quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

bauru, mico leão de cara dourada & diabética

está na edição de janeiro da revista piauí minha sexta contribuição pra seção 'esquinas'. é sobre o tratamento de um mico leão diabético no zoológico de são paulo. essa pauta surgiu de uma conversa com uma amiga querida, bia abramo, que ficou sabendo de uma farmácia de manipulação na rua líbero badaró, centro da cidade, que fornecia medicamentos pro zoo. dores crônicas, antidepressivos, reposições de cálcio, problemas tão humanos, tão animais.

em tempo, minha colaboração com a revista começou com um jogo de futebol americano em são bernardo do campo ['touchdowns no abc'], depois veio um cemitério de animais em itapevi ['o paraíso é aqui do lado'], uma festa cigana na extrema zona leste de são paulo ['e o lenço levou'], um bingo erótico em santos ['um 69 e eu levo a pintola!', este acabou não sendo publicado] e uma flanelinha cinéfila ['a rosa púrpura da fradique'].

segue então uma versão maior do texto, pré-edição do bernardo esteves.

METFORMINA OU MORTE

A luta de um mico-leão diabético por sua independência metabólica


ilustração de Andrés Sandoval

Bauru estava diferente. Parecia eletricamente irritado com qualquer coisa, mas, sobretudo, com quem ousava se aproximar de sua comida. Chegou a brigar, sair na mão de verdade. E sempre com muita fome, muita mesmo, mais que o normal. Muita sede também e, por consequência, uma quantidade assombrosa de xixi. Bauru não era assim.

Então alguns pelos começaram a cair e com a pele mais exposta surgiram feridas que, por sua vez, demoravam a cicatrizar. Definitivamente era muita coisa estranha acontecendo ao mesmo tempo e, em fevereiro de 2016, Bauru deu entrada na creche do Zoológico de São Paulo, lugar que serve tanto para cuidar de filhotes abandonados pelas mães quanto para tratar de algumas enfermidades em espécies menores, como é o caso de Bauru, um dos 51 micos-leões-de-cara-dourada da instituição. 

“Logo depois que ele chegou aqui conseguimos rapidamente diagnosticar a diabetes pela dosagem da glicose sanguínea e também pelos sinais clínicos, porque ele estava com polidipsia [bebendo muita água], polifagia [comendo muito e vorazmente] e poliuria [muito xixi]”, explicou Suzana Hirata, veterinária que tem acompanhado o animal, enquanto caminha pelo corredor do seu principal local de trabalho. A edificação térrea fica entre a creche e a diretoria da Fundação que administra a vida de pouco mais de 3000 animais [eram 400 quando o zoo foi inaugurado em 1958, ao redor das nascentes do Riacho do Ipiranga, pelo então governador Jânio Quadros]. 

É nesse lugar cercado pela Mata Atlântica que cobre os 824.529 m² do zoológico – e que tem centro cirúrgico, sala de incubação para ovos de aves e répteis e almoxarifado, entre outros – que a veterinária e seus colegas preparam os remédios que serão administrados pelos tratadores nas mais diversas formas para as mais diversas espécies. Todo santo dia, várias vezes ao dia.



Agora é a vez de Bauru. Hirata pega um pouco de ração, mistura com banana amassada, acrescenta 3 gotas de metformina, um antidiabético também usado por humanos, e faz um bolinho. Esse é o tratamento diário para a diabetes do mico prestes a completar 17 anos [2 anos a mais que a média esperada para a espécie]. No entanto, o problema de saúde de Bauru é um pouco mais complexo. 

“A doença base não está diagnosticada ainda e ela é a causadora da diabetes que, no caso, é uma doença secundária. É sempre um desafio fechar diagnósticos em animais selvagens porque a gente não tem parâmetros de laboratório. Não temos referências de normalidades para todas as espécies, então trabalhamos com dosagens por alometria, que são fórmulas baseadas em metabolismos como o do cão, e vamos adequando conforme a espécie”, diz Hirata, enquanto prepara mais um bolinho.

Na parede ao lado é possível ver um painel com a organização de todos os tratamentos, dosagens, horários e seus respectivos “pacientes”. Tem, por exemplo, homeopatia e acupuntura para um urso-pardo idoso que sofre de osteoartrose, e só acupuntura para uma cobra-cipó que está passando por um processo degenerativo ósseo, ou então suplementos alimentares para animais como o leão-marinho e os pelicanos, pois eles comem peixes que chegam congelados ao zoo e que, nesse processo, perdem nutrientes.



Caminhando rumo à creche, já com os bolinhos batizados com metformina em mãos, Hirata fala mais sobre a doença base de Bauru: “A gente acha que pode ser hiperadrenocorticismo porque tem isso da alopecia [queda de pelos] e a diabetes pode ser secundária a ela. Em humanos essa doença está muito associada a tratamentos prolongados com corticoides. Em primatas não humanos não existem trabalhos publicados e, no caso dele, certamente não foi por causa de corticoides. Ainda não sabemos como isso aconteceu com ele. Mudamos dosagens, alteramos dieta, nada de frutas ou legumes, e esperamos ter alguma resposta nos próximos meses”.

Só que Bauru terá que esperar mais um pouco pelo bolinho porque o portão da creche está fechado e Hirata precisa voltar ao escritório para pegar a chave. Enquanto isso, é bom esclarecer para fins biográficos que, segundo sua ficha, Bauru não nasceu em Bauru. Sua procedência é o Centro de Primatologia do Rio de Janeiro, sua data de nascimento é 15 de dezembro de 2000, e o pequeno primata chegou ao micário do Zoológico de São Paulo em 14 de fevereiro de 2008 “para compor o plantel e integrar as ações de conservação da espécie”.

Mesmo com os portões fechados é possível ver, pelo lado de fora, grande parte dos cerca de 70 m² da creche. Habitado majoritariamente por pequenos primatas e aves, o espaço ao ar livre possui uma série de ambientes com casinhas, troncos, cordas, chão de cimento, teto e, quando necessário, aquecimento. Mas cada um no seu gradeado. “O caso do Bauru é difícil, mas ele melhorou com o tratamento para controlar a glicemia. Melhoraram os sinais clínicos e o comportamento. Mas é como acontece com as pessoas, pois melhorar a glicemia não significa, necessariamente, voltar pra normalidade”.



Nem é preciso quatro passos dentro da creche para ouvir – “Esse é o Bauru” – e ver sua cara dourada grudada na grade. Ágil, ansioso e com uma juba vistosa, Bauru parece bem, mas tão logo se vira para voltar à casinha, o dorso se revela ainda sem pelos e com algumas feridas. “O Bauru é um animal idoso, o que dificulta o tratamento e uma eventual cura. Nem tudo se resolve, nem tudo a gente consegue tratar. Nem a medicina humana consegue, né? Às vezes dá uma certa frustração, mas a gente continua mesmo assim. A ideia é que ele se sinta bem, com qualidade de vida, sem dor, sem mal estar”, e Bauru sai da casinha novamente, dessa vez acompanhado por Cláudia.

Parceira de Bauru em seu retiro, Cláudia é fruto do programa de conservação do Zoológico de São Paulo, nasceu na instituição em 21 de janeiro de 2009 e tem uma saúde de ferro. “Estar acompanhado é uma decisão de bem estar. Micos leões são animais gregários, então o ideal é que sempre tenha pelo menos uma companheira ou companheiro”, e Cláudia, a mica, foi a escolhida. 

Enquanto o casal de micos se agita na expectativa por comida, Hirata coloca suas luvas, pega dois bolinhos – o batizado com metformina para um lado, o de Cláudia para o outro –, tira pequenos pedaços e os oferece. “Bauru já era de um grupo de micos que fazem parte do programa de conservação, então já não estava em exposição para o público do zoológico. Pra ele tanto faz estar aqui na creche, ou no micário. Pra gente, o que importa é ele estar bem”.

Bauru é o primeiro a acabar seu bolinho e quando chega a vez de Cláudia dar a última mordiscada, ele pula à frente, pega o pedaço e sai correndo. Hirata, a veterinária, balança a cabeça e diz entredentes, “Ai, Bauru”. 

p.s.: abaixo seguem os discos que fizeram a trilha da produção desse texto.

Brooklyn Raga Massive - Terry Riley in C 
Trent Reznor & Atticus Ross - The Vietnam War [Original Score] 
Sébastien Tellier - A Girl Is a Gun [Music from the Original Series]
Incredible Bongo Band - The Return of the Incredible Bongo Band 
Nicole Willis & UMO Jazz Orchestra - My Name Is Nicole Willis
Ghostpoet - Dark Days and Canapes
Hermeto Pascoal & Big Band - Natureza Universal

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

80 músicas brasileiras de 2017

a lista de discos nacionais já deu a pista de uma boa parte das melhores músicas de 2017 e, como sempre, foi muito difícil escolher apenas uma de discos poderosos como, por exemplo, o da aláfia, alzira e, as bahias e a cozinha mineira, àttøøxxá, baco exu do blues, curumin, don l, flora matos, letrux, momo, nill, oquadro, otto, paulo miklos, rincon sapiência, rodrigo ogi, trupe chá de boldo, vitor ramil e xênia. ou então de discos que ficaram na lista b como os de davi moraes, coletivo rua, johnny hooker, juliana kehl, seu pereira & coletivo 401 e tiê [e acabei escolhendo o belo dueto da cantora com ninguém menos que luan santana].

no entanto um pouco mais de um terço dessa lista de músicas é de singles ou prévias de discos que chegarão em 2018. neste segundo caso aparecem anelis assumpção ["receita rápida" é uma bela raridade pouco (re)gravada do pai itamar], a rapper lay e seu witch trap, o rapper rashid [da sua série em construção] e o lindo encontro familiar ao vivo de zeca, caetano, moreno e tom veloso.

mas são os singles que dominam. do rap vieram parteum e suas rimas e bases sempre instigantes, o emicida com a brasileiríssima "yasuke" [que o paulistano fez pro mais recente desfile de sua marca na são paulo fashion week], mais uma pedrada do grande black alien [que tá numa fase incrível], a inquietude do carioca xamã e as minas ju dorotea [uma das preferidas da casa dessa nova geração] e a sempre divertida karol conká [mais pop e certeira que nunca, tanto que a música ganhou versão jingle].

tem também o encontro inédito e adubado dos pernambucanos do café preto com a cantora céu, uma nova e poderosa do baiana system, uma instrumental envolvente do produtor carioca omulu, mais uma rasteirinha delícia da mc tha [com produção de omulu e king doudou], um pancadão violento do heavy baile com participações de tati quebra barraco e lia clark, pérolas pop do dream team do passinho, de iza, de valesca popozuda, mc beijinho e da banda uó, e a galhofa dos brasilienses do harmonia do sampler ["pau, perereca e cu"].

e vale um bloco inteiro pro funk de são paulo, que anda numa fase ótima e cada vez mais variada. tem hits do verão passado como "deu onda" [mc g15], "olha a explosão" [mc kevinho] e "bum bum tam tam" [mc fioti], o sempre surpreendente mc neguinho do kaxeta ["proliferação dos loucos"], o galã malandro mc livinho ["azul piscina"] e os azarões mc kekel ["quem mandou tu terminar?"], mc nando dk, jerry smith e dj cassula ["troféu do ano"].

anitta e pabblo, pabblo e anitta – claro que estão presentes na lista as duas grandes figuras do pop brasileiro do ano. de um lado, a maranhense pabblo vittar, que emplacou vários hits de seu disco de estreia [vai passar mal] desde os primeiros dias de 2017. nada mais brasileiro que fazer uma grande mistura dos gêneros mais populares do momento, do funk eletrônico ao arrocha, do forró ao brega, do sertanejo ao reggae, do trap a balada, e pabblo faz tudo isso com a desenvoltura de quem não tem medo de nada. pena que não pude colocar aqui a minha preferida – "todo dia", dueto de pabblo com rico dalasam – por motivos de briga por direitos entre dalasam e os produtores do disco, dj gorky e maffalda. na treta, que ainda não se resolveu, a música foi retirada das plataformas de streaming.

vai anitta

do outro lado, a incontornável, meticulosa, global e ultrapop anitta, que teve um ano sensacional com direito a hits no mundo sertanejo ao lado de simone & simaria ["loka"], no mundo televisivo radiofônico com nego do borel e wesley safadão ["você partiu meu coração"] e ainda fechou 2017 com uma feroz volta ao funk em "vai malandra". poderia ter colocado também outras três músicas de sua invasão global - "paradinha", "downtown" e "sua cara" [encontro com pabblo vittar sob a batuta de major lazer] -, mas é preciso colocar limites.

então, sobe o som.


Aláfia - "Liga nas de 100"
Alzira E - "Cheguei"
Anelis Assumpção - "Receita rápida"
Anitta - "Vai malandra" [part. MC Zaac, Maejor, Tropkillaz e DJ Yuri Martins]
As Bahias e a Cozinha Mineira - "Um doido caso"
ÀTTØØXXÁ - "Elas gostam" [part. OZ]
Baco Exu do Blues - "Te amo disgraça" [part. Ellen Andrade]
Baiana System - "Invisível"
Banda Uó - "Sauna"
Bárbara Eugênia & Tatá Aeroplano - "Pro mundo virar shopping"
Black Alien - "Sangue de free"
Boogarins - "Foi mal"
Café Preto & Céu - "Água, fogo, terramar"
Chico Buarque - "As caravanas"
Coletivo Rua - "Grana"[part. Lurdez da Luz]
Coruja BC1 - "NDDN"
Criolo - "Lá vem você"
Curumin - "Boca de groselha"
Davi Moraes - "Guitarra da liberdade"
Diego Moraes - "Muderno"
Djonga - "Corre das notas"
Don L - "Laje das ilusões" [part. Leo Justi]
Dream Team do Passinho - "Oi sumido"
Felipe S - "Santo forte"
Flora Matos - "Perdendo o juízo"
Froid - "Sk8 do Matheus"
Harmonia do Sampler - "Pau, perereca e cu"
Heavy Baile - "Berro" [part. Tati Quebra Barraco e Lia Clark]
Johnny Hooker - "Corpo fechado" [part. Gaby Amarantos]
Ju Dorotea - "Made in periferia"
Juliana Kehl - "Ladainha"
Karol Conká - "Farofei" [part. Boss in Drama]
Lamber Vision - "Casamento grego"
Lay - "Magia negra"
Letrux - "Coisa banho de mar"
Linn da Quebrada - "Pirigoza"
Mallu Magalhães - "Você não presta"
MC Beijinho - "Me libera nega"
MC Fioti - "Bum bum tam tam"
MC G15 - "Deu onda"
MC Kevinho - "Olha a explosão"
MC Livinho - "Azul piscina"
MC Nando DK & Jerry Smith - "Troféu do ano" [part. DJ Cassula]
MC Neguinho do Kaxeta - "Proliferação dos loucos"
MC Tha - "Bonde da pantera" [part. Omulu & King Doudou]
Momo - "Nanã"
Nação Zumbi - "Amor" [part. Ney Matogrosso]
Nego do Borel - "Você partiu meu coração" [part. Anitta e Wesley Safadão]
Nina Becker - "Vôo rasante"
Omulu - "Capiroto"
Onça Combo - "Atento aos corvos"
OQuadro - "Gang"
Otto - "Carinhosa"
Pabblo Vittar - "Corpo sensual" [part. Mateus Carrilho]
Parte Um - "En Garde, MMXVII"
Pato Fu - "I saw you saying"
Paulo Miklos - "Risco azul"
Rashid - "Estereótipo"
Rico Dalasam - "Fogo em mim" [part. Mahal Pita]
Rimas & Melodias - "Elza"
Rincon Sapiência - "Meu bloco"
Rodrigo Campos, Juçara Marçal e Gui Amabis - "Absurdo 8"
Rodrigo Ogi - "Deixe-me"
RZO - "Uma multidão rumo à solidão" [part. Sombra]
Seu Pereira e Coletivo 401 - "Eu não sou boa influência pra você"
Simone & Simaria - "Loka" [part. Anitta]
Thiago Elniño - "Pedagoginga" [part. Sant e KMKZ]
Tiê - "Duvido" [part. Luan Santana]
Trupe Chá de Boldo - "Entre o mangue e o mar"
Tulipa Ruiz - "Game"
Valesca Popozuda - "Pimenta"
Vitor Ramil - "Stradivarius"
Xamã - "Bloody Mary"
Xênia - "Pra que me chamas?"
Zé Ed - "Confesso"
Zeca, Caetano, Moreno e Tom Veloso - "Todo homem"

p.s.: dessa vez o spotify perdeu do youtube e a playlist na plataforma não trouxe 5 das 80 músicas, incluindo ju dorotea ["made in periferia"], mc fioti [inexplicavelmente só tem uma versão remix latinizada do hit "bum bum tam tam"], onça combo ["atento aos corvos"], parte um ["en garde, mmxvii"] e xamã ["bloody mary"].