quinta-feira, 22 de outubro de 2009

nada de arrombar a festa

pela segunda vez fui convidado a integrar, sempre trajando credenciais gafieiras, um júri na rolling stone brasil. dessa vez a revista quis elencar “as cem maiores músicas brasileiras” e pediu a cada um dos oitenta e poucos envolvidos uma lista com vinte músicas (e suas respectivas gravações), sem ordem de preferência. pense numa angústia! pinçar apenas esses poucos peixes do oceano caudaloso que é a música brasileira! quer dizer, gosto de listas. de ler e, eventualmente, fazer (fora o fato que convites assim são sempre uma honra). mas o melhor delas é que sempre dão o que pensar, tanto pelos acertos quanto pelas ausências. com essa não seria diferente (e as dez primeiras da lista estão aqui).

bem, após a angústia da escolha veio um questionamento, digamos assim, filosófico-conceitual-pessoal: escolheria racionalmente (pensando em importâncias históricas, hinos de uma geração, canções icônicas, etc. e tal) ou jogaria tudo para o alto e mandaria ver na subjetividade. optei por um equilíbrio. algumas músicas simplesmente não poderiam deixar de aparecer, nem mesmo por birra (“garota de ipanema” nunca me disse nada, mas seria um descalabro não tê-la na lista). também não queria limar músicas que me são muito caras. e daí que só teriam o meu voto? enfim, cheguei a essas vinte músicas (p.s.: coloquei links de videos pras músicas, dica de ana aranha, mas claro que não consegui as versões originais de todas).

a flor e o espinho”, por nelson cavaquinho
águas de março”, por tom jobim & elis regina
ando meio desligado”, por mutantes
augusta, angélica, consolação”, por tom zé
back in bahia”, por gilberto gil
como dois e dois”, por roberto carlos
construção”, por chico buarque
da maior importância”, por gal costa
dama tereza”, por sabotage & instituto
danada”, por eddie & erasto vasconcelos
diário de um detento”, por racionais mc’s
doralice”, por joão gilberto
ela partiu”, por tim maia
laser”, por josé miguel wisnik
maracatu atômico”, por chico science & nação zumbi
milágrimas”, por itamar assumpção
o bem do mar”, por dorival caymmi
o homem da gravata florida”, por jorge ben
para um amor no recife”, por paulinho da viola
rua real grandeza”, por jards macalé

faltou gente? claro. cometi injustiças? óbvio. listas são assim, retratos (imperfeitos) de um momento. sei também que das minhas vinte apenas seis entraram na lista de cem. são elas, e suas respectivas colocações, “construção” (1), “águas de março” (2), “maracatu atômico” (48), “ando meio desligado” (50), “diário de um detento” (52) e “a flor e o espinho” (89). de resto, escolhi músicas menos conhecidas de medalhões ou fiz outras combinações entre compositores e intérpretes. e ainda, claramente em quatro, fiz escolhas estritamente pessoais: “dama tereza”, “danada”, “laser” e “milágrimas”. mas gostaria de lançar aqui alguns pensamentos avulsos sobre a lista final.
o gênero, sempre ele – maioria esmagadora de homens por todos os lados. dos cento e quatro compositores mencionados, apenas duas mulheres (rita lee e dolores duran). dos setenta e dois intérpretes treze são mulheres, número que pode aumentar um pouco se forem consideradas baby consuelo (novos baianos) e a dupla fernanda abreu e márcia bulcão (blitz). nesse último caso, pelo menos, elis regina é uma das mais mencionadas. claro que esse machismo não é novidade, afinal somente após o final da década de 1970 é que as mulheres conseguiram espaço para se mostrar como compositoras, e só agora nos anos 2000 esse número deixou, definitivamente, de ser traço nas estatísticas.
ah, no meu tempo – listas assim costumam refletir a geração de votantes. meu chute é que a faixa etária varie entre 20 e tantos até 40 e trilili (tenho 35), com devidas exceções, o que já confere um certo ar nostálgico, conservador, pra coisa toda. das cem músicas, apenas doze foram feitas da década de 1980 pra cá (contando com “maracatu atômico”, na versão de chico science, que é na verdade de 1974), e a mais nova, “anna júlia”, já tem dez anos. no entanto, é inegável que a lista deixe claro, mais uma vez, a força das três décadas mais cruciais e absurdamente produtivas da música popular brasileira: 1930s, 1960s e 1970s. é muita coisa boa junta. por outro lado, na minha lista, coloquei duas músicas dos anos 2000 (“danada” e “dama tereza”) e tenho certeza que exemplos não faltam. mas ainda é preciso dar tempo e com isso fica a pergunta: será que uma lista dessas, dez anos para frente, muda pouco ou muito?
absurdum – dorival caymmi aparecer somente na rabeira é tipo um crime hediondo (“o mar” está em 94). acho péssimo não ter itamar assumpção e tom zé surgir via “2001” com os mutantes. nenhum dos grandes compositores/intérpretes populares (os bregas) entrou. nada de odair josé, waldick soriano, paulo sérgio, fernando mendes, lindomar castilho e afins. nem beth carvalho, clara nunes e alcione, por exemplo. nem egberto gismonti, hermeto pascoal ou qualquer outra coisa puramente instrumental. claro que tem muita gente por aí, dá pra entender que nem todos entrarem, mas o que não dá pra perdoar é “anna júlia” ter entrado (mesmo que no 100). qual a importância dessa música? a não ser como marco do lançamento de uma das bandas mais importantes dos anos 2000, mas que se tornou referência após ter “renegado” seu primeiro sucesso comercial (e camelo & amarante possuem uma boa coleção de canções interessantes). quer dizer...
tiro certo – bom saber que roberto e erasmo carlos solidificaram, de uma vez por todas, sua importância na música brasileira (milhões já sabiam, mas faltavam alguns “especialistas”). a inseparável dupla emplacou “detalhes” (8), “quero que vá tudo para o inferno” (19), “as curvas da estrada de santos” (64) e “sentado à beira do caminho” (74). bom ver também o hitmaker guilherme arantes (“meu mundo e nada mais”, 87), o instrumental black power da black rio (“maria fumaça”, 79) e o choro pop de waldir azevedo (“brasileirinho”, 53), e ainda ultraje a rigor (“inútil”, 23), lobão (“me chama”, 47), paralamas (“alagados”, 63), titãs (“comida”, 68), lulu santos (“como uma onda”, 71) e blitz (“você não soube me amar”, 97). racionais e chico science entraram de vez no cânone, o que é ótimo e mais que merecido. o resto era de se esperar. ah, diferente do zeca camargo, não esperei que por levar o selo rolling stone a lista fosse ter uma pegada mais jovem, mais pop rock. aliás, esse é um dos grandes achados da lista, o de colocar todo mundo junto no mesmo espaço (como a gente no gafieiras faz desde o início em 2001). afinal de contas, o rótulo mpb é (e deve ser) coisa do passado.

pra finalizar, um material bônus. entre idas e vindas na minha escolha deixei separado uma segunda lista, uma espécie de banco de reservas com mais cinquenta opções (?!). algumas dessas entraram na lista da rolling stone brasil e estão devidamente sinalizadas.

“a vida é doce”, por lobão
“bananeira”, por joão donato
“banzo”, por rumo
“boa noite, cinderela”, por costa a costa
“caio no suingue”, por pedro luís e a parede
“canto de ossanha”, por baden powell & vinicius (9)
“carolina”, por seu jorge
“chorando no meio da rua”, por cristina buarque
“conselheiro”, por batatinha
“coqueiro verde”, por erasmo carlos
“de alegria raiou o dia”, por carlos dafé
“disritmia”, por martinho da vila (96)
“espelho”, por joão nogueira
“eu quero é botar meu bloco na rua”, por sérgio sampaio (38)
“eu, você e a praça”, por odair josé
“fita amarela”, por aracy de almeida
“incompatibilidade de gênios”, por clementina de jesus
“jaçanã picadilha”, por relatos da invasão
“jacarandá”, por luiz bonfá
“maria fumaça”, por banda black rio (79)
“me acalmo danando”, por ângela rô rô
“na rua, na chuva, na fazenda”, por hyldon (60)
“não creio em mais nada”, por paulo sérgio
“ninguém”, por clara nunes
“o céu, o sol, o mar”, por mombojó
“o ouro e a madeira”, por conjunto nosso samba
“o percurso”, por nervoso
“o pior é esperar”, por fernando mendes
“podes crê, amizade”, por tony tornado
“poema rítmico do malandro”, por sônia santos & zito righi
“pra dizer adeus”, por tom jobim & edu lobo
“quase 6 de misticismo”, por hurtmold
“rebelde sem causa”, por ultraje a rigor
“retalhos de cetim”, por benito di paula
“rio de janeiro”, por picassos falsos
“rumo”, por parteum
“segura a nega”, por bebeto
“semáforo”, por vanguart
“sobre a gente”, por rômulo fróes
“sonífera ilha”, por titãs
“swing de campo grande”, por novos baianos
“taí”, por carmem miranda
“te encontra logo”, por cidadão instigado
“tempos modernos”, por lulu santos
“tributo a wes montgomery”, por egberto gismonti
“um dia útil”, por mauricio pereira
“uma vida”, por união black
“v.v.”, por bnegão & os seletores de frequência
“volta por cima”, por maria bethânia
“zamba ben”, por marku ribas

p.s.: o bruno natal, outro a participar da lista, colocou as suas vinte músicas lá no URBe.

6 comentários:

Bonitopacas disse...

Foda demais a lista meu querido Dafno, confesso que tem algumas pérolas imagino que weu não conheço! Mas não posso deixar de resaltar a vacilada de não ter tirado do banco da reserva, uma dessas duas musicas:
“jaçanã picadilha” do Relatos da Invasão, ou “rumo” do Parteum, seria legal que um formador de opnião, explicasse pra outros formadores de opnião, que o rap vai além de D2 e Racionais. Perdeu playboy.

Bonitopacas disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Dafne Sampaio disse...

formador de opinião, hihihihi...
mas olha, apesar de achar essas duas ducaralho ('rumo' e 'jaçanã picadilha'), como tantos outros raps, não tem jeito... 'diário' tem uma importância muito grande. lembro do arrepio que foi ouvir o 'sobrevivendo', troço forte da porra. o importante é colocar de vez o rap (no caso, via racionais) no panteão musical nacional. passa boi, passa boiada. e a boiada é nozes.

Anônimo disse...

Fala Dafne, cem é muitooooooo pouco pra maravilha que é música brasileira, todos sabem.
Um dado que vc pinçou me chamou atenção. Só duas compositoras!?!
Putzzzzzz, chega a ser chocante.
Dona Ivone Lara poderia ter entrado fácil, extremamente fácil.
Quanto a sua pergunta, acho que uma lista dessas em 2020 mudaria pouca coisa.
Mas daqui há uns 30, mudaria sim, principamente na inclusão das mocinhas compositoras.
Ahhhhh, cara, Batatinha ficou na tua reserva. Bem, pelo menos lembrou do cara.
É incrível, nunca lembram dele nem do Candeia. Dois gênios!
Mas, sim, o Paulinho da Viola TINHA que estar entre os 10 primeiros!
Por último e não menos importante, é realmente uma falha grave a não inclusão de alguns bregas clássicos.
"Eu não sou cachorro não" não entrou?

PS: Como recifense faço um desagravo ao grande Reginaldo Rossi!

Abraço
Jose Henrique

Dafne Sampaio disse...

aê zé henrique, podiscrê... eu não sou fã de dona ivone lara, mas "sonho meu" poderia ter entrado sim. e o candeia, putz, esqueci o candeia. merda. e o pior (pra mim) é que entre esses caras old school do samba, acho o candeia mais interessante que o cartola (sendo que ninguém se equipara a nelson cavaquinho). enfim, listas...

ADEMAR AMANCIO disse...

Dos bregas apareceu Roberto carlos.Na minha opinião,mulher canta bem melhor que homens,quanto a compor...