O PULSO AINDA
PULSA
No começo eram
nove. Ficaram famosos como oito. Mas agora, 30 anos após seu nascimento, os
Titãs são quatro. Não é pouca coisa no eternamente jovem mundo do rock,
principalmente se for levado em conta que o grupo segue produzindo material
novo e lotando shows. Por essas e outras, os titânicos Paulo Miklos, Sérgio
Britto, Branco Mello e Tony Bellotto estão comemorando a data redonda em alto
estilo com a reedição, e consequentes apresentações, de Cabeça Dinossauro
(1986), o terceiro e mais célebre de todos os trabalhos dos paulistanos.
“Vamos
fazer a turnê do Cabeça Dinossauro neste primeiro semestre e, no segundo, seis
shows com os ex-Titãs Arnaldo Antunes e Charles. Gavin. O Nando Reis não tem
disponibilidade de datas. Para 2013 estamos preparando um disco de inéditas, rápido
e pesado, mas com uma certa brasilidade. Um cruzamento entre Cabeça e Õ Blésq
Blom. Vamos ver no que vai dar”, explicou Britto.
Futuro,
presente e passado vivem se encontrando na trajetória do grupo, mas a
oportunidade de reviver e compartilhar a glória criativa e cheia de energia do
então octeto tem sido uma fonte de surpresas. É que agora os novos e velhos fãs podem ouvir
o disco original remasterizado e, pela primeira vez, a demotape com as versões
cruas de clássicos como “Família”, “Homem primata”, “Igreja” e “Polícia”, além
da inédita “Vai pra rua” (“Porrada” entrou em seu lugar no disco). “Nessa demo que gravamos em dois dias o que chamou atenção
foi a sonoridade crua, com arranjos diretos e contundentes que já havíamos
concebidos antes da gravação e que foram potencializados na produção do disco
[a cargo de Liminha]”, relembrou Mello.
O Titãs já era
bastante conhecido na época – as rádios tocavam “Sonífera ilha”, “Televisão” e
“Insensível”, músicas dos dois discos anteriores -, mas os oito rapazes ainda
não tinham conseguido registrar o peso sonoro que viam em si mesmos. Tudo
mudaria em
novembro de 1985 com a prisão de Tony Bellotto e Arnaldo Antunes (o primeiro
por porte e o segundo por porte e tráfico de heroína, o que acabou fazendo com
ficasse um mês na cadeia). As traumáticas experiências da prisão, da violência
policial, do moralismo da sociedade e dos meios de comunicação deram um caráter
de urgência ao conteúdo do novo disco.
“No
ano em que lançamos o Cabeça, os Paralamas lançaram Selvagem? e o Legião Urbana,
o Dois. São três discos antológicos, cheios de qualidades, mas completamente
diferentes entre si. O Cabeça é a ponta mais ácida e virulenta dessa tríade e
talvez por isso mesmo seja um fenômeno mais raro ainda no panorama geral da
música popular brasileira. Acho que um disco assim, barulhento, com palavrões,
cheio de atitude e contestação ainda é coisa muito rara no mainstream”, disse Britto.
E
todo esse barulho, toda a crítica social das 13 faixas do disco, caiu como uma
luva naquele momento de redemocratização brasileira. Para se ter uma ideia, nem
as multas pela veiculação dos palavrões de “Bichos escrotos” impediram as
rádios de tocarem (muito) a música e o disco acabou vendendo mais de 250 mil
cópias. “Tenho a lembrança que éramos muito
jovens, fazendo a nossa música, descobrindo o Brasil e já com a certeza de que
era isso que queríamos pras nossas vidas. Deu
pra perceber o quanto estávamos sintonizados e afiados para realizar esse disco”, vangloria-se Mello.
Cabeça Dinossauro
é o primeiro disco titânico a sair nesse formato luxuoso. Outros álbuns que o
grupo lançou pela Warner terão o mesmo fim e os mais esperados são Jesus Não
Tem Dentes no País dos Banguelas (1987) e Õ Blésq Blom (1989). “Temos muito material
extra. Fitas demo ou caseiras feitas antes de cada disco com o material ainda
recém arranjado, em estado bruto. E muito material gravado em ensaios. Pretendemos
escolher com cuidado entre estes arquivos o que pode ser lançado em futuras
edições especiais”, diz Miklos, muito preocupado com a qualidade e relevância do
material a ser lançado, mas acima de tudo, animado.
Por outro
lado, essas olhadelas no passado protagonizadas pelos remanescentes acabam
revivendo as saídas de Arnaldo Antunes (1992), Nando Reis (2002) e Charles
Gavin (2010), além da morte de Marcelo Fromer (2001). Com a palavra, o
guitarrista Tony Bellotto: “A saída de um ou mais
integrantes muda muita coisa em uma banda. Quando algumas pessoas decidem
formar um grupo e tocar é por que elas têm química. Não é à toa que a maioria
das bandas acaba ou se desconfigura quando alguém decide sair. No caso dos
Titãs, cada saída foi triste, mas a morte do Marcelo [Fromer] foi, sem dúvida,
o momento mais doloroso que enfrentamos. É sempre difícil superar perdas, ainda
mais neste caso.”
E eles
superaram, seguiram em frente, porque o show não pode parar e ainda tem muita
química para rolar. “Somos um
grupo sui generis, com compositores e cantores. Essa característica nos
favorece musicalmente. Sempre soubemos ocupar o vazio deixado, nunca ficou um
buraco na questão da sonoridade. Mas é claro que as amizades sempre fazem muita
falta”, completa Bellotto.
O fato de todos os integrantes conseguirem tocar
seus projetos pessoais ajudou a manter acesa a chama dos encontros titânicos:
Bellotto se mostrou um hábil escritor de livros policiais; Miklos ganhou fama
como ator (O Invasor, É Proibido Fumar e até uma novela, Bang Bang); Mello
assinou projetos infantis como Eu e Meu Guarda-Chuva; e Britto encampou novas
sonoridades em seus discos solo no decorrer dos anos 2000.
Envelhecer dentro
do rock também não é um problema para nenhum dos quatro, que já estão na altura
de seus 50 e poucos anos. “O que muda com o passar do tempo são outros
aspectos da vida, o lado pessoal e as atitudes. Claro que fazer rock estará
sempre ligado a uma ideia de juventude, mas quando estamos juntos parece que
somos ainda aquele bando de garotos que se reuniu pela primeira vez para tocar.
O espírito continua o mesmo”, reflete Bellotto.
Miklos
concorda com o amigo de tempos de colégio, mas vai mais fundo na diversão e se
define como um Titã revigorado, positivo e operante. “Atingimos
outro patamar depois de mais uma mutação na formação da banda. Estamos nos
divertindo como nunca e isto está muito evidente para o público. Esta excursão
comemorativa do Cabeça Dinossauro está nos trazendo muitas alegrias. Casas
cheias e o encontro carinhoso com os fãs. É muito bom comemorar com rock’n’roll
e encontrar as pessoas em meio a toda essa energia”, resume Miklos, titã de
corpo presente.