sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

larica total reloaded

tem várias coisas que me orgulho nesses 20 e poucos anos como jornalista e uma delas é, certamente, ter feito a primeira reportagem pra grande imprensa sobre o mítico Larica Total lá no final de 2008. foi um delírio à primeira vista e rapidamente se tornou obsessão e eu falava igual ao personagem, usava frases, entonações, era uma loucura. e o programa foi crescendo e ganhando mais e mais fãs e isso em tempos de redes sociais engatinhando.

entrevistei Paulo Tiefenthaler, o ator-protagonista da série, sobre a primeira temporada ("Comida Kung Fu") e a segunda ("Xablablau no Tucupi"), ambas pra Revista Monet. então, dez anos após o fim da terceira temporada, eu, Larica Total e Monet voltamos a nos encontrar. é pq agora em meados de fevereiro irá ao ar, no Canal Brasil, um episódio inédito feito agora em dezembro junto a um documentário sobre esse reencontro, lembranças do início do programa e das três temporadas. então entrevistei, via zoom, Tiefenthaler, Caíto Mainier e Leandro Ramos. o resultado tá aqui.

Paulo de Oliveira ilustrado por Ronaldo Barata

RETROGOSTO DE QUERO MAIS

O acaso, às vezes, é acrobático. O “autor” desta frase, Paulo de Oliveira, jamais poderia imaginar como as piruetas e cambalhotas do destino o fariam se tornar um dos personagens mais queridos e influentes na recente história do audiovisual brasileiro. Paulo é o cara e a cara do Larica Total, programa que estreou no Canal Brasil em outubro de 2008 e que durante três temporadas e 74 episódios mudou o jeito de fazer comédia e comida na TV. Nunca foi comida de qualquer jeito, foi sempre comida a qualquer custo, feita de verdade, possível. 

Paulo também é, acima de tudo, o ator Paulo Tiefenthaler que, após dez anos do fim da terceira temporada em 2012, voltou a se encontrar com os parceiros-roteiristas-diretores Caíto Mainier, Leandro Ramos e Felipe Abrahão. O motivo é um especial de uma hora com episódio inédito e atual e um documentário dirigido por Pedro Asberg com lembranças, imagens do reencontro, e todo o processo de produção de um programa, desde o roteiro até a gravação (Vai Dar Certo - Larica Total 10 Anos Depois será exibido no Canal Brasil dia 19 de fevereiro, às 21h). 

O Larica Total abriu muitas portas e janelas para Tiefenthaler e nesses dez anos trabalhou bastante e fez de um tudo, desde séries como Amor Veríssimo, Coisa Mais Linda e Nada Suspeitos até filmes como A Noite da Virada, O Roubo da Taça e A Mulher do Meu Marido. Com o parceirão Canal Brasil idealizou as selfies-pensatas TiefenTalks e, mais recentemente, dirigiu e atuou na série Perdido. Criou até dois espetáculos gastronômicos-teatrais (Larica Live Concert e Fome, o Musical - Do Broto ao Bacon, Everybody Rocks). 

Tiefenthaler diretamente de Teresópolis

“Mas estava precisando dar uma retomada na energia solar do personagem. Só que tinha dúvida se conseguiria fazer esse personagem com essa alegria toda dez anos depois. Agora tenho 53 anos, sou um tiozão cinquentão de barba branca e mais careca”, disse Tiefenthaler diretamente de um sítio da família em Teresópolis onde se refugiou desde o início da pandemia em 2020. Foi lá que nasceu a ideia da volta do Larica Total. “Depois encontrei com Caíto e Felipe no Rio e falei... e se o Paulo voltasse nessa época maluca de pandemia e fascismo, e desse um alô, viesse com uma mensagem, e depois sumisse de novo?”. Todos gostaram, todos queriam trabalhar juntos novamente.

“A ideia de voltar sempre foi muito recorrente. Muita gente pedia. Tem os saudosistas, tem o pessoal que descobre o Larica porque é fã do Choque de Cultura que eu e o Leandro fazemos. Então a gente pensava, mas era mais uma coisa de desejo pessoal porque a gente logo lembrava o trabalho que dava com tão pouco dinheiro. Dessa vez tinha uma energia diferente. E todo mundo achou legal fazer o programa hoje, com o Paulo hoje, todo mundo hoje. E que seria legal documentar isso também”, afirmou Caito Mainier, que segue roteirista (Irmão do Jorel, Lady Night, etc), diretor (Décimo Andar), mas que também foi pra frente das câmeras (Falha de Cobertura, o já citado Choque e Os Salafrários).

Caíto Mainier diretamente do Rio de Janeiro

“A gente se colocou na mesma situação porque era interessante tentar refazer como era, e com a mesma equipe. Por outro lado, esse documentário foi como abrir uma caixa preta. Muita gente achava que era o Paulo que fazia tudo sozinho, improvisando. Então essa coisa do processo de fazer, de estar concentrado naquilo, a gente guardava muito pra gente mesmo. Agora, com esse documentário, a gente perdeu o medo de mostrar essa intimidade. A gente viu que rola, que tem um grau de concentração que é nosso. Isso foi libertador”, completou Leandro Ramos que, ultimamente, tem trabalhado mais como ator (nas séries Ninguém Tá Olhando e O Mecanismo e em filmes como Cabras da Peste, Papai é Pop e Juntos e Enrolados, além de uma participação na novela A Dona do Pedaço como Julinho da Van, seu personagem no Choque de Cultura). 

Leandro Ramos diretamente de São Paulo

Mas e aí? Foi tranquilo recuperar o fio da meada ou teve que pegar no tranco? “Ah, foi fácil retomar a energia com todo mundo de volta e naquela cozinha. A cozinha é como se fosse um figurino pro personagem. Mas eu estava muito ansioso, fiquei uns três dias sem dormir”, confessou Tiefenthaler. “Quando a gente chegou no apartamento não parecia que tinham se passado dez anos. Parecia que foram uns seis meses. O cara que mora agora lá não reformou nada e a cozinha estava mais velha”, e gargalhou ao relembrar os dois dias de gravação que aconteceram em meados de dezembro.

Mainier e Ramos também tiveram a mesma sensação. “A gente passou tanto tempo lá, pensando, criando, gravando, vivendo. Foram cinco anos fazendo aquilo, então era tudo muito familiar”, pontuou Mainier. “É que a nossa intimidade permanece a mesma, a gente se encontra, se fala e ocasionalmente trabalhamos juntos. Não teve aquele impacto de ficar dez anos sem ver as pessoas e se reencontrar”, disse Ramos. 

Tudo certo e azeitado no set de gravação, mas qual foi a receita escolhida para celebrar tão aguardado reencontro? Um cozido. “O cozido é uma receita que agrega muitos ingredientes, muitos legumes, e é uma coisa quentinha, gostosa, que reúne pessoas”, lembra Tiefenthaler sobre o prato que fizeram na mesma cozinha de uma década atrás. Mainier assina embaixo e complementa que “é uma receita fácil e dá essa ideia de aglomeração, de combinação de cores, sabores. Fazer esse episódio novo também tem isso da volta, das pessoas voltando a se encontrar. Voltar foi o tema que a gente usou e que permeia o episódio. Mas não significa a volta do Larica, significa apenas a volta do personagem naquele dia”.

Sim, todos deixam bem claro que não existem planos para novas temporadas do Larica Total. Não por vontades próprias. “Acho que no nosso atual universo audiovisual, a gente poderia voltar a fazer o Larica tranquilamente por mais uma, duas, três temporadas. Sem medo, sendo legal. Não seria uma novidade, mas também não precisa”, sentencia Mainier. Então faz uma pausa. “O que não dá mais, e nisso todo mundo concorda, é fazer naquele esquema de guerrilha. A gente não tem mais saúde. Precisa ter uma equipe maior, uma parada com estrutura, um investimento maior”.

Ramos acrescenta, na sinceridade, que “o programa acabou porque a gente não aguentava mais. Era muito exaustivo. Equipe reduzida, todo mundo fazia tudo. Era uma delícia, foi um grande aprendizado, mas daquele jeito a gente não consegue mais. A gente era jovem. Na guerrilha não dá mais”.

E Tiefenthaler adiciona uma dose de experiência pessoal nesse caldo de cansaços que encerrou o programa em 2012. “No começo era divertido gravar na própria casa, mas depois de um tempo foi ficando estressante. A equipe ia embora e eu continuava lá, naquele ambiente, e era um pouco confuso. Me desgastou muito”. Mainier reaparece e reduz o fogo. “Ganhamos APCA, o Prêmio da Revista Monet, tivemos liberdade pra criar, então todo mundo também estava com a sensação de dever cumprido depois de 5 anos intensos. Quando acabou a gente até tirou um pouco férias da gente mesmo”. Bola do jogo, sal na comida, vida que segue, normal.

“O Larica foi interrompido no auge. Um tanto por isso virou cult. E fomos influência pr’um monte de canais no YouTube, essa coisa de culinárias populares, improviso e humor”, diz um orgulhoso Tiefenthaler. O programa saiu do ar deixando os fãs com água na boca por mais receitas como Yakisobra, Sushi de Feijoada, Estragadinho e Churros de Aipim, o que pode muito bem ser reativado por esse tão aguardado reencontro. Vai saber o que ainda pode sair daquela cozinha?

Da ideia original de Terêncio Porto e Adriana Nolasco para um curta lá em 2006, ampliada pelo mítico Frango Total Flex feito no primeiro episódio, Paulo de Oliveira continuou sendo, nas palavras de Ramos, “o cara que cozinha com o que tem em casa, faz com o conhecimento que tem. Ele faz o que é possível, como nós”. E isso é humor que não acaba mais.

seguem abaixo TODOS os episódios das três temporadas de Larica Total

 

MELHORES EPISÓDIOS

Primeira Temporada (2008-09)

- 'Frango Total Flex': o piloto, a origem de tudo, um frango estragado, o erro como personalidade e recurso narrativo, frases lendárias como “Tá com medo do arroz?” e “Não tenho cara de que vou te ajudar?”; tá tudo ali, naquela cozinha

- 'Tenha sempre uma glicose em casa': roteiro espertíssimo costurando manhã de preparação da larica com muito leite condensado e chocolate, noite de festa de casamento e madrugada de volta pra casa bêbado feito um gambá, com direito a um final lindo e melancólico ao som de Bob Marley (“Chances Are”)

Segunda Temporada (2009-10)

- 'Peladona do primeiro andar': o programa teve várias participações especiais, mas a da atriz Karine Carvalho como uma vizinha divertida e naturalmente sedutora, o que gera uma baita química com Tiefenthaler, é uma das melhores e a receita é uma pão caseiro todo multigrãos

- 'Nos litorais do Carnaval me vi peixe ensaboado na Curva do Batman': um dos episódios mais delirantes que tem início com "Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua" do Sérgio Sampaio e Paulo fantasiado de Batman minimalista, um peixe destruído por uma faca sem corte e uma piada maravilhosa com "Eyes Without a Face" de Billy Idol

Terceira Temporada (2011-12)

- 'Em Busca do Camarão Perfeito': o clima do episódio é uma paródia de Apocalypse Now e Paulo vai rio abaixo em busca do misterioso Baba Guru, um rasta criador de camarões; tudo em nome de um bobó pra entrar pra história

- 'Self-Ceviche Milenar': episódio em dois tempos, sendo que em um Paulo faz bico de guia turístico meio charlatão, e n’outro está em casa fazendo um ceviche e disparando frases como a lendária “Pintou tubarão? Vai no crawl”; participações especiais de Caito Mainier e Leandro Ramos