quinta-feira, 4 de novembro de 2010

cadê a peruca de crina de cavalo do ney?

foi a primeira vez que falei com ney matogrosso. meros 20 minutos e por telefone. mas o bastante para admirá-lo ainda mais por sua franqueza e simpatia. conversa boa, viu? a deixa para essa entrevista é a exibição do seu mais recente show, beijo bandido, no canal brasil (dia 19 de dezembro, 21h), e o texto abaixo, inédito, estará na revista monet de dezembro que ainda estamos fazendo (quer dizer, estou saindo de férias na semana que vem, ficando 20 dias fora, e nem pegarei o fechamento). e o show sairá em dvd logo depois, ou antes.


SANGUE E PAIXÃO

Camaleão em pele de sofisticado artista pop, Ney Matogrosso está muito próximo de completar 70 anos. Não parece, claro. Nem ao telefone, com sua voz tranquila, bem humorada e límpida, e muito menos no palco, espaço que domina como poucos há quatro décadas. Quem já o viu saracoteando ao vivo sabe de sua intensidade e magnetismo. Ninguém é Ney Matogrosso à toa e seu mais recente show,
Beijo Bandido, é uma nova prova disso. Gravada em agosto, na reabertura do reformado Theatro Municipal carioca, a apresentação chega ao Canal Brasil com toda a energia do ex-integrante da lendária banda Secos & Molhados aliada a uma recém-descoberta maturidade artística.

“Acho que estou mais maduro na forma. Antes era uma coisa muito aleatória. Agora vou entendendo e procurando dar uma continuidade na história. Antigamente não era assim: eu entrava, caía naquela loucura e ia até o final sem muita preocupação com a forma. Agora estou conduzindo mais a história e antes era conduzido.” E o show
Beijo Bandido, que ganhou este nome por causa do elogiado disco de 2009, é conduzido como uma história romântica cheia de cores e possibilidades, e como sempre esbarrando no erotismo, no qual cabem músicas de veteranos como Luiz Bonfá (“De Cigarro em Cigarro”), Herivelto Martins (“Segredo”), Roberto e Erasmo Carlos (“À Distância”) e Vinicius de Moraes (“Medo de Amar”), mas também de jovens como Herbert Vianna (“Nada por Mim”), Vitor Ramil (“Invento”), Junior Almeida (“A Cor do Desejo”) e Cazuza (“Mulher Sem Razão”).

Curioso é que este repertório repleto de corações partidos nasceu de um estímulo, digamos assim, político-ambiental. Ney explica melhor: “Esse trabalho surgiu porque a Lucélia Santos me ligou dizendo que era aniversário de morte do Chico Mendes – e a única passeata que fui na minha vida foi uma com ele pela defesa da Amazônia. A Lucélia também participou e como sabia que eu tinha essa ligação me perguntou se não queria fazer um show. Comecei a pensar e fui vendo que começou a aparecer um repertório romântico, mas achei que tudo bem. Quero sempre cantar o que gosto, independente do que for.”

O bom dessa autonomia é que Ney gosta de muita coisa e está sempre de ouvidos abertos. Em discos recentes como
Olhos de Farol (1999), Vagabundo (2004, feito em parceria com Pedro Luís e a Parede) e Inclassificáveis (2008), o intérprete mostrou a seus fãs que a música popular brasileira continua pulsante no cancioneiro de gente como Itamar Assumpção, Marcelo Camelo, André Abujamra e Luiz Tatit. Mas obviamente nunca deixa de lado as vozes que aprendeu a amar ouvindo o rádio da década de 1950. E dá-lhe Dalva de Oliveira, Elizeth Cardoso e Ângela Maria.

De terno sóbrio e justo, o cantor investiga em
Beijo Bandido os sobressaltos do amor, mas atualmente ele mesmo não tem o que reclamar desse campo permanentemente minado. Não revela nada, discreto como sempre, mas sua voz deixa escapar sinais de felicidade. Bem, pode ser também porque virou unanimidade nacional e só faz os discos e shows que quer. “Olha, quando vi o show gravado vi que é o primeiro que realmente... tem alguns outros que gosto, mas esse me satisfez artisticamente. Já vi duas vezes e tive muito prazer ao vê-lo.” Se Ney, autocrítico que é, repetiu a dose, imagine a gente...



e agora segue a breve entrevista na íntegra.

Como nascem seus discos? Cada um tem uma história diferente ou você já tem um método na escolha de repertório?
Nascem de várias maneiras, por vários estímulos. Esse, por exemplo, surgiu porque a Lucélia Santos me ligou dizendo que era aniversário de morte do Chico Mendes – e a única passeata que eu fui na minha vida inteira foi uma com o Chico aqui no Rio de Janeiro pela defesa da Amazônia. A Lucélia também participou e como sabia que eu tinha essa ligação me perguntou se não queria fazer um show para o aniversário da morte dele no Teatro Tom Jobim. Estava fazendo o show “Inclassificáveis”, mas ele não cabia lá, então comecei a pensar em outro show. Fui vendo que começou a aparecer um repertório romântico, mas achei que tudo bem. Quero sempre cantar o que gosto, independente de ser o que for. Quando terminei fui falar com ela, que ficou espantada e disse que “não era um show inteiro!”. Aí respondi que era tarde demais [risos]. Mas no dia cantei 6 das 14 músicas desse show. Depois de gravar o disco coloquei mais 5 para montar o show definitivo, porque 14 é pouco para um show.

E quando você está montando o repertório já pensa no show?
Penso. Penso. Não consigo disso dissociar. Quando começo a gravar um disco já começo a imaginar como será o espírito da coisa ao vivo. Claro que só depois vou entender como a coisa vai ser, mas já vou tendo idéias pra frente.

Acontece então de músicas ficarem de fora se você acha que não terão força ao vivo?
Sim, podem ficar de fora. Como também podem entrar outras. Depois dessa apresentação no Teatro Tom Jobim fiz outros três shows em lugares diferentes para públicos muito diferentes. Queria observar a reação dessas pessoas ao repertório e em função disso tirei “Veleiros” (Heitor Villa-Lobos) e “Tema de Amor de Gabriela” (Tom Jobim), que ficavam no meio do show e acabavam dando uma amornada. Aí gravei o disco sem elas e acabei colocando outras no lugar. Achei que podia colocar alguma coisa mais pop no disco e não ficar apenas nos clássicos, sabe? Então coloquei “Nada por Mim” (Herbert Vianna e Paula Toller) e “A Cor do Desejo”, que é de um compositor de Maceió, o Junior Almeida (em parceria com Ricardo Guima). Achei que o show ficou mais equilibrado. Tirou aquela cara de recital apenas. Continua sendo um recital, mas ele é pop no sentido que canto um tango, um Piazzolla, um bolero, uma música do Roberto Carlos que queria cantar faz muito tempo (“À Distância”), alternando climas. Embora a temática romântica seja a mesma.

Você mudou no palco nos últimos anos?
Acho que estou mais maduro na forma. Antes era uma coisa muito aleatória. Agora eu vou entendendo e procurando dar uma continuidade na história. Antigamente não era assim: eu entrava, caía naquela loucura e ia até o final sem muita preocupação com a forma. Agora estou conduzindo mais a história, antes eu era conduzido. É o amadurecimento mesmo. Ah, mas deixa te falar uma coisa que descobri recentemente. Um amigo me mostrou uns livros sobre butô, aquela dança japonesa, e fiquei muito impressionado porque eu me via nas fotos dos livros. Eu me via em cena! Nunca imaginei que eu fizesse butô [risos]. Gostei de saber disso. Claro que não é trágico como o do Kazuo Ohno, mas tem uma coisa similiar.

Essa descoberta te fez pesquisar mais sobre?
É uma descoberta muito recente. Vou fazer um ensaio fotográfico e estou pensando em caminhar exatamente por aí. Tenho uma série de amigos fotógrafos e às vezes faço ensaios sem maiores pretensões. Apenas para entrar no estúdio e curtir. Estou atrás de uma peruca gigante de crina de cavalo que eu tinha... mas não sei, não encontrei. Achei que seria interessante pra esse trabalho. Ia até a cintura e era muito selvagem. Ela cai sobre o rosto, fica em pé no alto da cabeça. Era uma peruca que foi feita pra mim, sabe? [risos] Já usei até em show.

No release diz que o show foi dedicado ao Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (MORHAN)...
Foram duas noites no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, uma delas para esse projeto. Foi na mesma noite que o
[empresário] Eike Batista doou R$ 4,5 milhões para o movimento e... estamos esperando.

Não veio ainda?
Ainda não [risos].

Eike caloteiro... [risos]
Não, imagina...

Tô brincando.
Ele não ia se comprometer publicamente, né? Mas o dinheiro não chegou na mão do movimento...

Mas como começou sua relação com o projeto?
Foi em 2000. Fui procurado por engano porque o Ney Latorraca tinha dado uma entrevista dizendo que ia deixar a herança dele para projetos relacionados a AIDS e a Hanseníase. E aí mandaram procurar o Latorraca e chegaram a mim [risos]. Não foi uma surpresa.

É comum confundirem vocês? [risos]
Acontece muito na rua. As pessoas gritam: “Ê, Ney Latorraca!”. Eu já aceno, nem digo nada [risos]. E ele também acena quando o chamam de Matogrosso.

Olha só, tipo Itamar Assumpção e Luiz Melodia. Gêmeos.
Pode ser. Só que nossos nomes são parecidos. Ambos somos de Mato Grosso. Também tem isso, né?

Então começou assim...
Começou com essa confusão. E eu achava, como 99,9% da população, que essa doença não existia mais no Brasil. Eu achava que não existia mais no mundo! E fiquei muito assustado em saber que o Brasil lidera... temos essa medalha de ouro vergonhosa
[nesse ano, segundo a OMS, o Brasil caiu para o segundo lugar e a Índia voltou a liderar]. Comecei a pedir informações e vi que eram extremamente úteis e não estavam disponíveis. Ninguém falava que a doença tem cura, que o remédio é de graça. Informações simples e muito importantes. Aí fui participando de campanhas Brasil afora. Já são dez anos nisso.

E como foi ver o registro do show?
Olha, quando vi o show gravado vi que é o primeiro que realmente... tem outros que gosto, mas esse me satisfez artisticamente. O pessoal que filmou, a Urca Filmes, fez algumas intervenções visuais que me agradaram muito. Já vi duas vezes e tive muito prazer ao vê-lo.

e pra encerrar, um video raro: ney cantando "desafinado" (tom jobim e newton mendonça) em um especial da tv bandeirantes de 1978.


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