quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

12 dias SP, uma introdução

cerca de um ano atrás, não sei ao certo, pensei numa série de 12 reportagens. a ideia original era passar um dia por mês rodando por alguma região de são paulo, mas ainda estava meio vago. precisava de um recorte mais definido. no início desse ano pensei em fazer todo dia 25, começando no aniversário da cidade em 25 de janeiro e terminando em 25 de dezembro. não consegui iniciar em janeiro, cabeça a mil, e pra driblar as limitações dessa produção independente pensei numa saída: escolher 12 lugares de são paulo que fossem uma mistura de lazer, trabalho e passagem, e que tivessem horário para fechar e abrir (claro que sempre rolam umas liberdades, nada é tão engessado assim). e eu ficaria pra cima e pra baixo observando, falando com pessoas e tirando fotos. fazendo um registro-instantâneo de um espaço paulistano e de suas gentes em um dia específico. só uma coisa não mudou do ano pra cá, o nome do projeto ("12 dias SP", pois as noites ficam pruma próxima), além dessa vontade de estar na rua, em movimento. o "você praça acho graça" faz parte disso também.

bem, tinha pensando em alguns pontos, mas decidi abrir no facebook essa história. um tanto pra sentir a recepção, mas também esperando sugestões. nos dois casos, o retorno foi surpreendentemente bom e me deu outras muitas outras ideias (não tenho nem como agradecer todas as dicas, foram muitas e de muitas pessoas). acabei fechando nos seguintes 12 pontos: grandes galerias, terminal da praça da bandeira, praça da sé, luz, centro de tradições nordestinas, parque ecológico do tietê, rua javari em dia de jogo, mercado da lapa, shopping cidade jardim, cemitério jardim são luís, zoológico e represa de guarapiranga. a estreia será em março nas grandes galerias.



p.s.: acabei, meio que de sopetão, fazendo um texto de aquecimento, um exercício, para o "12 dias SP" a partir de um passeio noturno na paulista. saiu "o início da avenida paulista também é seu fim".

atualização: escrevo agora do início de junho e ainda não comecei. que beleza... mas vai rolar, vai rolar...

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

yahoo #64

em março rolarão novidades no yahoo e por causa disso a minha coluna no ultrapop voltou a ser quinzenal. essa aqui saiu na quarta-feira de cinzas e tratou, obviamente, de carnaval, mas de carnaval em são paulo, mais precisamente em cima do minhocão. posso dizer, sem medo de exagerar, que foi um daqueles dias que vou me lembrar pra sempre. alegria, sintonia, amor, suor e festa, muita festa, numa cidade que precisa muito voltar a se divertir. sem falar em um lindo batman mirim em seu primeiro carnaval de rua.



QUANDO O MINHOCÃO BALANÇOU DE ALEGRIA

Existem os carnavais de rua profissionais do Rio de Janeiro, Salvador e Recife/Olinda e existe o de São Paulo, franzino, tímido e motivo de deboche nacional. Por enquanto. É que ninguém fica na cidade. É que São Paulo não gosta de folia. É que sempre chove no carnaval. Nada disso é desculpa, muito menos verdade, e a festa pagã deste ano pode ser um momento de virada nessa história. Não é à toa que é o primeiro carnaval após os oito anos restritivos, burocráticos e caretas da gestão Serra-Kassab. Deu pra sentir nas ruas um eufórico espírito de retomada, mesmo que ainda um tanto caótica, afinal a cidade não está acostumada a ser feliz.

No final do ano passado foi criado o Manifesto Carnavalista, uma reunião de blocos e cordões independentes com interessantes reinvindicações: direito à alegria; direito à folia; valorização e afirmação da tradição cultural paulistana; ocupação do espaço público como exercício da cidadania; e identificação do potencial econômico do carnaval de rua. Daí que a nova gestão da Prefeitura de São Paulo, na figura do Secretário de Cultura Juca Ferreira, estabeleceu um diálogo com os blocos e foi assim que a história da folia paulistana ganhou novas caras e um novo futuro.

E as ruas foram tomadas tanto pelos tradicionais Bloco dos Esfarrapados (66 anos) e Vai Quem Quer (33 anos) quanto por blocos jovens ou estreantes como Bloco Afro Ilú Obá de Min, Cordão Kolombolo Diá Piratininga, Acadêmicos do Baixo Augusta, Ó do Borogodó, Nois Trupica Mais Não Cai, Bloco Soviético, Confraria do Pasmado, Cordão Cecília, Jegue Elétrico, Pimentas do Reino, João Capota na Alves, Zé e Maria, Vaca das Galáxias e Bando dos 7.


Mas o caso do Agora Vai, que saiu no final da tarde de ontem (terça gorda), é bastante revelador desse novo espírito. Fundado em 2005 na Barra Funda, o bloco sai do Largo Padre Péricles e anda um tanto bom pelo Minhocão até voltar ao largo, com direito a hino próprio, marchinha inédita todo ano, duas vocalistas em um carrinho de som improvisado, estandarte e uma pequena e aplicada bateria que faz até breques de funk.

E tinha de tudo por lá, casais e solteiros(as), homos e heteros, crianças e velhos, gente fantasiada e malucos à paisana, todos cantando e dançando por uma cidade que seja boa para quem a faz. Perto da concentração aconteceram ainda divertidas intervenções em placas e, de uma hora pra outra, a feia Marginal Tietê se transformou numa esfuziante Marginal Paetê.

Mas o auge do bloco aconteceu quando as cerca de 3 mil pessoas presentes começaram a pular e fazer o Minhocão balançar. Construído por Paulo Maluf e com nome de ditador militar (Costa e Silva), o Elevado felizmente já é usado para fins recreativos nos finais de semana, mas nesse Carnaval ele virou uma grande passarela para alegrias das mais diversas. Desde um cadeirante com cabelos lotados de confete até um menino de 4 anos vestido de Batman que abriu os braços e sorriu ao ter seu nome de herói gritado por centenas de pessoas. Esse é o tecido de que são feitos os sonhos carnavalescos de uma cidade.

p.s.: falando em Carnaval de São Paulo, nada melhor que encerrar esse post ao som d’A Espetacular Charanga do França.

o início da avenida paulista também é seu fim

Pois é, logradouros de mão dupla tem dessas coisas. Só que ali em seu início oficial, na Praça Oswaldo Cruz (antigo Largo do Paraíso), na noite de 19 de fevereiro, um casal tinha questões mais urgentes para se preocupar. O relógio marcava 21h35 e ele negro, ela branca, ambos magros com cerca de 20 anos, se equilibravam precariamente em um dos bancos ondulados anti-mendigos. A luta contra o concreto é sempre árdua e a praça ainda por cima estava mergulhada em sombras e com centenas de galhos espalhados pelo chão – resultado da grande chuva de algumas horas antes –, mas os dois deram um jeito de se encaixar, coxa sobre coxa, beijo sobre beijo, abraçados infinitamente até a inevitável hora de irem para a casa dos pais.

Do outro lado da praça, o Índio Pescador, estátua de Francisco Leopoldo Silva, olha para o lago seco congelado no tempo. Os peixes há muito se foram, bem como sua lança, e mesmo assim ele espera. E se ele um dia saísse pela avenida descontando os anos de maus tratos e indiferença? Não, nem em sonho. O bom selvagem de cobre continuará por ali esperando qualquer coisa. Hipnotizado pelo vazio.


A ida é pelo lado par, a volta pelo ímpar, e nas duas calçadas da avenida passam pessoas com malas, chegando ou partindo da cidade, e muitas outras saindo das inúmeras faculdades da região. A fauna noturna também é composta por sem tetos que se abrigam do jeito que conseguem e o primeiro a ser encontrado aparece logo após a entrada do Hospital Santa Catarina: rosto coberto e corpo em posição fetal para não sentir o vento frio da noite fresca. Logo acima de sua cabeça uma série de esculturas em baixo relevo com corações, pulmões, células, ossos e outros pedaços humanos. E ele ali, inteiro.

No decorrer da caminhada aparecerão outros 17, todos homens, e a maioria optando pela segurança dos caixas eletrônicos. Ah, e não possuem preconceito contra nenhum banco. Estão no Safra e na Caixa, no Santander e no Itaú, no Bradesco e no Banco do Brasil. E invisíveis em todos os lugares pelas ondas humanas que os cercam.


O frenesi de gente querendo chegar logo em casa, já tá tarde, mais de 10 da noite putaquepariu, congestiona vários trechos dessa senhora avenida de 122 anos. Um dos pontos de maior movimento é o prédio da Gazeta, onde também funciona o cinema Reserva Cultural, a UNIP, a Casper Líbero e o Objetivo. No entanto, sua longa e ampla escadaria acaba sendo usada também como arquibancada para o teatro da calçada e nessa noite um grupo de amigos é responsável pelo som ao vivo. A formação é curiosa – flugelhorn, trompete, violão, cavaquinho e percussão (cajón) – e o ponto alto é uma versão de “Liberdade pra dentro da cabeça” (Natiruts).

O pessoal no ponto de ônibus dá umas olhadas, uns até sorriem, mas quem mais aprecia é um velho bêbado que resolve se deitar para melhor desfrutar a serenata. A música acaba e o sujeito que toca flugelhorn sai da formação, senta em um degrau e sai disparando trechos de “Berimbau” (Baden Powell e Vinicius de Moraes), “I say a little prayer for you” (Burt Bacharach), Los Hermanos e Beirut. O fluxo de gente não para, nem as obras, nem um carro de polícia com sirene ligada, nem um silencioso caminhão de bombeiro.


Um pouco depois é a vez do prédio da FIESP dominar o cenário com suas luzes noturnas. A construção do final da década de 1970, assinada pelo escritório de Rino Levi, foi reformada vinte anos depois por Paulo Mendes da Rocha e agora está tomada por animações um pouco falhas com espirais, mapas estilizados de São Paulo e gotas eletrônicas escorrendo pela fachada do prédio. Um policial saca o celular, tira uma foto, mostra pra companheira PM, ela diz que ficou ótima e os dois se dirigem ao MASP. Missão dada é missão cumprida, dizem por aí.


O vão livre do museu projetado por Lina Bo Bardi é outro que serve de abrigo noturno para sem tetos, geralmente perto da bilheteria, e é uma moldura e tanto para os cada vez mais corriqueiros passeios noturnos de bicicleta. Passam um, dois, três, quatro grupos em menos de uma hora, com números de integrantes variando entre 6 e 20. Passa também um jovem de óculos escuros tocando um violão porcamente pintado e usando um chapéu de palhaço que poderia ter sido roubado do Patati ou do Patatá. E nenhuma alma viva no antigo Belvedere do Trianon, ninguém olhando a Av. 9 de Julho serpentear rumo ao Centro.

O movimento de carros vai diminuindo pouco a pouco, bem pouco, mas o bastante para ouvir o grito das rodinhas de skate rasgando o chão perto do prédio da Caixa Econômica. Pouco depois já dá pra ver um garoto de camisa de flanela e boné rolando e seu skate indo para o lado oposto. Levanta rápido, cê nem viu mano. Pouco adiante um outro garoto consegue convencer a amiga a andar em sua prancha com rodinhas. Ela nunca teve coragem, mas ele tanto insistiu que... então, gentilmente, ele segura a mão dela, que sobe e fica em pé, parada, já esperando o tombo. Mas lentamente ele a traz pela mão e o skate vai andando, andando, e ela junto rindo nervosa. Depois gostando. E lá se vão os dois.


Então é a hora do fim da Paulista, ou do início, aí depende. Lá pela altura do 2400, a avenida é brutalmente cortada pela Rua da Consolação, o que não deixa de ser irônico, e só um restinho seu fica do outro lado. Nesse trecho, que muita gente não acredita fazer parte da Paulista, cabem um grande prédio residencial, um comercial, um estacionamento, uma boate que já teve dias melhores e a Praça Marechal Cordeiro de Farias, ou Praça dos Arcos.

Essa praça, como muitas outras na cidade, não é um lugar de lazer ou descanso e sim de passagem. As praças em São Paulo também não podem parar, talvez por isso não possuam bancos nem nada parecido. Quer dizer, tem uma mureta em forma de arco (claro), no qual três sujeitos se escoram pra beber a última da noite. O relógio acabou de passar das 23h e a poucos metros dos caras aparecem duas amigas sendo levadas por seus cachorros. Falam sobre comida, restaurantes e cardápios enquanto seus bichos de estimação cheiram os arcos metálicos coloridos projetados por Lilian Amaral e Jorge Bassani. A grama está alta.


Enquanto as amigas, e seus cachorros, descem rumo a Av. Angélica, carros passam zunindo tanto no sentido Av. Rebouças quanto no da Av. Dr. Arnaldo. E a Paulista lá, toda iluminada em seus quase 3 km de extensão, parecendo assombrar uma dupla de chineses. Após cerca de cinco minutos de um silêncio contemplativo, um vira para o outro e diz algo que gera risadas altas, então o outro dá um tapinha nas costas do um e ambos voltam para o seu hotel logo ali na Consolação.

O metrô está quase para fechar e mesmo assim teima em soltar seus guinchos através dos respiradouros que dão pra avenida. Luz verde, depois vermelha, depois verde, vermelha, e umas amarelas no meio do caminho, enquanto um casal de franceses conversa animadamente em frente ao Conjunto Nacional.  Cada vez menos gente nos pontos de ônibus e até os policiais parece que sumiram.


Então, em frente ao Parque do Trianon, o mistério do sumiço dos PMs se esclarece. É hora da troca de guarda e cerca de 40 soldados homens e mulheres fazem ‘sentido’ para os comandos genéricos do oficial superior. Dispensados, grita, e os policiais rapidamente vão para todos os lados da avenida em grupos de dois ou quatro. A fachada da FIESP continua piscando e escorrendo em luzinhas, um tanto mais tímidas é verdade, e ainda é possível ouvir skatistas acertando e errando manobras ao longe.

Em um bar logo após a Av. Brigadeiro Luis Antônio, um bêbado procura por cigarro enquanto os garçons recolhem cadeiras, mesas e sujeiras. Algumas poucas horas antes toda a calçada estava lotada de calouros de alguma universidade por ali, gente bebendo com coisas escritas com batom na testa. RP, Administração, Publicidade, futuros profissionais, a nova geração ao som de um grupo de samba que tocava de Adoniran Barbosa a Fundo de Quintal. Agora, naquela hora, não havia sobrado nem matrícula para contar a história.


De volta à Praça Oswaldo Cruz, um motoboy pede orientações a dois garis, que tem dificuldade para ouvir por causa do barulho de um esmeril em um prédio comercial que deveria estar vazio. Acabou de bater meia-noite e nem sinal do casal que lutou bravamente contra o banco anti-mendigos. Mas o índio pescador continua lá, mãos vazias, esperando. Ele tem certeza que sua hora chegará.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

cheiro de floresta, luz de cidade

taí minha outra contribuição pra edição de fevereiro da revista da gol, uma entrevista com a cantora lia sophia. só lamentei que o chamado para a matéria tenha surgido poucos dias depois d'eu ter voltado de belém. teria sido ótimo entrevistá-la em casa (como sempre, o batepapo aqui tá maior do que o da revista). de resto, conversa ótima, divertida, super franca. lembro bem da minha primeira impressão quando ouvi lia cantando "ai, menina" no terruá pará: "se os mariozinhos rochas da globo fossem espertos de verdade pegavam essa música correndo pra colocar em trilha de novela". cerca de um ano depois lá estava lia embalando personagens globais. novos ventos talvez.


foto de luiz braga

A MENINA QUER CANTAR

Uma das revelações da nova música paraense, Lia Sophia emplacou música em novela e agora quer mostrar mais de sua mistura sonora de floresta e cidade

Ela surgiu no canto esquerdo do palco, girando e girando, toda de branco. Estava de saia rodada, claro, e todo o Auditório Ibirapuera, em São Paulo, parou para ouví-la cantar. Foi ali, na segunda edição do festival Terruá Pará, em junho de 2011, que uma das cantoras paraenses mais interessantes da atualidade foi apresentada ao eixo Rio-SP. Mas Lia Sophia não era uma estreante, longe disso.

Nascida na Guiana Francesa, criada em Macapá e formada e radicada em Belém, Lia Sophia já possuía três discos na bagagem – Livre (2005), Castelo de Luz (2008) e Amor Amor (2009) – quando decidiu explorar outros mares. E tudo deu muito certo, desde uma música em trilha de novela (“Ai, Menina” em Amor Eterno Amor), com direito a participação em um dos capítulos, muitos shows e chuvas de elogios da crítica especializada.

Essa música, aliás, será o carro-chefe de seu quarto álbum solo, que sairá ainda neste primeiro semestre com patrocínio da Natura Musical e produção de Félix Robatto (La Pupuña e Gaby Amarantos) em parceria com a própria cantora. “O disco tá ficando com um cheiro de floresta e com a luminosidade da cidade”, afirma Lia, que também compõe e toca violão desde os 9 anos de idade. Quem já conhece sua mistura de pop, mpb, música caribenha, carimbó, brega e guitarrada sabe que um dos discos do ano está prestes a nascer.



Você é de uma família de músicos, sua mãe foi cantora de rádio, e mesmo assim ganhar a vida com música não era visto com bons olhos em sua casa. Ao mesmo tempo você cantava em igreja e aprendeu a tocar violão. Qual era o receio deles?  Naquela época, o que era música pra você?
Na minha casa a música sempre esteve presente, com duas funções bem distintas, uma era a de louvar a Deus – caminho por onde eu e meus irmãos seguimos, na infância e adolescência, na igreja – e a outra era a de alegrar as festas que meus pais faziam em casa, e eram muitas [risos]. Não se ouvia música que não fosse pra dançar. Chico Buarque, Caetano Veloso, João Gilberto e Maria Bethânia, nem pensar! Até os meus 17 anos de idade, eu não conhecia esses artistas, até já tinha ouvido alguma coisa, mas muito pouco mesmo. Boleros, bregas, zouks, carimbós, merengues, era isso que rolava. Meus pais não viam na música uma profissão segura, rentável, temiam que eu ou meus irmãos nos perdêssemos nos bares da vida, sem ter uma segurança financeira. Ironicamente, comecei a aprender violão por imposição de minha mãe, que sempre quis tocar e nunca teve a chance de estudar. Eu não queria tocar violão, machucava os meus dedos, e tinha apenas 9, queria fazer outras coisas. Mas quando toquei a primeira música que aprendi ao violão (“Pobre Menina”, Leno e Lílian) recebi muitos elogios, aplausos, foi um momento mágico, me apaixonei. Daí por diante passei a dormir abraçada com o violão ouvindo a rádio e tentando tocar tudo o que ouvia. Nessa época, e ainda hoje, a música é pra mim, uma forma de me aproximar de Deus. Me faz estar próximo do que é divino. Tocar um instrumento, compor uma canção, cantá-la, me faz sentir divina, criando algo novo e único. 

Imagino que sua mudança pra Belém para fazer faculdade tenha sido libertadora. Como a música foi entrando na sua vida nessa época? Teve algo de revolta com a família ou foi mais tranquilo? O que fazia teus ouvidos na época?
A mudança pra Belém era uma necessidade, pois em Macapá os cursos universitários eram muito limitados, não havia muita opção.  Nesse momento não foi nada libertador pra mim. Belém era a cidade grande, onde eu não conhecia ninguém, teria que aprender a andar de ônibus, fazer minha própria comida, cuidar de mim e ainda provar que era capaz de passar em uma prova de vestibular onde a concorrência era de 25 pra 1! Foi na verdade apavorante! [risos] Só hoje eu consigo ver como foi libertador! Me formei em Psicologia pela UFPA [Universidade Federal do Pará] mas nunca atuei na área. É que a música sempre esteve na minha vida e a necessidade de independência acabou me levando pra esse caminho. Comecei tocando em bares, depois fui para dentro dos teatros, os discos vieram, os shows foram aumentando, essa paixão toda me dominando [risos]… e a música se tornou a minha profissão. Com a qual conquistei respeito, construí a minha vida, com a qual me mantenho, enfim ultrapassando os limites e quebrando todos os preconceitos que a mim foram impostos e ensinados. É claro que nesse novo caminho escolhido, logo no início, tive sim alguns estranhamentos com meus pais, eles não botavam fé, mas foram mudando de opinião com as minhas vitórias. Nessa época ouvia muito Chico Buarque, João Gilberto, Marisa Monte, Gal Costa, Caetano Veloso… isso tudo me ajudou a começar a compor minhas primeiras canções.   

Como você vê hoje, com cerca de 10 anos de carreira, esse seu começo? Foi fácil ou difícil, e como foi, construir sua própria personalidade musical? E o lado compositora?
Esse começo foi difícil. Tocar em bar não é fácil, embora seja uma super escola para um artista, os cachês são muito baixos, as condições de equipamentos de som são péssimas, o repertório tem que ser bastante eclético para agradar ao público, nem sempre se toca só o que se gosta… e tudo bem, aprendi muito nessa época. Aprendi a cantar com muita alegria e prazer, sempre, mesmo em condições adversas, aprendi a respeitar e a valorizar o público que me assiste, aprendi a ser profissional. A minha personalidade musical foi se construindo nesse caminho, as minhas influências musicais da infância foram se misturando as novas descobertas, e as minhas composições deixam bem claro isso. Hoje acho que estou vivendo um momento de maturidade musical. Sei muito bem o que quero compor, cantar, como quero que soe e me envolvo na produção do meu trabalho em todas as etapas. A composição é um trabalho diário, com o qual eu tendo ser bem disciplinada, tiro sempre 2 a 3 horas diárias para trabalhar compondo, não costumo viver dos momentos de inspiração, quando eles acontecem, ótimo, senão acontecem, trabalho do mesmo jeito.


lia no show coletivo "terruá pará"

Nos últimos anos, a música paraense se tornou a bola da vez em termos de sucesso e encantamento nacional. Como você acha que isso aconteceu? O que tem a música paraense de mais interessante? O que você mais gosta pessoalmente nela?
Uma série de fatores favoreceu a música paraense, entre eles, as leis de incentivo estadual e municipal, palcos de diversos festivais de música produzidos aqui e pelo Brasil onde esses artistas puderam expandir seus públicos, a autopropaganda na internet e suas redes sociais, etc. Mas acho que essa é uma construção de muitos anos, e fazem parte dela, artistas que mesmo não inseridos diretamente neste momento, ajudaram para que isso seja possível agora. Artistas como Pinduca, Fafá de Belém, Nilson Chaves, Banda Calypso, e muitos compositores de Brega dos anos 1980 e 90, que a muito custo e sem esses fatores acima citados conseguiram levar para o Brasil um pouco da diversidade da música paraense. O que tem de mais interessante na música produzida aqui é a diversidade. Diversidade de influências, de sonoridades, de ritmos. Somos influenciados pela música do Caribe, que desde os anos 50 chegava por aqui pelas ondas do rádio, como o merengue, o calypso, o zouk, pela música africana dos quilombolas como o lundu e o carimbo, pela música indígena, e mais recentemente a música eletrônica. O que mais gosto na música produzida no Pará é a possibilidade de subverter os conceitos e poder fazer música com liberdade. É possível misturar música clássica com carimbó, ou rock com brega, merengue com jazz, e tudo bem, a música feita aqui tem uma identidade única. 


lia e a conterrânea gaby amarantos

E como você vê essa geração que você faz parte e que tem tanto o pessoal que pode ser rotulado como MPB (você, Luê, Felipe Cordeiro, etc.), gente que veio das aparelhagens (Gaby Amarantos, Gang do Eletro) e gente da velha guarda (carimbó, guitarrada, Dona Onete)?
É difícil rotular a música produzida no Pará. É possível perceber um pouco da música de cada um misturada a música do outro, mesmo assim são trabalhos muito diferentes. O carimbó que eu faço é diferente do carimbó que a Dona Onete faz, assim como o tecnobrega da Gaby é diferente do que faz a Gang. 

Emplacar música em trilha sonora de novela da Globo muda a vida do artista? Como foi essa experiência?
Muda um pouco sim. É claro que toda a visibilidade que a novela traz dá muitas possibilidades para o artista divulgar o seu trabalho ainda melhor. Mas é claro que isso depende muita coisa. Se a música foi bem tocada na novela, se o artista está preparado, bem assessorado para aproveitar esse momento, se tem um trabalho sólido para mostrar a partir daí, se esse artista tem um público que mantenha os seus shows e a sua agenda, enfim, a novela é apenas mais um passo na carreira de qualquer artista. Para mim foi uma surpresa muito feliz ter uma música em uma novela. Segundo o diretor, minha música foi descoberta em uma rede social na internet, através da produção que fazia pesquisas para compor a trilha musical. Eu havia gravado a música “Ai, Menina” em um disco promocional que enviei para várias rádios públicas, jornalistas, produtores, festivais, além de colocar para download na internet. Acabei colhendo frutos incríveis! A música foi parar na novela e eu, em uma cena da novela cantando o carimbó que virou hit. A música está sendo tocando em diversas rádios do país, cantada pela Timbalada, Preta Gil, Gaby Amarantos, foi a música mais executada na quadra junina no Pará, enfim, uma benção pra mim. A propósito, tenho feito isso há anos. Envio pelos Correios os meus discos para um mailing de contatos que consegui juntar em todos esses anos de carreira, que vão desde jornalistas, produtores, revistas, rádios. Já cheguei a gastar quase 3 mil reais com postagem de correios de uma só vez, acreditando que essa semente frutificaria. E frutificou! Meus discos tocam em lugares pra onde nunca fui. Ainda. 



Como estão os preparativos de próximo disco solo? Quais as novidades e diferenças deste trabalho para os anteriores?
Esse será o quarto álbum, e está sendo produzido por Félix Robatto e co-produzido por mim. Deverá ser lançado até abril deste ano. Já estamos no processo final das gravações e depois partiremos para a mixagem e finalização. Esse disco vem com uma linguagem contemporânea que traz as raízes da música paraense em muitas de suas vertentes. A ideia é mostrar toda a latinidade amazônica de maneira moderna misturando várias influências rítmicas do carimbó, da guitarrada, do zouk, o marabaixo com pitadas de elementos eletrônicos. O álbum traz uma brasilidade própria da região norte e nova para o Brasil. O repertório é composto em 70% de composições minhas em parceria com outros artistas, mas terá também regravações nacionais e locais. O disco tá ficando com um cheiro de floresta e com a luminosidade da cidade.

p.s.: depois vi que lia reviveu seus tempos de barzinho em sua participação no programa som brasil (tv globo). o repertório? "a lua e eu" (cassiano), "noite do prazer" (brylho, com participação de cláudio zolli) e "bye bye tristeza" (sandra de sá).

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

tudo é viagem

comecei o ano fazendo uns trabalhos bacanas pra revista da gol. agora na edição de fevereiro saíram dois, este sobre lançamentos da série cidades ilustradas (casa 21) - a conversa com os irmãos fábio moon e gabriel bá foi por email e com o lourenço mutarelli por telefone - e uma entrevista com a cantora paraense lia sophia que já coloco aqui. e tem mais coisa pela frente. ah, e como sempre, a versão aqui é ligeiramente maior do que a editada.


autoretratos


DE FORA PRA DENTRO

Série 'Cidades Ilustradas' lança álbuns nos quais os ilustradores Lourenço Mutarelli e os irmãos Fábio Moon e Gabriel Bá viram e descobriram nas cidades de Manaus e São Luís, respectivamente

Quem viaja, sabe. Muitas vezes um olhar estrangeiro, de fora, revela mais sobre uma cidade do que os que nasceram nela podem imaginar. Pensando nisto, e tendo como referência os cadernos de viagens que europeus fizeram nos tempos do Brasil Colônia e Império, a editora Casa 21 deu início, em 2001, a série Cidades Ilustradas. O primeiro álbum trouxe o Rio de Janeiro segundo o traço e o bom humor do francês Jano e acabou resultando ainda em um premiado documentário (Rio de Jano).

“A escolha de Jano deveu-se ao fato dele ser um artista viajante - esteve na África e Índia onde produziu dois lindos álbuns. (...) Em geral, escolhemos um autor com perfil de artista viajante, avaliamos o seu traço e tentamos uma aproximação com uma determinada cidade”, explicou Roberto Ribeiro, diretor e editor da Casa 21.

De lá para cá outras cidades brasileiras foram esquadrinhadas pela série: São Paulo pelo inglês David Lloyd, Belo Horizonte pelo espanhol Miguelanxo Prado, Brasília pelo gaúcho Edgar Vasques, Curitiba pelo carioca César Lobo, Florianópolis pelo gaúcho Guazzelli, Belém pelo francês Jean-Claude Denis, Porto Alegre pelo argentino Carlos Nine, Salvador pelo fluminense Marcelo Quintanilha, Niterói pelo gaúcho Joaquim Fonseca e as Cidades do Ouro por Lelis, que também é mineiro, mas de Montes Claros.

As viagens da vez ficaram por conta dos paulistanos Fábio Moon e Gabriel Bá, que foram para São Luís, e Lourenço Mutarelli, que esteve em Manaus. “Estamos pensando realizar em 2013 um livro sobre Recife. Ainda não escolhemos o autor, mas seguramente não será brasileiro”, conclui Ribeiro.



SÃO LUÍS POR FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ

“A gente não conhecia praticamente nada.  Sabia que era a capital do Maranhão, terra do Sarney, e conhecia o trabalho do Zeca Baleiro e do Ferreira Gullar, mas não sabia que eles eram de São Luís. Nos nove dias que passamos lá, além de passear por lugares de interesse histórico, participamos um pouco da vida cultural da cidade, encontrando pessoas em bares, restaurantes, descobrindo o que o povo gosta de fazer à noite para relaxar e se divertir. Uma coisa que nos surpreendeu foi o calor. Acho que essa temperatura influencia o ritmo da vida do povo, sempre procurando sombra, mais lentos durante o dia, mais agitados à noite.

Numa caminhada pelo centro histórico você passa por edifícios, fontes e praças que preservam séculos de história nas fachadas, e encontra os mais diversos museus, de arte, de história e folclore, de cultura negra, onde a história é preservada e difundida. Ah, e quem puder visitar a cidade durante a festa do Bumba meu Boi [junho e julho] não se arrependerá. Vimos os ensaios finais e já achamos o máximo. 

São Luís é uma bela, rica em história e tradições, embora um pouco maltratada, precisando de um pouco mais de atenção na conservação do seu patrimônio. É também quente, cheia de um povo curioso, interessado, falante.”



MANAUS POR LOURENÇO MUTARELLI

“Estive em Manaus em 1999 para fazer uma palestra em um evento de quadrinhos. Adorei a cidade e, principalmente, as pessoas. Passei uns 5 ou 7 dias, não lembro direito. Foi uma experiência incrível. Mas tenho a pele muito clara, não aguento calor e umidade. Quando o pessoal da Casa 21 me chamou para fazer esse livro sobre Manaus minha única condição foi de não voltar lá. Fiz remotamente com ajuda das minhas memórias, de algumas fotos que tirei e de outras de um profissional. Sei que é horrível falar isso, mas não tinha condições mesmo.

Mas nessa vez que fui andei bastante na cidade e encontrei pessoas muito interessantes, gente que tenho contato até hoje, e são pessoas que fazem uma cidade, né? Comi pratos típicos e conheci pontos turísticos como o porto, o mercado e o Teatro Amazonas, que é muito mais bonito ao vivo que nas fotos. Aliás, a cidade toda é mais bonita que eu imaginava e tem um lado urbano muito forte que as pessoas de fora não fazem ideia. Teve uma noite que assisti ao show de uma banda cover do Velvet Underground. Só não pude ir pra floresta porque o convite chegou em cima da hora e não deu tempo de tomar as vacinas.”

p.s.: e aqui como ficou na página.


terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

esforçado 4 anos

foi agora, dia 7 de fevereiro, que o esforçado completou 4 anos de existência. não lembrei no dia, cabeça a mil, mas sabia que dessa vez precisava comemorar de alguma forma. já tinha rolado um aquecimento, digamos assim, com o surgimento do projeto “você praça acho graça”, mas me deu vontade de fazer umas coletâneas pra download. e qual seria o recorte? já tinha feito de reggae e música brasileira, então sobrou pra paixão mais recente, a latina. chegou então a vez de reunir sons da colômbia, peru, panamá, porto rico, caribenhas e globais, coisas belas de ontem e hoje, balanço negro e mestiço da pesada. acabei fechando em 3 coletâneas, com 13 faixas cada. sabe aquela coisa de “o gerente ficou louco! a gente faz aniversário e quem ganha o presente é você”? então, é exatamente o caso. a primeira das selectas é toda de instrumentais e devo confessar que é a minha preferida tanto por causa da versão absolutamente sensacional de “90 percent of me is you” feita em 1975 pelo amral's trinidad cavaliers, grupo de trinidad tobago, quanto pela doçura de “una tarde en mariquita”, canção que grudou lindamente em mim no ano passado e que é um dos pontos altos do encontro dos ingleses quantic e alice russell com os colombianos do combo bárbaro. mas claro que tem mais. lembrando que basta clicar nas imagens pra baixar.


esforzado #01

amral's trinidad cavaliers – “90 percent of me is you” (trinidad tobago)
los beltons – “cumbia pop” (peru)
los miticos del ritmo – “willy’s merengue” (colômbia e inglaterra)
rosendo martinez y su orquesta – “el alegron” (colômbia)
lucho bermudez y su orquesta – “fiesta de negritos” (colômbia)
los superiores – “descarga superior” (panamá)
los mirlos – “sonido amazonico” (peru)
los destellos – “constelación” (peru)
los wemblers de iquitos – “lamento del yacuruna” (peru)
jesus acosta & the professionals – “guajida” (belize)
los silvertones – “carmen” (panamá)
quantic, combo bárbaro & alice russell – “una tarde en mariquita” (colômbia e inglaterra)
original tropicana steel band – “ain't no sunshine” (trinidad tobago)

...

a segunda coletânea é uma mistura de colômbia com porto rico, países com tradições musicais riquíssimas. a colômbia então...  é de lá que surgem coisas maravilhosas como a cumbia moderna de soledad (que em “shacalao” estabelece uma ponte entre o país e a áfrica via fela kuti), jesus torres y sus provincianos e o sexteto manaure. de porto rico vem surpresas como o incansável e versátil cortijo e bobby valentine, este já criado no harlem espânico em nova york.


esforzado #02

cumbia moderna de soledad – “shacalao” (colômbia)
los salvajes – “amor salvaje” (colômbia)
cortijo y su combo – “déjalo que suba” (porto rico)
luis kalaff y sus alegres dominicanos – “agarralo que eso es tuyo” (porto rico)
cortijo y su combo & ismael rivera – “el bombón de elen” (porto rico)
jesus torres y sus provincianos – “de mala y de buena” (colômbia)
angel luis torruellas y su conjunto pleneros de borinquen – “camélia” (porto rico)
monse garcía y su conjunto – “el gallo espuelérico” (porto rico)
abelardo carbono – “quiero mi gente” (colômbia)
canario y su grupo & raful – “cortaron a elena” (porto rico)
sexteto manaure – “bajo el trupillo guajiro” (colômbia)
bobby valentin – “funky big feet” (porto rico e spanish harlem)
afrosound – “el eco y el carretero” (colômbia)

...

a terceira e última coletênea deste aniversário do esforçado é uma mistura e tanto. tem sons setentistas de cuba, panamá e república dominicana, e também músicas de grupos atuais que prestam homenagem e recriam a tradição caribenha do sacolejo, entre eles os colombianos do frente cumbiero e os transnacionais bronx river parkway, los po-boy citos, chicha libre, ska cubano e ondatrópica.


esforzado #03

los invasores – “el raton” (panamá)
orquestra riverside – “en casa del trompo no bailes” (cuba)
papi brandão y sus ejecutivos – “decidete mi amor” (panamá)
bobby quesada and his band – “bataola boogaloo” (república dominicana/spanish harlem)
los van van – “y no le conviene” (cuba)
bobby quesada and his band – “ritmo moderno” (república dominicana/spanish harlem)
papi brandão y conjunto aires tablenos – “la murga de panamá” (panamá)
frente cumbiero & mad professor – “la bocachico” (colômbia e guiana)
bronx river parkway – “el resbalón” (nova york)
los po-boy citos – “fried neck bones and some homefries” (nova orleans)
chicha libre – “lupita en la selva y el doctor” (nova york)
ska cubano – “lupita” (londres)
quantic & frente cumbiero's ondatrópica – “suena” (colômbia e inglaterra)

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

yahoo #63

não tinha intenção de falar no yahoo sobre a tragédia de santa maria. não é a minha praia e não é assunto fácil (mesmo com as tvs esfregando histericamente tanta realidade, depoimentos, chutes e opiniões na cara do espectador). mas acompanhando as charges que foram produzidas nos dias seguintes vi que tinha um assunto ali. sobre percepções, humor, síntese, cuidado, crítica e desvios. e não coincidentemente, esse foi o primeiro texto do ultrapop, em quase dois anos, que não teve música acompanhando. e nem gif nonsense aqui.


AS CHARGES E A DOR

A tragédia ocorrida na madrugada do último domingo em Santa Maria, Rio Grande do Sul, é maior do que julga nossa filosofia chué. Não fazemos ideia de seus desdobramentos e do tamanho do vazio nos corações de inúmeras famílias da cidade e região. Mas não quero falar aqui da tragédia em si e de seus responsáveis, muito menos da dor, afinal o companheiro de Yahoo!, Walter Hupsel, já o fez muito bem no texto “Impossível”.

O lance aqui é como um acontecimento dessa magnitude foi retratado pelas charges de jornal, mídia das mais acessíveis e sintéticas dentro da imprensa. Dependendo do assunto a charge pode ser bem humorada ou reflexiva, mas em ambos os casos precisa ser, necessariamente, crítica. Santa Maria é assunto dos mais delicados – mais de 200 pessoas morreram, todos jovens –, portanto aqui o humor não tem lugar.

O primeiro a surgir veio assinado por Carlos Latuff, um reconhecido exemplar de chargista-ativista. Ele não perdeu tempo e foi logo mirando seus traços para o jeito sensacionalista e desumano com que a imprensa televisiva trata a notícia e as pessoas. Na mosca.


Depois apareceu outro colega aqui do Yahoo!, o Alpino, que delicadamente resumiu a dor de todos nessa imagem de um gaúcho em lágrimas. E não precisou dizer, nem mostrar mais nada.


Então veio Chico Caruso no jornal O Globo e logo depois no Blog do Noblat. Que Noblat é um dos colunistas mais irresponsáveis da imprensa brasileira já é sabido, afinal seu blog é quase todo feito com material de outras pessoas e veículos, e geralmente confunde fofoca, ou sonhos pessoais, com notícia. Mas é sujeito fino que gosta de jazz e música clássica, portanto era de se esperar que tivesse sensibilidade. Qual o quê?! Republicou com galhardia essa mancha no currículo do veterano Caruso, uma tentativa rastaquera de associar a presidenta Dilma com a tragédia. O horror, o horror.


Por fim, na Folha de S. Paulo de hoje, Jean Galvão foi o mais feliz de todos. Marcou o Brasil no lugar onde está Santa Maria no mapa do Rio Grande do Sul. Sem texto, sem rostos, só sentimento e solidariedade, material que tem andado em falta nesses tempos cínicos.


Atualização 1: depois que esse texto foi publicado fiquei sabendo no Facebook que o chargista Marco Aurélio, e logo no gaúcho Zero Hora, cometeu uma das leituras mais cretinas do incidente ao colocar os jovens mortos na entrada de uma universidade celestial. Não dá para entender como os editores deixam passar isso (detalhe, poucos dias depois, Marco Aurélio foi afastado do jornal).


atualização 2: dias depois que esse texto foi publicado no yahoo apareceu, no facebook, essa charge do sempre ótimo guazzelli. simples e contundente.


sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

você praça, você prédio

desde que assisti o documentário exit through the gift shop (banksy, 2010) me bateu uma vontade danada de fazer algo na rua. de falar algo pra cidade e pras pessoas. mas como não desenho um boneco palito sequer, o lance tinha que ser em texto mesmo. e nada surgia, nada, até que em algum momento do ano passado, como numa brincadeira, eu e ana lima cecílio criamos a quadrinha "você praça / eu acho graça / você prédio / eu acho um tédio". e a quadrinha ficou lá, maturando na cabeça, esperando o impulso técnico de ação. nessa semana, depois de conversar com o bróder daniel almeida - e cortar os "eu" e o "um" pra deixar mais concisa em um bloco - parti pro ataque e com ajuda de outro bróder, fernando de almeida, levei o pdf pra gráfica (é do fernando o projeto gráfico), comprei quatro latinhas de spray, fita crepe e caí na rua. já fiz em onze lugares e estou postando os registros em um álbum no facebook. só que a euforia-alegria que era só minha, quando fiz o primeiro lá na sede da cia. de foto, viralizou de uma forma surpreendente quando joguei no campinho do zuckerberg. não saberia dizer o porquê disso ter acontecido, mas meu chute é que tem muito carinho, muito amor, e um lirismo direto e com bom humor na quadrinha que acabou pegando as pessoas. já iria disponibilizar o pdf para download aqui no blog pra que outras pessoas pudessem fazer em suas cidades e espalhar essa vontade, esse diálogo possível, mas os milhares de compartilhamentos deram uma urgência pra esse movimento. então, minha gente, pode clicar aí na imagem abaixo e vamos cair pra rua.



de todas as imagens que já postei dessa ação essa foi, de longe, a mais compartilhada. curioso que foi olhando pra esse muro, pra esse terreno que já já se transformará num prédio gigante entre as ruas simão alvares e mourato coelho, em são paulo, que a quadrinha nasceu. 

p.s.: o pdf traz a quadrinha em tamanho A2, mas acabei imprimindo em duas folhas A3 de gramatura 240. 

atualização: enquanto estava lá na cia de foto cortando as letras da quadrinha-stencil conheci um amigo do pio figueiroa, o igualmente pernambucano pedro fonseca. enquanto eu pelejava pra estrear nessas de intervenção urbana e tals ele foi filmando com iphone e fez esse vídeo. achei tão bacana (de bem feito) e tão carinhoso da parte dele que nem fiquei com vergonha da minha pessoa. de resto, também estou marcando os lugares das intervenção lá no google maps e fiz um tumblr para ter todas as fotos fora do facebook. e rolou uma entrevista longa lá no último segundo. ah, e o pessoal da greentee fez uma camiseta.