fiz o segundo perfil pra revista de bordo da azul numa rara brecha no trabalho na prefeitura. o retratado da vez foi daniel ribeiro, jovem cineasta paulistano que acabou de estrear em longas com o premiado e elogiado hoje eu quero voltar sozinho. ainda não assisti o filme, mas seus dois curtas mostram um diretor-roteirista muito seguro de si e extremamente delicado com seus personagens.
UM CINEMA DE PAIXÕES NATURAIS
Ele não pensava em fazer cinema. Não era bem por aí que
imaginava seu futuro. Queria fazer Comunicação, isso sim, e eventualmente
trabalhar na TV, “porque [nela] era possível se comunicar mais facilmente com
mais gente”. Mas agora, com 2 curtas e 1 longa no currículo, Daniel Ribeiro já
pode assumir sem medo que é cineasta.
Uma das provas disso é que as estantes da sala de seu
apartamento-escritório perto da Avenida Paulista estão lotadas de prêmios,
incluindo os três que recebeu no Festival de Cinema de Berlim: um por seu curta
de estreia [Café com Leite, 2007] e
dois pelo longa Hoje Eu Quero Voltar
Sozinho (2014), que estreia neste mês em circuito comercial em 19 cidades
brasileiras.
“Sempre achei que esse projeto deveria ser um longa, mas
como só tinha um curta no currículo vi que seria impossível conseguir dinheiro
pra fazê-lo. Então dirigi um outro curta [Eu
Não Quero Voltar Sozinho, 2010] como piloto para conseguir financiamento
para este longa”, explicou o paulistano de 32 anos, nascido no Tatuapé, zona
leste de São Paulo.
A história de seu segundo curta é a mesma do primeiro longa
e gira em torno de Leonardo, um adolescente cego em busca por um lugar no mundo
e suas relações de afeto com a melhor amiga (Giovana) e um novo aluno na escola
(Gabriel). “No longa não uso a palavra ‘gay’. Ele não se declara ‘gay’ em
nenhum momento. Essa não é a questão. É
um filme sobre um garoto se apaixonando pela primeira vez. Se ele fosse hétero
o filme não ia ter tanta diferença, mas é claro que o fato dele se apaixonar
por outro homem dá outras camadas pro filme”.
Com delicadeza, naturalidade e muito carinho por seus
personagens, Daniel Ribeiro coloca uma questão importante no filme: a
sexualidade vem de dentro ou de fora? “Tive essa ideia de um protagonista cego
porque pensei o seguinte - como acontece o desejo numa pessoa que nunca viu um
homem nem uma mulher? Afinal de contas, a sexualidade, bem como o preconceito,
estão muito ligados a imagem, né?”
Os questionamentos levantados por Hoje Eu Quero Voltar Sozinho não tem apenas uma resposta. Cada um
pode e deve descobrir a sua, mas que o importante mesmo é o respeito por essas
diferenças de trajetórias e preferências. É assim que a vida acontece e tem que
acontecer. “Quando eu era adolescente, nos anos 1990, parecia que o único gay
era eu. Você não via praticamente ninguém no cinema ou na televisão. E os
poucos exemplos não eram muito positivos. Eu queria me ver. E percebi que fazer
cinema ou televisão era uma forma de criar personagens para adolescentes que,
como eu, queriam se ver também”.
Preconceitos, infelizmente, ainda correm soltos por aí, mas
a internet e as redes sociais conectaram muitas pessoas e hoje em dia
adolescentes gays não se sentem mais isolados. Tanto é verdade que a página do filme no Facebook foi curtida por mais de 160 mil pessoas que interagem muito,
contam histórias pessoais, agradecem e torcem por Hoje Eu Quero Voltar Sozinho. “Até poucos meses atrás era eu mesmo
que administrava a página, postava fotos do meu celular e tudo. Hoje não dá
mais. Pra você ter uma ideia, quando publicamos o cartaz do filme, a imagem
teve mais de 5 mil compartilhamentos e alcançou cerca de 1 milhão de pessoas.
Mas é tudo muito genuíno por lá, principalmente a vontade de cultivar o diálogo
com as pessoas”.
Além do lançamento em circuito comercial no país, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho vai passar
o ano viajando por outros festivais de cinema e, por enquanto, Daniel Ribeiro
só quer saber de alcançar o maior número de pessoas. “Tenho algumas ideias de
projetos futuros, mas a única certeza que tenho é que quero sempre ter
personagens gays nos meus filmes, não necessariamente protagonistas. Na
verdade, tudo tem que vir de forma natural. É da minha vivência essa
naturalidade”. O cinema de Daniel Ribeiro é, acima de tudo, um cinema de
sentimentos.
SAIBA MAIS
Cinéfilo desde a adolescência, Daniel Ribeiro gosta
especialmente de Woody Allen, François Truffaut, Miranda July, Wong-Kar Wai e
Gus Van Sant.
Fã de séries televisivas, o cineasta tem assistido com
entusiasmo títulos recentes como House of
Cards e Sherlock, mas cita também
entre suas preferidas Mad Men, Orange is the New Black, Curb Your Enthusiasm e Seinfeld. Detalhe: foi editor de Tudo o que é Sólido Pode Derreter, série
dirigida por Esmir Filho e Rafael Gomes e exibida pela TV Cultura em 2009.
A trilha sonora de Hoje
Eu Quero Voltar Sozinho traz músicas de Belle & Sebastian, Marcelo
Camelo, David Bowie, Marvin Gaye, Cícero, The National, Arvo Part e Franz
Schubert.
p.s.: e aqui abaixo, o curta 'não quero voltar sozinho' que deu origem ao longa 'hoje eu quero voltar sozinho'.