, em frente ao teatro municipal de são paulo, que no início dos anos 1970 a moçada fazia a divulgação das festas black da cidade.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

mexidão #24 e #31

entre inúmeros passaralhos e algumas novidades, o jornalismo brasileiro tem sido alvo de muitas e importantes discussões. tratei do assunto recentemente em duas colunas no yahoo. no final de junho entrevistei o colega bruno torturra sobre a mídia ninja e agora no início de agosto tratei das demissões que chegaram a editora abril (com direito a várias revistas fechadas como a bravo). resolvi reunir os dois textos aqui no esforçado e ainda acrescentei o programa roda viva, que foi ao ar ontem e entrevistou torturra e pablo capilé (fora do eixo).


JORNALISMO EM FOGO CRUZADO

São Paulo, 18 de junho de 2013. Duas horas após um grupo de alucinados tentarem invadir a Prefeitura de São Paulo, o Choque da PM do governador Geraldo Alckmin chegou ao centro da cidade e foi subindo até a Avenida Paulista expulsando todo mundo da rua com bombas e gás. Quando chegaram ao cruzamento da Paulista com a Rua da Consolação encontraram um painel da Coca Cola em chamas e o cercaram. Ninguém mais pode se aproximar a não ser dois catadores de latinha que fizeram a festa com os restos do painel-propaganda.

Belo Horizonte, 26 de junho de 2013. Dez minutos após a PM do governador Antônio Anastasia expulsar com bombas e gás centenas de manifestantes que estavam pacificamente na Praça 7 de Setembro, um trio elétrico aparece. Nada de Daniela Mercury ou Ivete Sangalo, e sim o Comandante Xuxa (sim, esse era seu nome) da PM mineira com o microfone na mão a falar que a polícia estava devolvendo a cidade às “pessoas de bem nesse momento histórico de resgate da democracia”.

Quem acompanhou ou está acompanhando as manifestações que tomaram o país neste junho pela mídia tradicional nem chegou perto dessas aparentemente pequenas, mas muito reveladoras, cenas brasileiras. Bem, pra falar a verdade, quem está acompanhando as manifestações pela mídia tradicional não está sabendo de muita coisa além de “pequeno grupo de vândalos” ou “a PM jogou bombas de efeito moral para conter a manifestação” e um bando de análises chutadas de especialistas que não tem a mínima ideia do que está acontecendo.

O pessoal da mídia Ninja também não sabe o que está acontecendo, mas eles estão cobrindo as manifestações em várias cidades com disposição, sangue frio e interesse, e tudo ali de muito perto da ação em transmissões ao vivo e sem cortes pela internet (vi as cenas descritas no alto do texto durante as transmissões). É, sem sombra de dúvida, o mais interessante acontecimento jornalístico desses novos tempos. Daí que fui conversar com o jornalista Bruno Torturra (@torturra), um dos idealizadores e linha de frente do Ninja, sobre a origem, os métodos e a assumida não-neutralidade da cobertura que estão fazendo dos protestos Brasil afora.

Belo Horizonte, 26.06.13 [foto: Mídia NINJA]

Você pode contar um pouco da história do surgimento (quando, como) da mídia Ninja e qual seu propósito. E quais outras coberturas importantes que vocês fizeram nesse período de existência.
O Ninja vem sendo pensado e articulado nos bastidores há alguns meses a partir da experiência da postv.org e de coberturas fotográficas pontuais que fizemos em rede. Antes de ser um veículo, começou como a tentativa de pensar e experimentar uma rede de jornalismo independente e descentralizada. Recentemente, no texto “O Ficaralho”, fizemos um chamado público para uma reunião aberta para a apresentação de um projeto e da criação de um banco de colaboradores. No dia da reunião [13 de junho], com mais de 300 confirmados, tivemos que adiá-la por conta do protesto do Passe Livre que terminou sendo o mais reprimido pela PM. Em vez de lançá-lo como um projeto, o Ninja acabou se lançando como um veículo na rua naquele dia. Outras coberturas importantes que fizemos: o Fórum Social Mundial na Tunísia, o julgamento dos acusados pelo assassinato de Zé Cláudio e Maria em Marabá. A cobertura de conflitos entre fazendeiros e povos indígenas no Mato Grosso. Os blocos de rua de SP e algumas cidades do Brasil. E incontáveis marchas e protestos pelo país.

Essas manifestações certamente estão sendo uma prova de fogo (tecnológica e conceitual) para vocês. O que estão aprendendo? Quais os acertos? Houve erros?
Aprendendo, como sempre, fazendo. A grande tecnologia Ninja é a recusa a dizer que "não vai dar". Todos os recursos, digitais e analógicos, podem ser utilizados para cobrir algo na rua. Os maiores acertos do ponto de vista técnico foram as construções e gambiarras cada vez mais portáteis e eficazes de transmissão de vídeo e fotos em tempo real. Do ponto de vista humano, a grande diferença é a disponibilidade 24hs dos envolvidos, a disposição de entrar no meio da ação e a base da articulação de colaboradores no país todo. Erros sempre acontecem. Desde deslizes técnicos a vacilos editoriais, comentários inadequados ou informações que poderiam ter sido melhor apuradas.

Você vê similaridade, na estrutura horizontal, entre a Ninja e movimentos sociais novos como o MPL?
Difícil responder por que não conheço bem o MPL por dentro. Talvez sim. Mas horizontalidade não é um conceito bem definido, nem homogêneo para nos compararmos com eles. Temos o maior respeito e admiração pela capacidade, maturidade e pelos argumentos do movimento passe livre. Mas, olhando de fora, vemos nosso trabalho mais como complementar, dentro de uma grande atualização dos processos políticos e de comunicação do que uma similaridade estrutural.

Já vi críticas à cobertura Ninja por sua “parcialidade”. O que você acha dessa crítica?
Entendo de onde vem a crítica, mas acho, no geral, um pouco equivocada. Nosso ponto de vista, nossa suposta parcialidade é, antes de tudo, assumida. Emitir uma opinião não pode significar, na era da rede, uma quebra da objetividade. Pelo contrário, cada vez mais ser subjetivo é ser objetivo também. Ser “neutro” diante de situações que consideramos injustas não é ser objetivo, é ser omisso. Mas me recuso a aceitar que somos tendenciosos. Basta ver nossa política de não edição. Transmitimos ao vivo, sem corte, direto da rua, dialogando e dando absoluta liberdade de expressão a todos os envolvidos nos protestos. Dos militantes de partidos, aos cidadãos de verde e amarelo, aos fascistas quase assumidos, aos policiais.

Qual sua avaliação pessoal desse momento no Brasil?
Antes de qualquer conclusão, acho que o mais importante nesse momento é a profunda ativação do pensamento político no país. Dos mais sofisticados pensadores ao mané mais despolitizado. O campo está aberto e todo mundo deu as caras na rua e na rede. É uma grande terapia coletiva ainda longe de acabar. Não me arrisco a grandes interpretações nesse ponto, mas sinto que é algo essencialmente bom. E que vai fortalecer, principalmente, os movimentos e organizações que trabalham causas e políticas quando a temperatura estava mais baixa.

Quantas pessoas estão envolvidas nas operações Ninja de cobertura das manifestações?

Difícil responder, já que pelo país muita gente está ajudando na cobertura colaborativamente. Mas existe um núcleo mais ativo em São Paulo e algumas capitais. Esse núcleo, que já estava trabalhando antes dos protestos começarem, e do Ninja ganhar tanta exposição, é de umas 10 ou 15 pessoas.

Belo Horizonte, 26.06.13 [foto: Mídia NINJA]

JORNALISMO TÁ MORTO?! TÁ NADA!

Pouco mais de dois anos atrás o jornalismo brasileiro começou a sofrer regulares ataques cardíacos. Também conhecidos como “passaralhos”, essas demissões em massa atingiram grandes empresas como as editoras Globo e Trip e os jornais Folha de S. Paulo e Estadão (do falecido Jornal da Tarde). Então, logo após a morte Roberto Civita em maio, o tsunami da crise chegou aos costados da Editora Abril. Em junho alguns executivos foram demitidos e entre ontem e hoje a tal “reestruturação” anunciada mostrou sua cara feia: foram encerradas as revistas Bravo, Alfa, Lola e Gloss, bem como os sites da revista Contigo e o abril.com.

As mais de 150 demissões previstas por esses dias alcançaram também as redações das revistas Info, Recreio, Contigo, Quatro Rodas, Viagem & Turismo, Placar, Men´s Health, Claudia e Veja, o portal M de Mulher e o site Bebê.com.

“A Abril encara esta fase como parte da evolução natural dos negócios e segue com a missão de difundir a informação, com excelência editorial, pioneirismo e integridade”, afirmou Fábio Barbosa, presidente da Abril S.A., em comunicado oficial & surreal. Claro que nem ele nem outros grandes executivos de empresas jornalísticas explicam como é possível ter excelência editorial com redações muito menores e profissionais sobrecarregados ou ganhando menos.

Precarizar a profissão jornalística é um caminho sem volta e quem perde mais com isso são justamente a credibilidade da informação e os leitores (esse caminho de mão dupla que é a essência do trabalho). Mas executivos não ligam para detalhes tão pequenos de nós todos e muito menos para os profissionais que estão na rua. Vivem de números, perdem aqui e ganham acolá, e bem podiam comandar a Comunicação de uma empresa farmacêutica ou o marketing de um banco, tanto faz.


Claro que existe uma crise no mercado e que ela tem atingido com mais contundência o jornalismo impresso que o televisivo, só que tantas demissões podem ser melhor explicadas por uma mistura de mau gerenciamento, soberba, investimentos errados, falta de visão estratégica, imediatismo e obsessão cega pelos anunciantes (Será que os anunciantes tão bajulados, e ocasionalmente intrometidos na linha editorial, continuarão juntos de um jornalismo cada vez mais raquítico?).

O jornalismo é maior que empresas jornalísticas e certamente sobreviverá a muitas delas. Para sorte de quem vive e ama a profissão, a boa notícia é que o jornalismo está se reinventando às próprias custas. Às vezes em coletivos independentes como a Pública – Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo, o Centro de Mídia Independente ou a Mídia Ninja e também dentro da grande imprensa por profissionais sérios e dedicados (de todas as gerações).

Vivemos também um momento no qual novas ferramentas jornalísticas estão disponíveis para todos, possibilitando que cada um crie seus próprios paradigmas de informação e comunicação (Não gosta da Folha? Não gosta da Mídia Ninja? Seja você mesmo sua mídia!). E isso é bom, caótico, transparente e renovador.

Tudo isso junto fará diferença para o futuro do jornalismo (além de pensar novas formas de negócio, obviamente) e não abraços simbólicos em homenagem a patrões.

p.s.: em 5 de agosto, o programa roda viva (tv cultura) entrevistou bruno torturra e pablo capilé sobre a mídia ninja.

sábado, 3 de agosto de 2013

emicida, racionais, kanye west & jay z,
ou o rap é grande

passamos agora da metade desse muy loco 2013 e me dei conta, após assistir o excelente vídeo de "picasso baby" do jay z, que mais uma vez o rap é a música/cultura mais relevante e poderosa da atualidade. lembrei imediatamente de outros videos que bateram forte este ano, desde a crueza do lamento documental sambístico de emicida em "crisântemo" - e o paulistano lançara agora em agosto, seu primeiro disco, o glorioso retorno de quem nunca esteve aqui - até a apresentação histórica dos racionais na virada cultural em são paulo.





realidade, transformações, misturas, é o rap quem está cantando e está mais próximo de tudo que realmente importa hoje em dia. os exemplos aqui e no mundo são muitos e das mais variadas gerações, nem adianta fazer lista (deixa isso pro fim de ano). mas seguem aqui o vídeo de "picasso baby" (uma das melhores músicas do ótimo magna carta... holy grail) e a apresentação ao vivo de kanye west e sua potente "new slaves" no programa saturday night live. essa música está no mais recente disco de kanye, o estranho e interessante yeezus.



domingo, 14 de julho de 2013

rafael coutinho, a entrevista

acabei de publicar aqui no esforçado o perfil que fiz de rafael pra azul magazine ("retrato de um artista com ideias de sobra"). o que segue agora é a entrevista, praticamente na íntegra. conversa boa da porra, cheia de informações, bom humor, reflexões, tem de tudo. e coloquei no estilo fernando faro porque quem importa é o entrevistado.



INFÂNCIA, PRIMEIROS DESENHOS

A primeira lembrança... tenho fragmentos de quando era bem jovem desenhando coisas na escola... eu usava o desenho como ferramenta pra impressionar as professoras e os amigos... e já tinha uma facilidade... minhas memórias mais antigas já me trazem isso, que eu tinha uma facilidade pra desenhar, com o assunto... e desenhando com o meu pai, pedindo pra ele desenhar coisas pra mim... super heróis, personagens de séries japonesas dos anos 1980, personagens de vídeo games, Bart Simpson, Snoopy, robôs, umas caricaturas, personagens mais cômicos...

Sempre fui extrovertido, desenhar era mais uma facilidade mesmo, não era por timidez... mas a gente se mudou muito de cidade quando eu era criança... agora em retrospecto vejo que usei muito o desenho para fazer amigos e conquistar pessoas com mais facilidade, era o meu cartão de apresentação... sempre desenhei muito na escola. Em matéria que eu não ia bem eu desenhava ao redor da prova e a professora achava bonitinho e me dava mais nota [risos]... usei bastante esse artifício [risos]...

Eu acho que ele [Laerte] se divertia com a gente, com o assunto... nunca direcionou, pressionou ou incentivou pra que eu seguisse esse caminho... ele gostava de ver as coisas que eu fazia e sempre participou dessa forma... queria que a gente mostrasse as coisas que a gente tava fazendo, e não era só desenho... sempre foi um pai estimulante, criativamente... na verdade sou muito grato por ele não ter direcionado nada e nem que eu seguisse por um caminho que ele já tinha previamente feito... e ia nos jogos de basquete, nos ensaios de dança... dancei durante muitos anos, até a fase adulta, b-boy, e também fiz um pouco de dança contemporânea, street dance, dancei mesmo... enfim, ele participou das coisas que eu fiz... no teatro... então nunca foi uma coisa direcionada pro desenho... e minha mãe também me estimulou muito, do jeito dela... sempre teve muita arte em casa, quadros... era um casal comunista nos anos 80, né? Então tinham máscaras sul-americanas, reproduções de Picasso...

ESCOLHAS, TRABALHO

Foi na época do vestibular, nessa época de escolher a carreira, naquela confusão angustiante que o jovem tem na hora de escolher do alto dos seus 17 anos... me pareceu ali que era a única opção possível... mas não era uma coisa voltada para os quadrinhos... era Arte. Achei que tinha que fazer algo com Artes Gráficas e acabei fazendo Artes Plásticas... prestei pra Arquitetura e não passei, Desenho Industrial também não, e acabei fazendo Artes. Demorei muitos anos pra entender o que era arte... entrei muito cru, não sabia de nada, e acho que até metade da faculdade eu ainda tinha muita dúvida se de fato queria ser artista... lutei contra isso.

Comecei a trabalhar muito cedo. Aos 16 eu já trabalhava... fui garçom em restaurante, vendi CD em banquinha de standcenter, locadora... e aí, em um segundo momento, entrei em um estúdio de animação ligado a uma editora e comecei a me acalmar. Foi ali que vi que algum resultado estava saindo... fazia charges animadas e foi lá que fiz meu primeiro videoclipe [“Chapa o côco”, Xis]... a gente ganhou prêmio na MTV [melhor clipe de rap no VMB 2002, indicado em outras duas categorias]... fiquei muito excitado ali... acho que também descobri cedo que trabalhos longos rendiam louros mais significativos na minha vida... acho que foi daí que nasceu o prazer de fazer histórias longas, projetos mais extensos...


Trabalhei com animação durante muitos anos e montei um estúdio próprio de design com alguns amigos de faculdade... durou três anos... chamava Base V... aí experimentei street art, murais, silk, serigrafia, era um tipo de arte experimental que a gente acreditava que podia existir entre a rua e as galerias, que a gente tinha muito preconceito... o grupo continua até hoje e eu me afastei em 2008... foi nesse período que comecei a publicar minhas primeiras histórias em quadrinhos numa publicação chamada Sociedade Radioativa, participei também de algumas coletâneas e já me sentia com mais autonomia, mais certeza e que tinha material para apresentar...

MULTIPLATAFORMAS

Sempre tive esse interesse em trabalhar em diversas plataformas. Em algum momento me foi passada a informação de que esse meu desejo de trabalhar em inúmeras mídias não só não era um problema como poderia ser a minha salvação em momentos de crise ou dificuldade, e que eu não precisava me preocupar tanto em me fechar em uma só mídia... entendi em minha fase adulta que profissionalmente era preciso também focar em alguma dessas mídias pra que eu também pudesse ser reconhecido. Vi que esse espírito bon vivant poderia prejudicar, mas nunca me fechei porque gosto mais das ideias do que das mídias. Então se a ideia me excita vamos fazer um filme... acabei me envolvendo recentemente com cinema, gostei muito, aprendi muito com amigos do cinema e quero continuar fazendo... fiz agora como ator uma peça com meu pai [“As Jóias”], achei que não fosse mais acontecer e aconteceu... tô aberto...


Eu me defino como me convém. Se tô numa roda com quadrinistas eu sou um quadrinista. Se me veem como um pintor eu sou um pintor. Não vejo necessidade em me definir tanto assim. Acho que a essa altura do campeonato, aos 33, o trabalho me define. É um trabalho que aparece e que estou desenvolvendo... acho que desde 2008 não fiquei nem um período sem trabalho. Não é porque sou excepcional... é porque me sobra ideia mesmo. Então, quando não tem trabalho encomendado eu tô tocando as coisas que eu quero fazer e realizar. É isso, acho que tem muita coisa pra ser testada e eu também me empolgo com facilidade com a ideia dos outros. É fácil me seduzir [risos]. Gosto de trocar informações com as pessoas. Acho que um tanto do Rafael da escola persiste até hoje, esse sujeito que quer impressionar, conseguir amigos, entrar nas turmas pra ajudar na forma que puder. E, claro, conquistei um tanto de maturidade artística nessa minha curta jornada que me dá algumas certezas que preciso pra continuar.

Tenho projetos longos, médios e curtos. Claro que entram umas coisas no meio, mas basicamente o ano já se desenha logo de cara. Aprendi a me organizar, a me disciplinar, porque é uma profissão que exige muita disciplina... gosto de realizar coisas então não fico vacilando não...

VIRADAS PESSOAIS, ORGANIZAÇÃO

2008, saída da Base V... amigos muito queridos... mas quando saí vi que tinha que decidir as coisas por conta própria... comecei a trabalhar em parceria com a galeria Choque Cultural, fazendo meus próprios quadros e exposições... então essa minha autoralidade foi infligida também... você tem que ser você... coincidentemente foi também quando surgiu a parceria com o Daniel Galera, que foi uma parceria muito diferente das minhas anteriores, porque me obrigou a ser autêntico e a escolher entre as várias gamas de possibilidades qual era o meu traço, qual era o meu ritmo de trabalho, quais eram as minhas soluções de roteiro, o que eu queria... tive muita sorte de encontrar um cara que estava no mesmo momento autoral, o Galera, que já tinha alguns livros publicados e tinha uma voz autoral já muito forte... foi um momento de virada pra mim.

Em 2004 foi a primeira vez que vi meu traço mudar... fazia um curso com desenhos de modelos vivos e fiquei muito feliz, empolgado... em 2008 com a Cachalote também ... agora eu tô vendo alguma coisa acontecer também e acho que é o volume de trabalho... nunca fui um sujeito de qualidade sobre quantidade, sempre fui de quantidade sobre qualidade... a quantidade de trabalho geralmente me jogou em um lugar no qual o resultado saiu diferente... que eu obrigatoriamente tive que aprender e solucionar coisas em função de projetos extensos ou entregas contínuas... nada melhor pra quem tá no meio que o trabalho contínuo... porque é um troço de repetição... é uma musculatura cerebral e espiritual que precisa ser exercida diariamente, tanto é que artistas gráficos que ficam muito tempo sem desenhar enferrujam... isso não é um mito, acontece mesmo. No fim do dia seu desenho tá melhor... se você desenhou o dia inteiro os últimos 10 minutos são excelentes... se for a semana inteira, o último dia da semana é excepcional... e é cruel porque é exatamente quando você precisa parar, que seu corpo tá doendo, sua cabeça tá exausta... então tem muito isso... somos alimentados pelo correr dos dias, pela demanda, pelo exercício diário... é maçante, mas também muito recompensador... se você aguenta e se organiza pra que os resultados saiam eles podem te surpreender.

É preciso deixar que a vida alimente a produção continuamente. Acho que existe um problema crônico nessa nova geração de artistas gráficos e plásticos que já chegam com muita violência e ambição no mercado antes de desenvolver essa relação entre a vida e o trabalho. Não existe uma retroalimentação aí, ela é só fruto de uma ambição, um desejo que é exterior a tua vida, exterior a tudo.  Gosto muito dessa angústia de trabalhar lentamente, disciplinadamente, rotineiramente sobre algo que só vai acontecer daqui há dois anos (histórias longas em quadrinhos, pinturas, exposições – Fogo Fácil, filme que alimenta foto que alimenta pintura).

FOGO FÁCIL from Peppe Siffredi on Vimeo

Conversei uma vez com o Zélio [Alves Pinto], irmão do Ziraldo. Tava super angustiado e fui conversar com ele. Depois descobri que ele teve a mesma conversa com meu pai quando meu pai era jovem. Ele é mais velho que nós dois [tem 75 anos] e ele falou a mesma coisa pra mim que falou pro meu pai: organize seu cronograma porque você é artista e também um empreendedor da marca de si mesmo e tem que organizar seu tempo para produzir algo curto, algo médio e algo longo. Aquilo me deu uma calma muito grande porque não dizia respeito às minhas angústias mais subjetivas, mas resolvia matematicamente algo que eu, nos meus 24 anos, precisava. Ali entendi como deveria organizar a minha vida e que cabia a mim decidir quais projetos curtos, médios e longos eles seriam.

O AUTOR, O AUTOR

Nesse jogo todo tem essa história da autoralidade que a gente discute muito nos mundos dos quadrinhos e das artes plásticas. A voz autoral... em que momento ela aparece? Quais são as demandas que ela te pede? Quase como uma voz de fora que chega te exigindo coisas, te tirando o sono... não tenho a sabedoria do Zélio, mas o conselho que posso dar é “ouça a sua voz autoral” e isso é uma coisa muito pessoal, muito de cada um, e não acho que sou maior ou melhor que ninguém porque produzo meu próprio trabalho. Eu sei o preço que pago por essas escolhas. Minha mulher sabe mais que ninguém [risos]. Tem que escutar essa voz, esse latido do cachorro [referência ao filme Verão de Sam]... se ele tá dizendo que você tem que matar, você tem que matar [risos]...

O quanto de espaço eu tenho... o quanto posso ser autoral pra aquela demanda... me procuram mais pra ser autoral, já me dando bastante espaço... e sei que não funciono tão bem quando me dão muitas diretrizes, sei que vou brochar... Falavam que meu trabalho já era muito autoral, não adiantava fazer outra coisa, não ia dar certo me pedir um infográfico ou algo assim... mas isso, durante um período, foi muito frustrante, achei que não fosse me encaixar... a duras penas vi que isso era uma coisa boa e que me salvou. Mas também me salva porque faço várias coisas ao mesmo tempo. Se tivesse ficado só em pintura estaria em apuros ou se fosse só quadrinista... essa coisa que me disseram lá atrás... se não me engano foi uma terapeuta... a questão dessa minha autoralidade vem dessa inquietação de fazer várias coisas ao mesmo tempo, trabalhar com mídias diferentes... se fosse uma só talvez não fosse tão autoral assim porque teria que abrir mão disso pra sobreviver... os latidos seriam mais baixos... seriam latidos de poodle [risos]...

Canal IdeaFixa - Laerte e Rafa Coutinho - FiznaMTV #PAI from IdeaFixa on Vimeo

E O PAI DO RAFAEL?

Nunca perdi o foco do trabalho dele, sempre acompanhei, e só aceitei essas curadorias [FIQ em novembro, Balada Literária em dezembro e uma outra num espaço cultural na Vila Leopoldina] porque não teria que fazer um trabalho angustiante de leitura das coisas antigas pra pensar numa exposição... até porque ele mesmo não queria uma coisa de retrospectiva... então a gente tá criando um jogo do zero, um gráfico, uma coisa que envolva as pessoas... não é nada do tipo “veja esse quadro”... então a gente tá bolando outra coisa... mas nunca deixei de acompanhar o trabalho dele... me estimula, me instiga, me deixa pasmo... e ele tá agora tentando se reciclar, se reentender como artista... é um cara que admiro muito, somos muito amigos, nos falamos continuamente, trocamos informações e acompanhamos o trabalho um do outro... a opinião dele é muito importante pra mim em tudo que faço. Tenho muita sorte de ter um pai assim, na real, independente de ser o Laerte que as pessoas idolatram e admiram, o meu pai é um sujeito muito parceiro e um grande amigo. Tenho sorte. É um artista ducaralho, impressionante, sensível, generoso, tenho sorte.

sábado, 13 de julho de 2013

é fácil seduzir rafael coutinho

ano de várias matérias cortando os ares do brasil. já rolaram umas cinco pra revista da gol (naldo e marcelo D2, por exemplo), uma pra tam nas nuvens e agora essa pra azul magazine. rafael coutinho foi sugestão minha e a conversa foi muito melhor do que imaginava. como sempre deixei a entrevista para depois das fotos - que ficaram a cargo de victor affaro -, o que deixa tudo mais relaxado, e fiz questão de falar pouco do pai laerte, pois rafael tem voz autoral muito forte para ser um mero "filho de...". agradecimentos a alexandre maron que me indicou e, acima de tudo, a patrick moraes, editor da azul magazine (sempre bom encontrar bons editores). ah, já publiquei aqui no esforçado a íntegra da entrevista.


RETRATO DE UM ARTISTA COM IDEIAS DE SOBRA

No alto da escada uma vira lata balança o rabo. Seu nome é Mexerica e ela é a responsável pelas boas vindas ao ateliê que Rafael Coutinho, 33, divide com outros amigos-artistas no bairro da Pompéia, Zona Oeste de São Paulo. Após receber as devidas carícias, Mexerica retorna à companhia do igualmente vira lata Pancho numa almofada ao lado da prancheta de Rafael. “Eles já eram namorados antes d’eu adotá-los”, relembra e logo pede para ninguém chegar perto da almofada. Pancho é muito protetor de seu território.

Filho de Laerte Coutinho, criador dos Piratas do Tietê e um dos maiores nomes do quadrinho nacional, Rafael tornou-se, em pouco mais de três anos, uma das grandes revelações do meio. Alguns já o conheciam de animações (trabalhou no premiado clipe “Chapa o côco”, do rapper Xis, e assinou curtas como “Aquele Cara”), outros de seu trabalho no coletivo de arte urbana Base V, e outros ainda de suas primeiras histórias em quadrinhos em coletâneas e revistas independentes como a Sociedade Radioativa. Mas a virada na sua carreira foi mesmo com o elogiado Cachalote (2010), livro em quadrinhos feito em parceria com o escritor Daniel Galera.

Não foi da noite para o dia que Rafael chegou ao ponto de Cachalote, e nem por um caminho só. “Na infância usava o desenho como ferramenta para impressionar professoras e amigos. Não era por timidez, sempre fui extrovertido, era mais porque já tinha uma facilidade. Era meu cartão de apresentação. Em matéria que não ia bem desenhava ao redor da prova e a professora achava bonitinho e me dava mais nota [risos]. Usei bastante esse artifício [risos].”

Na época do vestibular viu que aquela sua facilidade, estimulada discretamente pelo pai-amigo já conhecido, era a única opção possível. Optou por Artes Plásticas sem saber direito o que lhe esperava e muito menos se realmente queria ser artista. “Durante a faculdade entrei em um estúdio de animação ligado a uma editora e comecei a me acalmar. Foi ali que vi que algum resultado estava saindo”. Trabalhou em charges, no primeiro videoclipe (“Chapa o côco”) e em muitas outras animações até montar um estúdio de design e arte urbana experimental com amigos, o Base V.

“Sempre tive esse interesse em trabalhar em diversas plataformas. Em algum momento me foi passada a informação de que esse meu desejo não só não era um problema como poderia ser a minha salvação em momentos de crise. Mas entendi também que profissionalmente era preciso focar em alguma dessas mídias pra ser reconhecido. Só que nunca me fechei porque gosto mais das ideias que das mídias”. E as ideias de Rafael seguiam ganhando formas nas animações, em pinturas e, cada vez mais, em quadrinhos. “Eu me defino como me convém. Se estou numa roda com quadrinistas, sou um quadrinista. Se me veem como um pintor, sou um pintor. Não vejo necessidade em me definir tanto assim. Acho que a essa altura do campeonato, o trabalho me define. Acho que tem muita coisa pra ser testada e também me empolgo com facilidade com a ideia dos outros. É fácil me seduzir [risos]”.



Empolgado sempre, Rafael decidiu em 2008 sair do conforto do coletivo Base V em busca de sua própria voz autoral. Coincidentemente foi também quando conheceu Daniel Galera e nasceu o projeto de Cachalote. “É preciso deixar que a vida alimente a produção continuamente. Acho que existe um problema crônico nessa nova geração que já chega com muita violência no mercado antes de desenvolver essa relação entre a vida e o trabalho. O conselho que posso dar é ‘ouça sua voz autoral’ e isso é uma coisa muito pessoal. Não acho que sou maior ou melhor que ninguém porque produzo meu próprio trabalho. Sei o preço que pago por essas escolhas. Minha mulher sabe mais que ninguém [risos]. Mas é preciso escutar essa voz, esse latido do cachorro... se ele tá dizendo que você tem que matar, você tem que matar [risos]”.

Atualmente, Rafael Coutinho está ouvindo mais latidos que nunca. Após lançar o segundo volume de Beijo Adolescente, uma série de histórias curtas, ele está finalizando para o final do ano o ousado Mensur, sua primeira longa história em quadrinhos 100% autoral. Enquanto isso vai tocando a loja virtual e selo Narval Comix, procura uma nova galeria para lhe representar e prepara, como curador, três exposições que homenagearão o pai Laerte no segundo semestre. E pretende retomar Fogo Fácil, projeto que reúne cinema, fotos e pinturas. “Acho que desde 2008 não fiquei nem um período sem trabalho, e não é porque sou excepcional, é porque me sobra ideia mesmo”. Pancho e Mexerica não o deixam mentir.





SAIBA MAIS

No batente: Rafael Coutinho trabalha desde os 16 anos e antes de se tornar quadrinista, pintor, etc. assumiu funções como garçom em restaurante, vendedor de CDs em banquinhas de stand center e atendente de locadora de vídeos.

Ídolos nos quadrinhos: O norte-americano Jaime Hernandez (Love & Rockets), o espanhol Miguelanxo Prado (Mundo Cão), o japonês Taiyo Matsumoto (Tekkonkinkreet), o francês Cyril Pedrosa (Três Sombras) e, claro, o pai (“O trabalho dele me estimula e me deixa pasmo. É um artista impressionante, sensível, generoso”).

Ídolos no cinema: Os franceses Bruno Dumont (A Humanidade) e Jacques Audiard (O Profeta), a argentina Lucrecia Martel (O Pântano) e o norte-americano Paul Thomas Anderson (Sangue Negro).

Ídolos na pintura: O inglês David Hockney, o alemão naturalizado inglês Lucien Freud, o alemão Neo Rauch e o brasileiro Wesly Duke Lee.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

mexidão #23

o bicho ainda tá pegando, o couro ainda tá comendo, muita coisa ainda está para ser entendida, mas acho que consegui nesse texto, publicado originalmente em 19 de junho, reunir algumas ideias sobre esse tumultuado e revelador mês de 2013. agora é esperar o tempo...

foto Everton Nunes

O QUE JUNHO DE 2013 PODE NOS ENSINAR

Histórico. Lindo. Memorável. Fantástico. Pacífico. Foram muitos e positivos os adjetivos usados para definir o que ocorreu em São Paulo na segunda-feira, 17 de junho, quando mais de 100 mil pessoas tomaram as ruas da maior cidade do país no “Quinto Grande Ato Contra o Aumento das Passagens”. Altamente recomendáveis as reportagens dos colegas Pedro Alexandre Sanches (“São Paulo, 17 de junho de 2013: a farsa e o pacto”) e Ana Aranha (“Protestos de junho, um retrato impossível”) e o relato da urbanista Raquel Rolnik (“São Paulo: a voz das ruas e a oportunidade de mudanças”).

Ontem, 18 de junho, durante o “Sexto Grande Ato”, parece que parte do sonho acabou, afinal o ato que começou na Praça da Sé acabou se dividindo esquizofrenicamente. Enquanto na Avenida Paulista reinava o mesmo clima paz & amor da segunda, com ênfase na questão do transporte e da cidade, no Centro um grupo sem conexão com o Movimento Passe Livre tentou invadir a Prefeitura. Manifestantes contrários à violência conseguiram conter os mais exaltados, houve discussão e suspeitas que os vândalos seriam policiais disfarçados ou militantes de extrema-direita. Um carro da TV Record foi queimado, bancos foram depredados, lojas saqueadas e duas horas depois chegou o Choque da PM varrendo tudo com bombas e tiros até alcançar a Paulista. O jornalista Pedro Alexandre Sanches ficou no lado alegre do ato e escreveu “São Paulo, 18 de junho de 2013: pororoca”.

Mesmo que certas coisas a gente só entenda com o passar do tempo e o desenrolar dos acontecimentos, já é possível tirar alguns ensinamentos desta impressionante série de manifestações que se espalharam por todo o país. Vamos lá...


A rua é o palco. Isso não é novidade nem aqui, nem na China, mas gerações mais novas ainda não tinham vivenciado o poder catártico de tomar a rua para se fazer ouvir. Porque é na rua que a sociedade se encontra e se confronta, e é na rua que a vida (social) acontece. Portanto, estar na rua é tomá-la para si e assumir responsabilidades individuais e coletivas, além de ser um chamado por uma cidade para todos (e não só para os carros).

Redes sociais fazem a diferença. Os mais céticos sempre criticaram o “ativismo de sofá” e as petições online, mas foram os movimentos nas redes sociais que deram início a esta série histórica de manifestações no Brasil. Nesse novo estado das coisas, o Facebook tem o papel de organizar os eventos e reunir as pessoas em torno de uma causa (ou de várias causas), enquanto o Twitter é uma rápida e poderosa ferramenta de informações em tempo real. Os dois juntos servem ainda para descentralizar o noticiário e furar o bloqueio da parcialidade da grande imprensa.

Não ter líderes é bom. Essa talvez seja uma das características mais novas e transformadoras das atuais manifestações. Também é assustadora para quem está acostumado a ser guiado (ou pautado) por líderes carismáticos e salvadores da pátria. É o tal “existe um líder dentro de você” cantado por Chico Science ao fim de “Todos Estão Surdos” (Roberto e Erasmo Carlos) só que numa versão mais complexa com manifestantes-líderes que precisam ser também gestores da própria ação coletiva. É uma interessante e rica combinação que já está criando uma nova geração de ativistas de esquerda sem ligações partidárias (afinal uma luta por transporte gratuito e fora da iniciativa privada é sim uma bandeira de esquerda).

Política pode ser diversão. Muita gente tem se mostrado incomodada com o ar festeiro de grande parte das manifestações. Bobagem. Palavras de ordem podem ter humor, fantasias são bem vindas e a sisudez é apenas um jeito dos poucos de sempre se manterem no comando.
Qual o problema de uma bateria segurar uma levada de funk carioca acompanhada por um trompete que toca o refrão de “Seven Nation Army” (White Stripes)? Não é o humor, não é a festa que esvaziam um movimento social. Deixem os meninos e meninas brincarem com a política. Talvez seja esse um dos caminhos para novas gerações entenderem que política é parte indissociável do cotidiano de todos e não de alguns “profissionais”.


Polícia Militar não serve para nada. Quer dizer, serve para bater, humilhar e oprimir como já foi visto em São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Porto Alegre e tantas outras cidades. Em reportagem da TV Folha, o vereador e pessoa violenta Conte Lopes afirma que “a Tropa de Choque [da PM] não foi feita para dialogar”. Bem, a base do estado democrático é o diálogo, portanto não é mais possível tolerar a existência de um aparelho repressor contra o próprio povo (e em relatório do ano passado, a ONU recomendou ao Brasil a extinção da PM por execuções sumárias e desrespeito aos diretos humanos). Em São Paulo ficou muito claro que a ausência da PM não resultou em nada próximo de baderna, tanto que um dos gritos mais recorrentes na segunda foi: “Que coincidência! Sem polícia não teve violência”.

Uma causa de cada vez. O surgimento do bordão “não é só por 0,20” foi uma resposta à violência policial em São Paulo na quinta, 13 de junho. Foi um jeito de falar que era também pela liberdade de manifestação. Mas o que pouca gente imaginava era que isso seria usado por grupos oportunistas e a grande imprensa para tentar tirar o foco dos atos e, consequentemente, esvaziá-lo. Já na bela manifestação de segunda foi possível ver inúmeros caroneiros – inclusive com bandeiras preconceituosas, vejam exemplos no tumblr Orgulho de Ser Coxinha – que nem se interessavam pela questão levantada pelo Movimento Passe Livre. A violenta esquizofrenia de ontem, 18 de junho, foi resultado desse início de descaracterização do movimento. É preciso centrar forças e evitar bandeiras genéricas.

“O povo acordou” é uma grande besteira. Não, o “povo” não acordou e um dos melhores cartazes de segunda deixou isso bem claro (“Só agora você acordou? A periferia nunca dormiu”). Participar de um ou dois atos na rua é bonito, é legal, mas não significa tomar consciência.

É preciso tomar cuidado com autoritarismos. A demonização de partidos políticos nas manifestações é uma grande violência e uma enorme burrice. Estamos numa democracia e se um cretino pode levantar um cartaz pedindo a volta da dos militares, qual é o problema de bandeiras do PSTU, PCO, PSOL, PT ou PSDB? Todos estão sendo oportunistas, pro mal ou pro bem, e todos precisam ter direito a voz, mesmo que você (ou eu) não concorde. Também ocorreu violência contra órgãos da imprensa e aí segue um recado para quem não deixou, por exemplo, o repórter Caco Barcellos trabalhar: você não é diferente da PM que atirou em jornalistas na quinta. Isso sem falar no patriotismo de fachada de quem veste a bandeira do Brasil ou canta o hino, mas só pensa no próprio umbigo. Nessas horas é sempre bom lembrar a célebre frase do pensador inglês Samuel Johnson (1709-1784): “O patriotismo é o último refúgio de um canalha”.