domingo, 20 de dezembro de 2009

e se eu quiser falar com deus?

tô aqui no começo de jimmy corrigan, o menino mais esperto do mundo (cia. das letras), livro em quadrinhos do chris ware que acabou de ser lançado aqui, e já muito impressionado com as quebras de tempo, o texto minimalista e poético, o traço sofisticado e enganosamente simples. enfim, fodão. literatura gráfica da mais alta qualidade (em um ano especialmente bom de lançamentos em quadrinhos no brasil). mas aí fiquei matutando, tentando lembrar de alguém aqui no brasil que fizesse tudo isso e pow! o laerte, porra! o LAERTE! e faz isso tem um tempão.
sou fã dele desde que o conheci, não sei se na chiclete com banana do angeli ou na saudosa circo (os palhaços mudos, putz). ali em meados dos anos 1980. depois teve a revista piratas do tietê e sempre as tirinhas na folha de são paulo. uma das coisas que sempre me fascinou no trabalho do laerte - fora seu traço ser um dos mais bonitos que já vi - foi sua liberdade formal. não sei se é a melhor expressão, mas essa falta de amarras (o personagem, suas características, coerência dramatúrgica, etc.) fazia suas histórias, tirinhas ou cartuns ganharem uma leveza, um humor e, ao mesmo tempo, uma profundidade que se espalhavam pr'além da leitura. oras bolas, esse é o material de que são feitos os clássicos, é isso que diferencia um grande artista (gênio?) de um "mero" artista. sua obra reverbera tempo afora. e isso bastaria pra colocá-lo entre os grandes criadores brasileiros.
mas alguma coisa aconteceu com laerte nos anos 2000. sua obra - sobretudo as tirinhas diárias da folha - ganharam mais sombras e novas profundidades. não saberia precisar uma data, uma obra, um acontecimento. mas tenho certeza que até mesmo seus fãs mais ardorosos, eu incluso, se assustaram ao se deparar com tirinhas que mergulhavam, dolorosamente até, em questões existenciais, metalinguísticas e o caralho a quatro. será que o laerte pirou? só bem depois soube que ele perdeu um de seus filhos em um acidente de carro em abril de 2005. diogo tinha 22 anos. quem não piraria?
em 2007, numa entrevista para o marco aurélio canônico na folha - por conta do lançamento do excelente laertevisão e da coletânea em três volumes de toda a saga do piratas do tietê -, o paulistano de (então) 56 anos abriu o jogo sobre essas mudanças: "é uma explicação que tem de passar pela morte do meu filho também, isso foi um divisor. eu passei a ver e pensar as coisas de um outro jeito, uma série de procedimentos começou a perder o sentido ou ganhar outros. muito do que consistia a natureza das minhas tiras era um tipo de prestação de contas, era como se eu as estivesse fazendo para algum juiz, era um modo extenuante de trabalhar. passei também a não achar mais graça no tipo de humor que eu fazia, não me identificava mais com aquele modo de fazer, então resolvi deixar de lado os personagens".
o resultado é que laerte transformou para sempre os quadrinhos nacionais jogando com seus três ou quatro ou um ou dois quadradinhos diários (de 2005 pra cá). é claro que tem mais gente contribuindo para uma cena de quadrinhos mais forte e adulta no brasil - de bate pronto, lembro de lourenço mutarelli, que é de uma geração imediatamente posterior, e o jovem rafael sica -, mas nesse novo laerte tudo é mais belo e sombrio. em novembro de 2008, ele inaugurou o manual do minotauro, blog que vem reunindo seu trabalho mais recente, e durante esse período uma coisa ficou certa, cristalina (pelo menos pra mim): laerte coutinho é um dos 10 maiores criadores em quadrinhos de todos os tempos, no mundo inteiro, ombro a ombro com gente como robert crumb, will eisner, winsor mccay, moebius, etc. exagero? olha, dizem por aí que o laerte é deus. não sei. eu não acredito em deus. mas acredito sim no laerte. pra provar, pesquei algumas tirinhas lá no blog do homem (clique na imagem que aumenta). ô vontade de ver uma história longa dele nesses termos existenciais.

da série "ditadura"

da série "microrromance"


da série "mente"

p.s. 1: aliás, coloque o
manual do minotauro no seu favoritos, página inicial, qualquer coisa, mas tenha sua dose diária ou semanal, mas regular, de laerte. você será uma pessoa melhor.


p.s. 2: nessa quarta, dia 23, o andré conti, editor do selo quadrinhos na cia. (cia. de letras, que esse ano publicou jimmy corrigan, breakdows do art spiegelman, retalhos do craig thompson, umbigo sem fundo do dash shaw e jubiabá do spacca, etc), falou em seu twitter o seguinte: "em 2010, publicaremos muchacha, o primeiro graphic-folhetim (palavras dele) do mestre laerte. mesmo quem já acompanha a muchacha na folha terá umas boas surpresas. fiquei transtornado quando ele topou, um dos grandes momentos da minha vida editorial." que venha 2010.

6 comentários:

Lucas Mello disse...

laerte ainda tem outra coisa legal. ele responde os comentarios. experimenta pra voce ver! :D

Dafne Sampaio disse...

pois é, já vi isso no blog dele. já deixei uns (poucos) comentários lá. ele é atencioso pra cacete. ele é (também) o cara.

jeanboechat disse...

laerte é o maior. de todos.

Télio Navega disse...

Só Laerte salva.

Dafne Sampaio disse...

mais uma prova da grandeza do homem. olha o tanto de amor...

Leandro Correia disse...

Muito bom o texto, também sou um grande admirador dos trabalhos do Laerte, e de sua pessoa, suas atitudes, é uma referência, sem duvidas.