terça-feira, 5 de outubro de 2021

entre miranda e jangada, o release

quatro anos atrás fiz o release pro disco instrumental santos 3am do duo cæs. trampo massa demais e foi um prazer escreve sobre. daí que o tempo passou e uma pandemia dominou e domina o mundo e nossas vidas. então guilherme barros, uma das metades desse duo paulista, produziu um disco solo interessantíssimo e me chamou pra fazer o release. leia o disco, escute o release, e vice-versa. com vcs, entre miranda e jangada.

ORGANIZANDO SONS NUMA PANDEMIA

Acorda, toma café, trabalha, come alguma coisa, trabalha de novo, tira um cochilo, cai nos braços do amor, vê um filme ou uma série, ouve músicas, trabalha mais um pouco, almoço vira janta, dorme. Tudo em casa, tudo entre quatro paredes. E no dia seguinte, tudo de novo, mas não necessariamente nessa ordem. 

Pra muita gente essa rotina desesperadoramente repetitiva foi o novo normal durante os tempos mais fechados da pandemia. Com Guilherme Barros não foi diferente. Mas o que poderia ser angústia pura e simples, virou Entre Miranda e Jangada, disco instrumental que é tanto uma viagem pessoal do músico por timbres e paisagens sonoras quanto uma bela fuga instigante para o ouvinte em tempos de repetição.

Inspirado pelas roupas e as armas de uma de suas referências, o organizador de sons John Cage, Barros passou a entrar todo dia no seu pequeno estúdio caseiro para pescar, de seu passado como captador de som direto para documentários, o que achasse interessante, bonito, estranho. Vieram assim, de fora do quartinho, cigarras, pássaros, uma velha máquina de tear, uma chaleira apitando, galos amanhecendo, um anúncio de velório numa cidadezinha do interior, uma fala sonolenta e onírica. A partir daí foi criando músicas para essas paisagens, de dentro pra fora e vice-versa. 

Mais interessado em compor a partir de timbres e experimentações no seu pequeno laboratório do que em criar narrativas com começo, meio e fim, Barros foi buscando sons no próprio instrumento (o violão) e tentou combinar coisas das mais variadas e sem muito planejamento. E porque tudo numa faixa só? “Sei que nesses tempos de playlists é difícil, mas queria que Entre Miranda e Jangada fosse uma experiência. De colocar o fone, apagar a luz e ouvir os 30 e poucos minutos do disco de uma vez”, disse o músico. 

Com ou sem pandemia, uma experiência sonora dessas é mais que necessária, é enriquecedora. Do tipo que faz nossos ouvidos se abrirem para sons que criam mundos internos e externos, e músicas que surgem onde menos se espera.

p.s.: E o título? O que significa o título Entre Miranda e Jangada? Está lá no início da, digamos assim, terceira faixa, na fala de Renata Assumpção, companheira de Barros. São cidades? Lugares? Ela também não sabe, mas tinha uma parede colorida rodando entre Miranda e Jangada. Era um sonho, ainda é.