segunda-feira, 5 de junho de 2023

drauzio varella, o site

em março apareceu na minha vida de frila o site do portal drauzio varella, uma nova seara para reportagens, entrevistas e quetais. tudo gira em torno de saúde, obviamente, mas com uma pegada mais humanizada que amei, tudo a ver. vou colocando aqui os links pras matérias conforme elas forem sendo publicadas.

1. "Uma segunda vida, com velocidade" (abril 2023) - perfil de Liége Gautério, atleta que foi a primeira brasileira a ganhar medalhas nos Jogos Mundiais para Transplantados

2. "Do Carandiru ao CPD - Como Drauzio Varella começou seus atendimentos nas cadeias" (maio 2023) - reportagem-entrevista com Drauzio Varella, que narra sua jornada de atendimento médico em cadeias paulistas

Foto - Dafne Sampaio

3. "Câncer nas favelas - 7 em cada 10 moradores não encontram médicos para consultas" (maio 2023)

4. "Como a tecnologia está mudando a implantação de próteses" (agosto 2023)

5. "Como se recuperar após um burnout?" (outubro 2023)

6. "A andropausa é a 'menopausa' dos homens?" (novembro 2023)

7. "Como o exoesqueleto está sendo usado para reabilitação de pacientes" (dezembro 2023)

8. "Principais tipos de interação medicamentosa" (janeiro 2024)

9. "Você conhece do Guia Alimentar para a População Brasileira?" (abril 2024)

a voz que nunca seca

mais um frila pra querida Revista Monet. era pra ter saído em março, acho, mas a estreia do documentário Maria - Ninguém Sabe Quem Sou Eu acabou sendo adiada para este maio que passou. tem um tanto de biografia e, acima de tudo, uma conversa com o diretor do longa, o jornalista Carlos Jardim, sobre sua ídola maior. mas o melhor é que o assunto é Bethânia, essa potência.

A VOZ QUE NUNCA SECA

Estreia no Canal Brasil Maria – Ninguém Sabe Quem Sou Eu, documentário de Carlos Jardim que traz Maria Bethânia contando e cantando sua própria história

Caetano não tinha 4 anos de idade quando nasceu, em 1946, sua irmã mais nova – ele foi o quinto filho da família formada por Seu Zezinho e Dona Canô, ela a sexta. Numa casa cravada no Recôncavo Baiano com música por todos os cantos, tanto tocada quanto ouvida, tanto cantada quanto dançada, o menino andava fascinado por uma valsa composta por Capiba. “Em sonhos te vejo, Maria Bethânia, és tudo que eu tenho”, cantava a plenos pulmões Nelson Gonçalves. Caetano não teve dúvida, esse tinha que ser o nome de sua irmã, pois era forte, dramático e, acima de tudo, musical. E assim foi batizada Maria Bethânia Viana Teles Veloso.

Prestes a completar 77 anos de vida, e 60 de carreira, Maria Bethânia nunca foi muito de exibir sua intimidade, mas resolveu abrir exceção para Carlos Jardim, jornalista, chefe de redação da GloboNews, e muito fã desde a adolescência. Ele é o diretor do documentário Maria - Ninguém Sabe Quem Sou Eu, uma das estreias do mês no Canal Brasil. “Vi o primeiro show de Bethânia quando tinha 17 anos de idade e fui atravessado por um raio de impacto e emoção que me acompanha até hoje. Quando me formei como jornalista e virei repórter, comecei a fazer entrevistas com ela. Depois, como editor, fiz muitas reportagens especiais. Chegar perto de uma artista íntegra e dedicada como Bethânia é um privilégio. Mas como fã desesperado que sou, tenho até hoje dificuldade com essa proximidade. Sempre fico muito nervoso”, diverte-se.

Foi a objetividade do ofício jornalístico que lhe deu coragem para falar com Bethânia repetidas vezes e a partir desses encontros começou a germinar a ideia de um filme sobre ela. “Fui me aproximando de Bethânia aos poucos, fazendo trabalhos para a televisão, como um programa especial para a GloboNews quando ela fez 70 anos de idade. Convidei a Fernanda Montenegro, outra grande dama das nossas artes, para narrar meu texto e quase desmaiei quando ela aceitou. Acho que fui ganhando a confiança da Bethânia a tal ponto que ela não fez nenhuma exigência sobre o filme. Na verdade, ela nem pediu pra ver e aprovar o filme antes, para surpresa de muita gente, minha inclusive. Foi uma prova de confiança que me deixou muito orgulhoso e feliz”.

Mas é que Jardim não queria fazer um documentário tradicional ou meramente laudatório sobre sua “ídola”. Não queria que falassem sobre a importância dela pela enésima vez ou que ela foi a primeira mulher a vender mais de 1 milhão de discos no Brasil, etc e tal. A voz que a muitas décadas encanta e fascina o Brasil precisava ser a protagonista da própria história. “Existem filmes lindos sobre a cantora, mas sentia falta de ver Bethânia falando mais. Como nestes filmes já havia belíssimos depoimentos sobre a artista, tive a ideia de fazer um filme em que só Bethânia falasse sobre ela mesma. Pesquisei imagens raras nos acervos da TV Globo e da TV Bahia, afiliada da Globo, e fiz um roteiro com perguntas que ‘conversavam’ com essas imagens. Também fiz questão de usar alguns depoimentos antigos da cantora, alguns dos anos 1980, pra mostrar que ela tem uma coerência incrível, se mantém fiel a si mesma ao longo de todos esses anos de carreira. Também selecionei cinco textos que falam da magnitude da artista e convidei novamente a querida Fernanda Montenegro para narrá-los”.

Realmente, só mesmo a voz inconfundível de Fernanda Montenegro poderia estar à altura de uma artista que traçou seu próprio caminho, independente de modismos, desde sua estreia nos palcos em 1963 cantando “Na cadência do samba” de Ataulfo Alves (a convite do irmão Caetano, quando todos ainda moravam em Salvador). “Muita gente comentou comigo que nunca tinha visto Bethânia assim, tão aberta e tão próxima. Essa ideia de proximidade vem de uma decisão que tomei na montagem: toda vez que ela fala algo mais íntimo, mais pessoal, vou para um super close. Dá pra gente ver bem o brilho no olhar e a assertividade dela. Ela é uma artista única no cenário cultural brasileiro, um farol de sensatez e dignidade”.

Só mesmo o farol Bethânia teria coragem de largar o promissor nicho das músicas de protesto após o sucesso de “Carcará” em 1965, logo após o golpe militar, para cantar sambas de Noel Rosa ou fazer um disco ao lado do igualmente iniciante Edu Lobo. Só ela mesmo para cantar Roberto Carlos quando o público elitizado da mpb torcia o nariz para o “Rei”. Só Bethânia para costurar em sua voz pontos de candomblé, Chitãozinho & Xororó, Fernando Pessoa, Castro Alves, Zezé di Camargo & Luciano, Vinicius de Moraes, Batatinha, Zeca Pagodinho, Paulo Vanzolini, Jards Macalé, Gonzaguinha, Chico Buarque, a escola de samba Mangueira e assim por diante.

“O que mais me marcou foi a abertura dela pra falar sobre tudo. Durante o filme você percebe que ela não chegou com respostas prontas, ela está elaborando os pensamentos enquanto fala. Fiz questão de respeitar os silêncios e as pausas dela, bem como os ruídos dos anéis, porque tudo em Bethânia reverte a favor da cena”, refletiu Jardim sobre a experiência de filmá-la no teatro do Hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. Um tanto dos bastidores dessa gravação, além de muitas outras histórias do fã Carlos Jardim, estão no livro Ninguém Sabe Quem Sou Eu (A Bethânia Agora Sabe!).

Mas o documentário Maria - Ninguém Sabe Quem Sou Eu é um marco para Jardim tanto por ser sua estreia na direção quanto por lhe mostrar uma Bethânia que nem mesmo ele, um fã de longa quilometragem, suspeitava conhecer. “Tive algumas surpresas durante esse depoimento dela para o filme. Tem revelações sobre a época da ditadura, um documento mostrando que ela foi fichada no SNI, sem falar na prisão e a exigência de que ela se apresentasse uma vez por semana no DOPS, durante um ano. Mas o que nunca vou esquecer mesmo é a generosidade e o carinho dela comigo. Quando acabamos de gravar o depoimento ela se virou pra mim e perguntou: ‘ficou bom? Ficou do jeito que você queria?’ Já era muito fã, fiquei mais ainda”.