segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

caras novas, cinema novo

cinema foi meu primeiro objeto no jornalismo. depois veio a música e tomou quase todos os espaços. mas de uns cinco anos para cá (a fase monet) voltei a escrever com mais frequência sobre a sétima arte, com ênfase no cinema brasileiro. nesse meio tempo falei com muita gente, de josé padilha a marilia pêra, passando por selton mello, tony ramos, glória pires, hector babendo, hermila guedes, nelson pereira do santos, lázaro ramos, patrícia pillar, paulo cesar pereio, helena ramos, benício, joão moreira salles, bruno garcia, etc (boa parte desse material já se encontra aqui no esforçado). foi interessante acompanhar o cinema nacional tomando corpo, fazendo boas e ótimas bilheterias, diversificando assuntos e, acima de tudo, revelando novos nomes.

com a deixa de anunciar a estréia na tv d’
a fuga da mulher gorila (dia 15, quinta, 22h, canal brasil) fiz uma reportagem tratando desses novos rostos e assuntos e entrevistei felipe bragança (co-diretor com marina meliande de mulher gorila), eduardo valente (no meu lugar) e juliana rojas (co-diretora com marco dutra de trabalhar cansa). claro que não sabia que o texto abaixo, publicado agora na edição de dezembro, seria meu penúltimo na revista monet – o último, sobre o programa trato feito (history channel) e uma consequente viagem a las vegas fica para janeiro -, mas olhando agora parece realmente o encerramento de um ciclo. ou pode ser só coincidência mesmo. vai saber.

a kombi, a praia, a mulher gorila

CINEMA NOVO DE NOVO

Nessa altura do campeonato já é bastante sabido o quanto a ditadura militar fez mal para o país, mesmo que ainda existam uns poucos saudosos, mesmo que os culpados não tenham sido responsabilizados. Também se conhecem as raízes da violência urbana que vem se alastrando por asfaltos e morros nos últimos anos. Mas se algum desavisado, ou estrangeiro, der uma olhada por cima da recente produção cinematográfica nacional achará que esses são nossos únicos temas (fora, claro, as bem sucedidas comédias, mas elas são de consumo interno). Nada mais distante da realidade, afinal o Brasil desse início do século 21 é mais que isso e, consequentemente, o cinema que nasce dele. Prova viva é o independente A Fuga da Mulher Gorila, da dupla Felipe Bragança e Marina Meliande.

“Vivemos em um país complexo, em um processo de fusão industrial/arcaica em pleno desenvolvimento, e que pede um olhar novo e corajoso sobre si. Esse é o desafio de todos os cineastas brasileiros hoje: ampliar as formas de sensibilidade sobre um país em plena ebulição”, explicou Bragança, que foi diretor-assistente de O Céu de Suely, um dos roteiristas da série Alice, e estreou em longas com Gorila, o primeiro filme da trilogia “Coração no Fogo” (os outros dois, já produzidos, são Desassosego e A Alegria).

Rodado em 8 dias, com um orçamento de apenas R$ 10 mil e uma equipe de 8 pessoas – exatamente o que cabia na Kombi, ao mesmo tempo transporte e principal cenário do longa -, A Fuga da Mulher Gorila é um road movie sentimental sobre duas irmãs, Flora (Flora Dias) e Morena (Morena Cattoni), que partem pelo interior e litoral do Rio de Janeiro apresentando o clássico número de transformação de antigos parques de diversões, aquele no qual uma mulher vira gorila. Buscam um sentido na vida e sabe se lá mais o quê. “[Esse filme] precisava da urgência e da loucura raivosa para falar do que queríamos falar, e por isso o jeito de produzir totalmente corajoso e suicida. O pouco dinheiro nos ajudou em um sentido: falar sobre a coragem e a teimosia como um componente estético de todo processo de vanguarda artística.”

A dupla Felipe Bragança e Marina Meliande são parte de uma nova geração de cineastas brasileiros que se não chegam a formar uma “onda” possuem em comum o desejo pelo risco e pela diversidade. “Acho que há sim uma nova geração, que vem se conhecendo há mais de uma década nos festivais de curtas pelo país, e que tem feito uma produção muito interessante. Mas não sei dizer ainda quais são, de fato, suas preocupações. É cedo pra isso”, disse Eduardo Valente, premiado curtametragista, crítico de cinema e que estreou como diretor de longas em No Meu Lugar que, aliás, contou com igualmente carioca Felipe Bragança como um dos roteiristas.

Já a paulista Juliana Rojas, que exibiu seu elogiado longa de estreia, Trabalhar Cansa (feito em parceria com Marco Dutra), em Cannes, acrescenta que “a impressão que tenho é que fazemos parte de uma geração que teve a possibilidade de um contato mais fácil e mais intenso com diferentes cinematografias e isso tem uma influência no nosso trabalho, em como pensamos cinema. Me parece uma geração que, por amar e respeitar diferentes tipos de cinema, busca contar suas histórias sem se atrelar a formatos ou temáticas.” E só por algumas palavras pescadas nessa resposta de Juliana - contato, acesso, paixão, liberdade – é possível ter certeza que o bom futuro do cinema brasileiro está garantido.


A fuga da mulher Gorila from Sessão Vitrine on Vimeo

e como material bônus dessa reportagem, algumas aspas que ficaram de fora do texto final.

Felipe Bragança
“A liberdade acontece quando você é dono de seu nariz e responsável pelo dinheiro que se está usando, patrocinado ou não. Tanto em Mulher Gorila quanto em A Alegria, eu e Marina Meliande éramos também os produtores do filme, ou seja: podíamos embarcar em nossa intuição sem prestar contas a ninguém, a não ser a nosso desejo de criar algo potente para ser visto nos cinemas. O pouco dinheiro da Mulher Gorila nos ajudou em um sentido: falar sobre a coragem e a teimosia como um componente estético de todo processo de vanguarda artística.”

“Vejo muitos filmes e a identificação é fragmentada. No Brasil, gosto do Eduardo Coutinho, do Karim Ainouz e do Julio Bressane. Dos mais novos, gosto do olhar do Helvécio Marins e da dupla Marco Dutra e Juliana Rojas, especialmente. Lá fora, meus interesses vão de João César Monteiro a John Carpenter, passando por Apichatpong Weerasethakul.”


Juliana Rojas
“Acho que o importante é sempre buscar fazer as coisas à medida delas... ou seja, se existem poucos recursos para fazer um filme, não adianta pensar numa história que pressuponha uma produção grande para ser contada. Acho que ter menos dinheiro te força a buscar soluções criativas sobre como representar determinadas coisas de modo simples. Eu não diria que é libertador, mas certamente é desafiador.”

“Acho que uma das principais diferenças entre se dirigir sozinho ou em parceria é possibilidade constante de interlocução, que enriquece muito o trabalho. Mesmo quando discordamos, isso acaba tendo uma resultante positiva, pois buscamos achar uma solução que agrade a ambos, nos obriga a criar coisas novas diferentes da que faríamos se estivéssemos trabalhando sozinhos. Não consigo pensar num aspecto negativo em uma parceria que funciona. Acho que o trabalho em parceria pode demandar mais tempo e paciência do restante da equipe, pois em determinados momentos precisamos conversar entre nós dois sobre o que é necessário para a cena e isso às vezes muda o andamento do trabalho. Mas não tenho dúvida que essa espera vale a pena e resulta em decisões mais elaboradas e positivas para o filme. Isso não quer dizer que eu e o Marco (Dutra) queiramos sempre trabalhar juntos: acho que existem projetos em que temos vontades de realizar em parceria e outros que sentimos que é apropriado trabalharmos sozinhos.”

“Eu me interesso bastante por relações de trabalho, elas estão presentes em todos os meus filmes, mesmo que em segundo plano. Também me interesso em retratar relações familiares, principalmente a maternidade.”

“Acho que vivemos num momento muito interessante no cinema nacional, em que cineastas que vieram do curta-metragem estão lançando seus primeiros longas. Embora cada um tenha suas particularidades, o trabalho deles me toca e me inspira. Dos filmes nacionais recentes gostei muito de Girimunho, da Clarissa Campolina e do Helvécio Marins Jr., e Histórias que Só Existem Quando Lembradas, da Julia Murat. Aguardo com curiosidade o longa do Kleber Mendonça Filho, O Som ao Redor. Fora do Brasil, gosto muito do trabalho do Hong San-Soo (Café Lumiére e A Viagem do Balão Vermelho), do Pedro Costa e do M. Night Shyamalan.”


Eduardo Valente
“Conheço poucas pessoas que filmem com pouca grana por ser libertador. Mas também não acho que é questão de romantismo ou frustração, mas de pragmatismo mesmo: se é o que tem, não se deve deixar de filmar por isso - nem usar isso como desculpa pra fazer filmes piores. e a forma como vários desses filmes têm passado nos principais festivais de cinema do mundo mostram que não tem sido o caso.”

“Sou um cinéfilo contumaz e muito abrangente nos meus gostos e interesses. Então, não creio que consiga ser muito específico sobre temas, assuntos nem mesmo estilos de cinema. Tudo que é da ordem do humano me interessa.”

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