“UM 69 E EU LEVO A PINTOLA!”
Todos os calores
femininos em um bingo erótico na Baixada Santista
O início da tarde de domingo se arrasta nublado na altura do
número 700 da rua Carvalho de Mendonça, em Santos: um senhor barrigudo de sunga
azul faz alongamento apoiado em uma lixeira, uma criança volta da padaria com
dois refrigerantes nada dietéticos, um sem teto dorme embaixo da mesa de sinuca
do fechado (aos domingos) Familia’s Bar. Tudo normal. Mas em um salão de
festas, ao lado do tal bar familiar, seis pênis infláveis de cores diversas
jazem pendurados na parede e lingeries sensuais disputam espaço com vibradores
numa mesa desmontável.
Olga é a responsável por isso. 38 anos, casada, a mãe de dois
meninos corre para cima e para baixo no salão. É o 3º Bingo Erótico Só para
Mulheres que ela organiza em menos de um ano, mas o nervosismo continua o
mesmo. Mal dormiu a noite anterior de tão ansiosa. “Comecei a trabalhar com
produtos eróticos um pouco antes do primeiro bingo e logo vi que era complicado
de vender. Você não bate na porta de ninguém oferecendo. Mas tinha que existir
um jeito de expor isso pra mulherada e explicar qual a finalidade. Porque, por
exemplo, muitas nunca viram um vibrador. Não sabe como funciona, o que faz...
só sabe onde entra, né? Então vi que tinha que reuni-las e achei o bingo uma
boa ideia”, disse enquanto atende o celular e passa coordenadas para uma prima
e uma tia que vieram de Bertioga lhe ajudar. Caio, seu marido, não gosta muito
dessa história de sex shop e bingo erótico, mas prefere vê-la ocupada e
ganhando o próprio dinheiro, então o que lhe resta é perguntar o menos
possível.
As cervejas, águas e refrigerantes chegam quentes apenas uma
hora antes do evento e Olga precisa comprar gelo. Mas antes de sair explica que
o convite é 25 reais e dá direito a cinco cartelas, uma Espanhola (coquetel
feito de vinho doce, leite condensado e abacaxi), um prato de salgados e outro
de doces. Cartelas extras e as outras bebidas são pagas por fora. Pouco mais de
100 mulheres fizeram reserva e, segundo Olga, “elas cobram cada centavo do que
pagam, querem tudo que tem direito”. Se todas vierem os custos da festa se
pagam. A experiência dos outros dois bingos mostrou que essa é a matemática
simples do evento e que lucro mesmo acontece nos dias seguintes quando os
“brinquedinhos” são levados nas casas das clientes em horário apropriado (sem
filhos e marido).
“Tá vendo aquela lua que brilha lá no céu? / Se você me
pedir, eu vou buscar só pra te dar / Se bem que o brilho dela nem se compara ao
seu”, derrama-se Thiaguinho, uma das vozes do Exaltasamba, nos alto falantes
enquanto a força-tarefa de Olga dá os toques finais na decoração. Balões
amarelos e brancos estão espalhados pelo salão principal, palco do bingo, das
apresentações dos seis gogo boys
contratados e do soundsystem caseiro
que fará a trilha sonora da tarde. Tudo pronto também na entrada com mesas e
araras cheia de roupas, calcinhas, lingeries e biquínis, produtos mais
comportados que acabaram se tornando o lado B do catálogo da organizadora.
Nessa edição, o bingo ainda conta com a presença de uma mesa de cosméticos
populares com direito a maquiagens gratuitas. No mais, entre a entrada e o
salão principal está a mesa com os brinquedos eróticos, agora adornada com um
boneco inflável quase em tamanho natural.
As primeiras mulheres chegam por volta das 14h30. “Vou ali
ver as coisas... peraí, deixa eu pegar os óculos ou não enxergo nada”, diz uma
delas, acompanhada de filha e mãe. “Vem Neuza! Já tá aberto! Tem um monte de
coisa pra ver”, diz outra, míope de lentes muito grossas. E vão chegando
outras, idades e tipos dos mais variados.
Com meia hora de atraso, exatamente às 15h45, o 3º Bingo
Erótico Só para Mulheres tem início e pouco mais de 100 senhoritas e senhoras
de idades e tipos mais variados conversam animadamente. Nem imaginam que a
Striperboys Eventos, a empresa dos gogo
boys, lhes preparou uma surpresa: os petiscos (sinônimo para jovens
iniciantes) Paolo e Daniel farão “um esquenta para a mulherada”.
De sunga amarela e botas, a dupla entra no recinto ao som de
alguns gritinhos e uma dance music genérica. Passam pelas mesas agarrando uma,
levantando outra, tendo suas bundas apertadas, tirando fotos. A música parece
durar eternamente e de vez em quando eles não sabem mais o que fazer e ficam
mexendo nas laterais da sunga olhando para o infinito. Algumas poucas não
parecem se importar muito com os petiscos e uma delas até sai no meio da
apresentação para fazer uma maquiagem na entrada.
A música chega ao fim e Olga pega o microfone para falar de
alguns dos brinquedinhos antes de começar o bingo erótico propriamente dito. Um
tesômetro e um pênis de borracha são levados de mesa em mesa pelos petiscos e
novos gritinhos e risadas são ouvidos pelo salão. É o coquetel já fazendo
efeito. “Vamos começar, gente?”, diz a organizadora quando o relógio marca
redondas 16h.
Enquanto os primeiros números começam a sair, e os brindes
para as vencedoras são kits com produtos do sex shop, o petisco Paolo combina
um cinema para mais tarde. “Demorô! Já estou com a roupa aqui”, diz, ainda de
sunga, ao celular. “Desde pequeno queria ter um corpo igual de gogo boys, porque eles têm o corpo mais
evoluído. Aí ano passado vi na internet um rapaz e comecei a ver as fotos e ele
dançava... ao mesmo tempo conheci uma pessoa que fazia o evento aqui em Santos
e que me chamou. Sempre tive vontade de dançar pra todo mundo ver... ser
olhado, né?”, confessa o jovem de 18 anos que trabalha como montador de móveis
planejados. Paolo começou a “dançar” em novembro do ano passado e já é chamado
para dois eventos por semana, tanto para mulheres quanto para o público GLS.
“A gente tem que se encaixar em todos os lugares, não pode
ter preconceito nenhum. A diferença é que as mulheres ficam todas loucas e o
homossexual fica mais na dele. Às vezes eles machucam um pouco porque sabem que
você tem aquilo que eles têm. Então tentam pegar, mas a gente não deixa, porque
quando pegam dá aquela dor. Já as mulheres são mais carinhosas com a gente porque
vêm pra se divertir, pra brincar”, conclui enquanto arruma, nada discretamente,
o pênis na sunga.
No salão principal, as mulheres já nem lembram mais dos
petiscos. Só tem olhos e ouvidos para as cartelas do bingo e o chamamento dos números.
“Essa é a única hora que vejo mulher calada”, diz uma. Até que na terceira
cartela, quando o prêmio é um pênis de borracha de 20 cm, o silêncio é quebrado
meio que sem querer. “Um 69 e eu levo a pintola!”, torce alguém no fundo. Todas
riem e, como em um jogral, gritam “Uiiii!”. Mas o 69 não sai e sim um 47. A
felizarda da vez é uma moça baixinha que se assusta um
pouco ao colocar as mãos em seu prêmio cor da pele.
“Eu e minhas amigas frequentamos eventos assim há dois anos.
A gente procura se divertir pra sair da mesmice que é o domingo: sofá,
macarrão, frango, filho, neto, Silvio
Santos ”, explica Naná, 63 anos, em uma pausa para o cigarro
do lado de fora do salão. Ela veio acompanhada das amigas e vizinhas Nenê (68)
e 51 (60), todas casadas. “Íamos mais em clubes, é melhor, porque esses salões
viraram moda, banalizaram. Parece loja de material de limpeza que em cada
esquina tem uma... e esses meninos então... chegam esfregando o negócio e ficam
andando por aí com essa sunga encardida. Não admito”. As amigas concordam e 51
completa que “os profissionais mesmo chegam arrumados, com roupas limpas e
decentes, e conforme o show acontece tiram a roupa, afinal a gente vai lá pra
ver eles pelados. Quase pelados, na verdade. Tudo pra fazer aquela farra, aquela
algazarra. Nossos maridos sabem que a gente não vem aqui pra agarrar os homens.
Porque se a gente quisesse fazer algo de errado não vinha em lugar público com filhas e netas, né?”
Nova gritaria no salão. Quem fechar a quinta cartela terá um
minuto com um dos seis profissionais que irão se apresentar ao final do bingo. “Balanga
o saco!”, gritam em coro. Ganha uma senhora que estava tirando fotos do evento
com seu celular do Palmeiras, mas que, tomada por algum pudor, desiste da
prenda. E, pela segunda vez nessa tarde, uma jovem instrutora da academia que
Olga frequenta é premiada. “Aêêê Pocahontas!”, comemoram suas amigas.
“Nunca ganho nada, não sei o que aconteceu. É a primeira vez
que venho em um evento desses e tô adorando, só mulherada, tudo livre, podendo
falar besteira a hora que quiser. Eu, pra ser sincera, acho bem engraçado esses
gogo boys. Acho que vale mais pra
despertar o fogo da mulherada, fazer bagunça, mas não me atrai não, tanto que
na hora que cheguei e vi, pensei ‘nossa, que gay isso!’. Nem queria ter ganho o
minuto com o boy, acho que vou rir da
cara dele ou então perguntar porque ele faz isso. O que me chama mais atenção
mesmo são os brinquedinhos”, diz Camila, 23 anos, formada em Educação Física.
Seu outro prêmio foi uma taça de champanhe com um pênis brilhando no meio que
ela não faz ideia de como desligar.
O bingo erótico acaba por volta das 18h30 e quem ganhou,
ganhou. A partir de agora a felicidade é geral com a apresentação dos
profissionais. Olga pede à reportagem que acompanhe apenas o primeiro show e
depois deixe as mulheres à vontade. Também dá um aviso: “Por favor, não
coloquem as fotos no Facebook”. Então, a luz é apagada e o salão fica iluminado
apenas por alguns raios de laser dançantes.
Vestido de toureiro, o primeiro boy a surgir é Danyllo Mack e a reação da “mulherada” é instantânea
e explosiva. Logo tira uma para dançar, pega outra na cadeira e joga ainda uma
outra no chão. Elas, por sua vez, passam as mãos por seu corpo, apertam a
bunda, gritam “Vem! Vem! Vem!”. Antes do gran
finale, no qual o toureiro tira a sunga (sem jamais mostrar a genitália,
esse é o combinado), Danyllo ruma até o grupo das amigas da melhor idade. Naná
e 51 se atracam com o boy, Nenê fica só olhando e batendo palmas.
A euforia é geral e ainda se apresentarão um cowboy, um Don
Juan, um marinheiro, um gladiador e um policial da SWAT. Mas é preciso uma
pausa entre um e outro para as damas se recomporem. Em um canto externo do
salão, Naná, com o rosto suado, dá o seu veredicto para o primeiro show. “Foi
bom, mas faltou um pouquinho. O meu marido me chama de ‘a crítica do mundo’,
mas não é verdade. É que eu acho que tudo pode melhorar”, confessa enquanto
traga longamente seu cigarro de filtro branco. Uma nova música começa a tocar,
talvez seja a hora do cowboy que ela conhece de outros clubes das mulheres e
sabe que tem pegada. Silvio Santos? Só domingo que vem.
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