segunda-feira, 18 de outubro de 2010

nego dito forévis!
ou transversão #37
ou letra/música #19

essa é caixa preta, senhoras e senhores, a ansiosamente aguardada caixa preta de itamar assumpção (selo sesc sp, 2010). pra mim é o lançamento do ano, sem sombra de dúvida. não só porque reúne em nova edição todos os discos de itamar assumpção como solta ao mundo o desfecho da trilogia pretobrás (volumes 2 e 3). nascido em 1949 e morto precocemente em 2003, o paulista-paulistano ainda não teve sua obra devidamente reconhecida dentro do tal cânone da música popular brasileira. itamar ainda é prazer de poucos, ainda é "maldito", o que é coisa das mais injustas levando-se em conta o humor, a invenção e seu afiado e surpreendente sentido pop. essa caixa precisa se espalhar - talvez não fisicamente porque o preço pode assustar (150 paus, mas são 12 discos, e no site do sesc sai por 120 reais) -, porque a música do nego dito serve pra tudo, é como a vida. saudade.

quem ganha mais é quem ouve, porque itamar já é, pode acreditar. e na caixa preta estão
beleléu leléu eu (1980), às próprias custas s.a. (1982, o único disco ao vivo de itamar e que vem com uma faixa inédita, uma versão de "não vou ficar" do tim maia), sampa midnight - isso não vai ficar assim (1983), intercontinental - quem diria? era só o que faltava!!! (1988), bicho de sete cabeças vols. 1, 2 e 3 (1993), ataulfo alves por itamar assumpção - pra sempre agora (1996), pretobrás - porque que eu não pensei nisso antes? (1998) e o já póstumo vasconcelos e assumpção - isso vai dar repercussão (2004). tudo lindo. mas são discos que já ouvi de trás para frente, inúmeras e inúmeras vezes. agora, os inéditos pretobrás II - maldito, vírgula (2010) e pretobrás III - devia ser proibido (2010) trazem uma porrada de novidades e convidados em suas 29 faixas, além do próprio itamar em registros caseiros de voz e violão posteriormente arranjados pelos produtores beto villares (pretobrás II) e paulinho lepetit (pretobrás III). separei aqui alguns destaques desses dois discos e já começo com um transversão.



"todo esse tempo" é o nome dessa música e depois de ouví-la com itamar agora é a vez da versão acelerada e totalmente atual de bnegão. as duas estão no volume dois do pretobrás.



ainda em pretobrás II aparecem outros convidados. seu jorge canta "o tempo todo" e tenho certeza que itamar ficaria orgulhoso da versão desse outro grande artista da música negra brasileira.



e para encerrar os destaques desse volume, elza soares cantando "elza soares", música feita por itamar em sua homenagem. de arrepiar versos como "desde que me entendo por gente / eu sambo, eu faço o que gosto / my soul is black, meu sangue é quente / eu quando gosto, me enrosco", ainda mais com a emoção de elza no final.




já no pretobrás III ouvi algumas músicas que achei que nunca iria possuir registro em disco (já tinha ouvido e vibrado em shows). a divertida "pirex", por exemplo, ótimo exemplo das brincadeiras de itamar com a nossa língua (e que nessa versão traz participação de naná vasconcelos).



outra que já tinha ouvido em shows é "devia ser proibido" (itamar assumpção e alice ruiz). música de rachar o coração feita em homenagem ao poeta paulo leminski (marido de alice e amigo/parceiro de itamar). a letra acabou caindo como uma luva para a ausência de itamar porque "devia ser proibido / uma saudade tão má / de uma pessoa tão boa". participação de zélia duncan, uma das mais aguerridas divulgadoras do nego dito.




e pra encerrar, letra e música de "que tal o impossível", doce, amorosa e lírica, que me lembrou carolina de cara (ela é muito fã de itamar, o que me dá um baita orgulho, porque fui eu que apresentei). cante junto e tente não se emocionar. tente não pensar nela/nele.

que tal o impossível
(itamar assumpção)

que tal se nós dois vivêssemos
do jeito que nós quiséssemos
sem nada que aborrecesse-nos
que tal se tudo tivéssemos

que tal se realizássemos
aquilo que nós sonhássemos
maçãs macias comêssemos
que tal se nós nos beijássemos

que tal se nós dois dormíssemos
olho no olho acordássemos
que tal se nós felicíssimos
que tal se nós dois voássemos

que tal se nós dois pudéssemos
aquilo que desejássemos
que tal se nós dois cantássemos
tocassemos e nós dois mesmos dançássemos

que tal se nós dois partíssemos
que tal se a sós ficássemos
que tal se ao máximo amássemos
que tal se no céu morássemos
que tal
que tal o impossível
que tal
que tal o impossível



foto de 1998, em casa de alzira espíndola, época da gravação do pretobrás; foi durante a única entrevista que fiz dele e que está lá no gafieiras

Um comentário:

Camilo Vannuchi disse...

Muito bom! O negão é foda. E deixa de conversa mole, Luzia. Abs!