segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

53 músicas brasileiras de 2018

dos 60 discos brasileiros de 2018, 36 emplacaram uma faixa na lista de músicas do ano. foi bem difícil, por exemplo, escolher uma música de discos como Taurina da Anelis Assumpção, Ultrassom do Edgar, Iaiá e os Erês da Iara Rennó, Desastre Solar da Laura Lavieri, Precariado do Wado, Avante Delírio do Saulo Duarte, Oferenda do Café Preto, Carne de Pescoço do Heavy Baile (mas com participação do BaianaSystem, “Ziquizira” acabou virando barbada), Afastamento do Juliano Gauche (só que a épica “Silmar Saraiva” é muito foda) e Amor é Isso do Erasmo Carlos (mas “Convite Para Nascer de Novo” me dá nó na garganta toda vez que ouço).

Em outros casos foi fácil: “Caixa Postal” do ÀTTØØXXÁ é pop nacional à perfeição, tal qual “Problema Seu” da Pabblo Vittar; “Bixinho” de Duda Beat é delicioso brega urbano indie; “Tropical” do SDDS é um delírio tropicalista eletrônico; “Banho”, composição de Tulipa Ruiz, é defendida por Elza Soares com força à flor da pele; e a doce “Fica Tudo Bem” é encontro inusitado e harmonioso entre Silva e Anitta (a hitmaker onipresente em 2017 andou trabalhando cada vez mais sua carreira internacional e quase só lançou reggaetons genéricos).

já no bloco de músicas single saltam os funks nacionais com um pouco da diversidade sonora de Estado para Estado: do Rio de Janeiro, a nova velocidade de 150 bpm de MC Kevin o Chris e MC Rebecca e as produções esmeradas de Omulu e Pankadon; de Pernambuco, o bregafunk debochado de MC Loma e as Gêmeas Lacração; de São Paulo, a diversidade que vai do bom humor de Jerry Smith ao romantismo de MC Kekel e MC Rita; e de Belo Horizonte, as viagens melódicas de MC L da Vinte, MC Gury e MC Rick.

e tem rap, claro. desde umas das MCs preferidas da casa, a jovem Ju Dorotea, até o veterano Criolo, passando pelo cearense Nego Gallo (ex-Costa a Costa) e os paulistanos Amiri, Rashid e, obviamente, Rincon Sapiência que continua trabalhando e lançando músicas sem parar.

finalizando os destaques da lista, a sempre excelente MC Tha. se ela ainda não lançou um disco cheio desde 2014, quando apareceu sua primeira música, os não muitos singles que soltou de lá pra cá são todos de altíssimo nível (“Pra Você” e “Bonde da Pantera” já estiveram por aqui). no funk da paulistana cabe de tudo e é sofisticado tanto nos beats quanto nas letras. “Valente” é a prova mais recente do seu talento. outra prova é a linda linda “Céu Azul”, dueto de MC Tha com o amigo e produtor Jaloo.

seguem então playlists no YouTube e Spotify com todas as 53 músicas. a única diferença entre as playlists é Rincon Sapiência, afinal "Mete Dança" não tem (ainda) no Spotify, portanto entrou "Placo".




e aqui a lista completa com link direto, no YouTube, pra cada uma delas, afinal tem uns videos bem massa.


Anelis Assumpção - “Segunda a Sexta
Arnaldo Antunes - “Quero Ver Você
ÀTTØØXXÁ - “Caixa Postal” VIDEO
Baco Exu do Blues - “Queima Minha Pele” [part. Tim Bernardes]
Bixiga 70 - “Quebra-Cabeça” VIDEO
Bk’ - “Deus do Furdunço” VIDEO
Cacá Machado - “Dança
Café Preto - “120 Km” [part. Spok] VIDEO
Cordel do Fogo Encantado - “Liberdade, a Filha do Vento” VIDEO
Criolo - “Boca de Lobo” VIDEO
Criolo, The Abyssinians, BiD & Fernando Nunes - “Cigano
Daniel Groove - “Seu Amor” VIDEO
Diomedes Chinaski - “Comunista Rico” VIDEO
Djonga - “A Música da Mãe” VIDEO
Duda Beat - “Bixinho” VIDEO
Edgar - “O Dia é Meu” [part. Céu]
Elza Soares - “Banho” [part. Ilu Obá de Min]
Erasmo Carlos - “Convite Para Nascer de Novo” VIDEO
Heavy Baile - “Ziquizira” [part. BaianaSystem]
Iara Rennó & Iaiá e os Erês - “Lá no Céu” [part. Moreno Veloso]
Jaloo & MC Tha - “Céu Azul” VIDEO
Jerry Smith - “Vou Falar Pra Tu” VIDEO
Ju Dorotea - “Leão” VIDEO
Juliano Gauche - “Silmar Saraiva
Kassin - “Enquanto Desaba o Mundo
Laura Lavieri - “Me Sinto Bem
Luiza Lian - “Vem Dizer Tchau
Mahmundi - “Qual é a Sua?” VIDEO
Marcelo D2 - “Resistência Cultural” [part. Gilberto Gil e Marcelo Jeneci]
MC Kekel & MC Rita - “Amor de Verdade” VIDEO
MC Kevin o Chris - “Tu Tá Na Gaiola (Baile da Penha)
MC L da Vinte & MC Gury - “Parado no Bailão” VIDEO
MC Loma e as Gêmeas Lacração - “Envolvimento” VIDEO
MC Rebecca - “Ao Som do 150” VIDEO
MC Rick - “Cobiçadas do Twitter” VIDEO
MC Tha - “Valente” VIDEO
Mestre Anderson Miguel - “O Cirandeiro” [part. Juçara Marçal]
Mundo Livre S/A - “Bailei de Calção um Zero a Mais
Nego Gallo - “Downtown
Omulu - “Paredão
Pabllo Vittar - “Problema Seu” VIDEO
Pankadon - “Segredinho” VIDEO
Rashid - “Interior” [part. Rapadura] VIDEO
Rincon Sapiência - “Mete Dança” VIDEO
Saulo Duarte - “Flor do Sonho
SDDS - “Tropical
Silva - “Fica Tudo Bem” [part. Anitta] VIDEO
Solveris - “Vida Clássica” VIDEO
The Universal Mauricio Orquestra - “Pife do Mau
Verônica Ferriani - “Desde que o Fracasso lhe Subiu a Cabeça
Wado - “Tudo Salta” [part. Momo]
Xamã - “44 Problems” [part. Major RD]

domingo, 30 de dezembro de 2018

53 músicas gringas de 2018

dos 60 discos gringos de 2018, 39 emplacaram uma faixa na lista de músicas do ano. como sempre acontece quando o disco é muito foda fica difícil escolher apenas uma música. isso foi muito verdade com os discos de Janelle Monáe, J. Cole, Leikeli47, Drake, Chancha Via Circuito, David Byrne, Bishop Nehru, Bacao Rhythm & Steel Band, Eminem e The Magnificent Tape Band.

em outros casos, uma música rapidamente se destacou do forte conjunto. foi o caso de “Apeshit” de Beyoncé e Jay-Z, “Kong” de Neneh Cherry, “Adam and Eve” de Nas, “Deep End” de Lykke Li, “She Said” do projeto Everything is Recorded, “Passat & Bovary” de Baloji, “Down” das irmãs Chloe e Halle, Malamente de Rosália, “Blaxploitation” de Noname, “Nont for Sale” de Sudan Archives, “FUN!” de Vince Staples e, acima de tudo, “Merrie Land” do The Good, The Bad & The Queen (que música linda da porra, senhoras e senhores, que música linda).

então na lista apareceram também um punhado de músicas sensacionais que ou são singles ou estão em discos que por pouco não entraram na lista final. tem Nigéria nas figuras de Starboy/Wizkid e Olamide, África do Sul com Muzi/Okmalumkoolkat e Cabo Verde com Mayra Andrade. é um pouco de toda força e diversidade da música africana contemporânea. Olamide e Muzi são artistas particularmente interessantes e foi difícil escolher apenas uma música deles.

tem uma porrada de sons ingleses, invariavelmente negros, das rappers Little Simz, Lady Leshurr e IAMDDB, do veterano Skepta e o delicioso ar jamaicano de Hollie Cook. e ainda o soul eletrônico do Nightmares on Wax e do Jungle.

dos EUA, a sensacional “Bubblin” de Anderson Paak (faixa que saiu como single e não entrou no disco Oxnard) e as deliciosas “Spaceships” do Tank and the Bangas e “After the Storm” de Kali Uchis com participações de Tyler the Creator e Bootsy Collins. por último, umas das músicas mais poderosas dos últimos tempos e definidora do clima geral de 2018: “This is America” do Childish Gambino, persona musical do ator, roteirista e diretor Donald Glover.

seguem então playlists no YouTube e Spotify com todas as 53 músicas...





e aqui a lista completa com link direto, no YouTube, pra cada uma delas, afinal tem uns videos bem massa.

Anderson Paak - “Bubblin” VIDEO
August Greene - “No Apologies” AO VIVO
Bacao Rhythm & Steel Band - “Burn
Baloji - “Passat & Bovary
Batuk - “Move!” VIDEP
Beyoncé & Jay-Z (The Carters) - “Apeshit” VIDEO
Bishop Nehru - “Get Away
Chancha Via Circuito - “Ilaló” [feat. Mateo Kingman] VIDEO
Childish Gambino - “This Is America” VIDEO
Chloe x Halle - “Down” AO VIVO
David Byrne - “Everybody's Coming To My House” VIDEO
Drake - “Nice for What” VIDEO
Eminem - “Venom” VIDEO
Everything is Recorded - “She Said” [feat. Obongjayar & Kamasi Washington] VIDEO
Gorillaz - “Tranz
Hollie Cook - “Ghostly Fading
IAMDDB - “Drippy” VIDEO
J. Cole - “Photograph” 
Jack White - “Corporation” VIDEO
Janelle Monáe - “I Like That” VIDEO
Jungle - “Happy Man” VIDEO
Justin Timberlake - “Morning Light” [feat. Alicia Keys]
Kali Uchis - “After the Storm” [feat. Tyler the Creator & Bootsy Collins] VIDEO
Kamasi Washington - “Street Fighter Mas” VIDEO
Kanye West - “Yikes
Lady Leshurr - “Black Madonna” [feat. Mr Eazi] VIDEO
Leikeli47 - “Droppin
Lily Allen - “Waste” [feat. Lady Chann]
Little Dragon - “Lover Chanting
Little Simz - “Boss” VIDEO
Lykke Li - “Deep End” 
Mayra Andrade - “Afeto” VIDEO
Muzi - “Nu Day” [feat. Okmalumkoolkat] VIDEO
Nas - “Adam and Eve” [feat. The-Dream] AO VIVO
Neneh Cherry - “Kong” VIDEO
Nightmares on Wax - “Citizen Kane” [feat. Mozez & Allan Kingdom]
Noname - “Blaxploitation” VIDEO
Olamide - “Motigbana” VIDEO
Orquestra Akokán - “Otro Nível
Princess Nokia - “Your Eyes Are Bleeding” VIDEO
Pusha T - “If You Know You Know” VIDEO
Rosalía - “Malamente (Cap. 1: Augurio)” VIDEO
Skepta - “Pure Water” VIDEO
Sons of Kemet - “My Queen Is Doreen Lawrence
Starboy - “Soco” [feat. Terri, Spotless, Ceeza Milli & Wizkid] VIDEO
Sudan Archives - “Nont for Sale” VIDEO
Tank and the Bangas - “Spaceships” VIDEO
The Good, The Bad & The Queen - “Merrie Land” VIDEO
The Internet - “Beat Goes On” 
The Magnificent Tape Band - “Not That Kind of Woman” [feat. Rachel Modest]
Vaudou Game - “Tassi
Vince Staples - “FUN!” VIDEO
Young Fathers - “In My View

sábado, 29 de dezembro de 2018

60 discos brasileiros de 2018

após os discos gringos é a vez do produto interno bruto e esse ano a nacional também está um pouco menor. como sempre destacarei, em blocos, os preferidos pessoais dentre a lista maior de 60 lançamentos.

a criação de canções, essa instituição brasileira, continua muito bem obrigado. de São Paulo vieram Anelis Assumpção com seu Taurina e Maurício Pereira e o Outono no Sudeste. Anelis vem criando com muito tato e discrição uma belíssima carreira, autoral e pop, e Taurina talvez seja o melhor retrato (até agora) do muito que é capaz (o pai Itamar deve estar tão orgulhoso). enquanto isso, Pereira, velho conhecido da casa, segue mestre total da crônica urbana paulistana e de suas cruas delicadezas.



nesse bloco de canções as surpresas vieram do capixaba Juliano Gauche e do pernambucano Mestre Anderson Miguel. Gauche é artista que acompanho faz um tempinho e até já apareceu em listas passadas, mas nunca me pegou de jeito, faltava alguma coisa. Afastamento, que produziu em parceria com Fernando Catatau, é um disco poderoso, romântico, pop e psicodélico. Anderson Miguel, por outro lado, está no registro da música popular tradicional da Zona da Mata pernambucana, mas a produção de Siba, as participações de Juçara Marçal, Beto Villares e Jorge Du Peixe e sua própria juventude (o mestre tem apenas 22 anos!) fazem de Sonorosa uma moderna revisão das próprias raízes.

então vem o rap, o gênero mais inquieto, inclusivo, diverso e punk de todos (tanto aqui quanto no resto do mundo). nessa seara o baiano Baco Exu do Blues está dominando os holofotes e listas do ano com seu Bluesman, disco mais complexo em sonoridades que sua estreia em Esú, mas também com mais autoreferências, o que pode ser um problema no futuro (até quando se sustenta um universo umbigo?). vale também destacar a malandragem mineira de Djonga em O Menino que Queria Ser Deus, a psicodelia futurista de Edgar em Ultrassom (produzido por Pupillo), as jovens misturas do grupo capixaba Solveris em Vida Clássica e a ousadia conceitual e produção esmerada do veterano Marcelo D2 em Amar é Para os Fortes.


foto de João Wainer na capa de Bluesman de Baco Exu do Blues

e tem medalhões também. Caetano convocou os filhos Moreno, Zeca e Tom Veloso para uma série de shows e daí surgiu o belíssimo Ofertório, cujo repertório costura habilmente produções dos filhos com alguns clássicos do pai. tal qual Caetano, Elza Soares continua cercada de outras gerações (mais novas, claro) e interesse afiado no presente, daí que seu mais recente Deus é Mulher pode não ter o peso e a surpresa do antecessor A Mulher do Fim do Mundo, mas Elza tem o que dizer e cantar e muita força em tudo que faz. e não é que Erasmo Carlos fez praticamente o mesmo no belo Amor é Isso. sob produção de Pupillo, o Tremendão se reuniu a outras gerações tanto nas composições quanto em participações [Emicida, Marcelo Camelo, Nando Reis, Marisa Monte, etc], mas todos e todas lidando com o romantismo gigante gentil que é a sua marca. nesse bloco, menção honrosa para o excelente Jah-Van - Djavan Goes Jamaica, produção de BiD e Fernando Nunes que pegou parte do cancioneiro de Djavan e injetou reggaes, skas e dubs com auxílio de figuras como Criolo, Fernanda Abreu, Arnaldo Antunes, Rincon Sapiência, Zeca Baleiro, Black Alien, Ivete Sangalo e Seu Jorge.



da música popular brasileira ao pop propriamente dito é um pulo e aqui vale destacar o finíssimo pagodão eletrônico soul do baiano ÀTTØØXXÁ em Luvbox, o pancadão veloz do Heavy Baile em Carne de Pescoço e as diversas faces do pop brasileiro de Iza em Dona de Mim e Pabblo Vittar em Não Para Não (que mesmo mais estudado e menos espontâneo que o anterior, Vai Passar Mal, é bem acima da média).



chegando ao fim dos destaques, é a hora dos instrumentais. 2018 trouxe mais um disco potente do grupo paulistano Bixiga 70 em Quebra Cabeça, o retorno das experimentações dos pernambucanos d’A Banda de Joseph Tourton em A Banda de Joseph Tourton e a diversão multigênero do projeto The Universal Mauricio Orchestra, que reuniu pela primeira vez uma ruma de Mauricios (tem Mauricio Pereira e Mauricio Fleury, do Bixiga 70, e ainda Mauricio Badê, Mauricio Bussab, Mauricio Tagliari e Mauricio Takara).


fechando com chave de ouro os destaques da lista, dois discos “infantis” muito especiais: Guitarrada para Bebês, uma produção do guitarrista Félix Robatto (La Pupuña e Gaby Amarantos) que refaz hits paraenses em tom doce de caixa de música, e Iaiá e Os Erês, no qual Iara Rennó cria todo um mundo mágico com influências negras e indígenas, participações de Moreno Veloso, Andreia Dias e Luz Marina, e canções feitas em parcerias com crianças.



segue então a lista completa e em ordem alfabética com links para os discos inteiros no Spotify ou YouTube.

A Banda de Joseph Tourton - A Banda de Joseph Tourton
A Banda dos Corações Partidos - Desamor
Alice Caymmi - Alice
André Abujamra - Omindá
Anelis Assumpção - Taurina
Arnaldo Antunes - RSTUVXZ
ÀTTØØXXÁ - Luvbox
Baco Exu do Blues - Bluesman
Bixiga 70 - Quebra Cabeça
BK' - Gigantes
Cacá Machado - Sibilina
Caetano, Moreno, Zeca e Tom Veloso - Ofertório [Ao Vivo]
Café Preto - Oferenda
Carne Doce - Tônus
Cordel do Fogo Encantado - Viagem ao Coração do Sol
Daniel Groove - Levante
Diomedes Chinaski - Comunista Rico
Drik Barbosa - Espelho
Duda Beat - Sinto Muito
Edgar - Ultrassom
Elza Soares - Deus é Mulher
Erasmo Carlos - Amor é Isso
Félix Robatto - Guitarrada para Bebês
Gal Costa - A Pele do Futuro
Gilberto Gil - OKOKOK
Gui Amabis - Miopia
Heavy Baile - Carne de Pescoço
Iara Rennó - Iaiá e Os Erês
Illy - Vôo Longe
Inquérito - Tungstênio
Juliano Gauche - Afastamento
Karol Conká - Ambulante           
Kassin - Relax
Laura Lavieri - Desastre Solar
Luiza Lian - Azul Moderno
Mahmundi - Para Dias Ruins
Marcelo Cabral - Motor
Maria Beraldo - Cavala
Mauricio Pereira - Outono no Sudeste
Mestre Anderson Miguel - Sonorosa
Mundo Livre SA - Dança dos Não Famosos
Pabblo Vittar - Não Para Não
Quartabê - Lição #2: Dorival
Raphão Alaafin - A Gosto
Rodrigo Campos - 9 Sambas
Romulo Fróes - O Disco das Horas
Saulo Duarte - Avante Delírio
SDDS - SDDS
Silva - Brasileiro
Solveris - Vida Clássica
Tatá Aeroplano - Alma de Gato
The Universal Mauricio Orchestra - The Universal Mauricio Orchestra
Totonho e os Cabra - Samba Luzia Gorda
Verônica Ferriani - Aquário
Wado - Precariado

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

60 discos gringos de 2018

neste nono ano de blog e, consequentemente, de retrospectivas musicais, um fator mudou tudo: a chegada da minha filha Tereza. em termos práticos-ouvi muito menos música e demorei mais pra fechar as listas. o tempo agora é outro, afinal de contas. mas uma coisa não mudou. o mundo e o brasil continuam produzindo sons finíssimos, instigantes, inquietos e poderosos. e a retrospectiva musical do esforçado começa com a lista de discos gringos.

tanto lá quanto cá, o rap segue no comando. e assim vieram trabalhos recentes de alguns já conhecidos da casa, tais como Anderson Paak, Bishop Nehru, Vince Staples, Drake e Earl Sweatshirt; minas foda como Princess Nokia, Noname e Leikeli47; além de veteranos como Nas, Eminem, Pusha T, Common [no projeto 'August Greene'] e Kanye West [que no meio de suas loucuras pessoais e políticas, lançou um solo e uma parceria com Kid Cudi]. teve também o casal Beyoncé e Jay-Z assinando como The Carters o primeiro disco em parceria que, mesmo não chegando aos pés de seus recentes trabalhos solo, é recheado de sons interessantes. mas aqui o destaque vai para Dirty Computer de Janelle Monáe e KOD de J. Cole. Janelle criou seu mais sofisticado trabalho conceitual - tem filme, clipes que dialogam entre si e o escambau - e ainda por cima tratando de identidade, gênero, tecnologia e raça [sem falar na influência decisiva de Prince e nas participações de figuras como Brian Wilson e Pharrell]. por outro lado, J. Cole veio com mais um disco de rap pesado e cru, atual e memorialístico [é, digamos assim, o Damn de Kendrick Lamar do ano]. 


janelle monáe e j. cole

claro que tem também sons não ingleses que vão desde as misturas do congolês Baloji até a cumbia digital do argentino Chancha Via Circuito, passando pelo afrobeat via Togo e França do grupo Vaudou Game, o panafricanismo eletrônico do Batuk [que reúne o produtor sulafricano Spoek Mathambo à cantora moçambicana Carla "Manteiga" Fonseca] e a doçura dramática do cancioneiro latinoamericano visto mais uma vez pelos olhos de Natalia Lafourcade. o destaque aqui vai para um disco que certamente estará em todas as melhores listas por aí, El Mal Querer, da espanhola Rosália. com produção do excelente El Guincho, a jovem de Barcelona incorporou flamenco, eletrônica, religiosidade e juventude em fúria.



sempre tem sons instrumentais aqui na casa e este ano trouxe três discos maravilhosos: The Serpent's Mouth do grupo alemão Bacao Rhythm & Steel Band com versões funky tambor de aço para músicas de Mary J. Blige, Dr. Dre, Jackson 5, Mobb Deep e Gang Starr; e Your Queen is a Reptile dos ingleses Sons of Kemet [grupo liderado pelo saxofonista Shabaka Hatchings], um poderoso e nem todo instrumental tratado sobre a cultura feminina negra. mas valem também os discos novos de Kamasi Washington, Sonido Gallo Negro, Hailu Mergia e Idris Ackamoor & The Pyramids.



nesse último bloco os destaques vão para o grande David Byrne e seu American Utopia, disco cheio de camadas e achados; o soul psicodélico e dramático dos ingleses da Magnificent Tape Band e uma da grandes surpresas do ano, o discaço The Subtle Art of Distraction; e uma dose dupla de Damon Albarn, tanto em mais um disco do Gorillaz [The Now Now] quanto no retorno do excelente projeto The Good, The Bad & The Queen e um dos melhores discos de 2018, o dolorido Merrie Land. vale mencionar ainda os trabalhos novos de Sudan Archives e Santigold e o disco cheio do Everything is Recorded, projeto do produtor Richard Russel [e dono do selo XL Recordings] que reuniu gente da pesada como as irmãs Ibeyi, Sampha, Wiki e Kamasi Washington].



segue então a lista completa e em ordem alfabética com links para os discos inteiros no Spotify ou YouTube.

Akua Naru - The Blackest Joy
Ali Shaheed Muhammad & Adrian Younge - The Midnight Hour
AMMAR 808 - Maghreb United
Anderson Paak - Oxnard
August Greene - August Greene
Bacao Rhythm & Steel Band - The Serpent's Mouth
Batuk - Kasi Royalty
Beyoncé & Jay-Z - Everything Is Love
Bishop Nehru - Elevators: Act I & II
Brockhampton - Iridescence
Cat Power - Wanderer
Chancha Via Circuito - Bienaventuranza
Charles Bradley - Black Velvet
Chloe X Halle - The Kids Are Alright
David Byrne - American Utopia
DJ Vadim - Dubcatcher Vol. 3
Drake - Scorpion
Earl Sweatshirt - Some Rap Songs
Eminem - Kamikaze      
Gorillaz - The Now Now
Hailu Mergia - Lala Belu
Idris Ackamoor & The Pyramids - An Angel Fell
J. Cole - KOD
Jack White - Boarding House Reach
Janelle Monáe - Dirty Computer
Justin Timberlake - Man of the Woods
Kamasi Washington - Heaven and Earth
Kanye West - ye
Kanye West & Kid Cudi - Kids See Ghosts
Lee 'Scratch' Perry - The Black Album
Leikeli47 - Acrylic
Leon Bridges - Good Thing
Lily Allen - No Shame
Little Dragon - Lover Chanting EP
Lykke Li - so sad so sexy
Muzi - Afrovision
Nas - Nasir
Natalia Lafourcade - Musas Vol. 2
Neneh Cherry - Broken Politics
Noname - Room 25
Orquestra Akokán - Orquestra Akokán
Princess Nokia - A Girl Cried Red
Pusha T - Daytona
Rosalia - El Mal Querer
Sonido Gallo Negro - Mambo Cósmico
Sons of Kemet - Your Queen is a Reptile
Sudan Archives - Sink EP
The Good, The Bad & The Queen - Merrie Land
The Internet - Hive Mind
The Magnificent Tape Band - The Subtle Art of Distraction
The Mystery of the Bulgarian Voices - BooCheeMish
Thom Yorke - Suspiria
Vaudou Game - Otodi
Vince Staples - FM!
Young Fathers - Cocoa Sugar

sexta-feira, 27 de julho de 2018

ivam, o satyro

já tinha ouvido falar da revista helena, mas nunca tinha visto [fisicamente], muito menos lido e não sabia de onde era, quem fazia, etc. então, em fevereiro deste ano, um amigo virtual, o omar godoy, me chamou no inbox do facebook convidando pra colaborar pra revista [que então soube que era ligada à biblioteca do estado do paraná]. seria uma entrevista, depois virou um perfil, e vários nomes foram cogitados até ele sugerir o ivam cabral, ator, dramaturgo e co-fundador da companhia teatral os satyros.

daí fui, em 13 de março, entrevistar ivam em sua sala na sp escola de teatro e lá se foram bem duas horas de ótima conversa sobre assuntos dos mais variados, desde o nascimento no interior do paraná até os desafios de se fazer teatro autoral. tudo certo. mas não queria fazer um perfil normal e nem falar com outras pessoas para costurar uma reportagem. tempo passando, deadline esticando, rascunhos e rascunhos sendo jogados fora e nada daquele momento 'eureka' acontecer. já estava sem esperanças quando no final de março decidi acompanhar apresentação da peça mais recente do grupo, 'o incrível mundo dos baldios'. então fui lá pro espaço dos satyros na praça roosevelt, em são paulo, e em 1º de abril fui presenteado com um pequeno caos nos bastidores - uma atriz que, presa na estrada, não chegava à tempo da peça - que me deu todo o cenário para o perfil. coisas do acaso.

segue então o texto original - que tá bem próximo da versão que saiu na revista que, aliás, é muito bonita em formato e conteúdo - com algumas fotos minhas [na revista as fotos são do bróder rafael roncato].

ivam cabral no alto da sp escola de teatro, na praça roosevelt

O TEATRO QUE ABRE CAMINHOS

O Domingo de Páscoa parecia um domingo como outro qualquer para Ivam Cabral. O ator, diretor, dramaturgo, compositor, produtor e um dos fundadores do grupo teatral Os Satyros chegou, como de costume, uma hora e meia antes de entrar em cena no Espaço do Satyros Um, em São Paulo. Então, o paranaense da pequenina Ribeirão Claro, maquiou-se, colocou as calças e sapatos de seu figurino de andarilho e, de peito nu, bateu rapidamente o texto. Depois veio camisa, peruca, e estava pronto. Era só mais uma apresentação na temporada da mais nova peça de sua lavra, e 101ª da companhia, ‘O Incrível Mundo dos Baldios’.

Não demorou muito para um celular apitar aqui, outro vibrar acolá e uma preocupação palpável tomar conta do camarim a meia hora de começar a peça. “A Márcia está na altura de Jundiaí e está marcando aqui uma hora pra chegar”, diz uma das atrizes. Aos 55 de idade, Ivam sabe que pra tudo tem um jeito, mas não esconde a surpresa. “Isso nunca me aconteceu em 29 anos de Satyros. Já cancelamos peças por motivo de doença, afinal coisas acontecem, mas nunca porque um ator ou atriz não apareceu”, confidencia sem saber ou entender se o ônibus dela, a atriz Márcia Dailyn, quebrou vindo de Jales, ou se ela conseguiu ir até São José do Rio Preto e pegou carona de lá, ou se ela está vindo de táxi.

Por sorte, a atriz – que foi a primeira trans a se formar bailarina na Escola de Dança do Teatro Municipal de São Paulo – está na última das cinco pequenas histórias de ‘Baldios’, portanto é possível começar a peça e torcer pra que chegue a tempo. Ivam aproveita pra dar uma espiada na entrada do teatro e volta visivelmente frustrado: “Gente, uma catástrofe. Tem seis pessoas”. O final de um feriado prolongado e o tempo chuvoso explica facilmente a baixa presença, mas desde quando a peça estreou, em março, todas as sessões andavam lotadas [média de 70 pessoas por apresentação]. “Hoje é, realmente, um dia de exceções”, suspira.

Hora de uma reunião de emergência e ao redor de Ivam reúnem-se o pessoal da técnica, os outros doze atores e atrizes presentes e Rodolfo Garcia Vázquez, diretor, dramaturgo e co-fundador d’Os Satyros. “Sem a Márcia não tem essa cena final, e sem essa cena a peça não faz sentido”, diz Ivam já pensando em cancelar tudo, enquanto Rodolfo sugere atrasar a peça em meia hora e explicar a situação para o pessoal que já comprou ingresso. Se não quiserem esperar, o dinheiro será devolvido. A saída proposta por Rodolfo ganha e ele mesmo vai até a entrada do teatro fazer a proposta. Tudo certo. Não só topam como dizem que assim ganham mais tempo para outras cervejas e que talvez uns amigos consigam chegar. Mais meia hora, então. 

“O que a gente buscava e o que busca até hoje é fazer do Satyros um espaço libertário. Por exemplo, questões de gênero, imigrantes e refugiados, representatividade, periferia, transexuais, tudo isso a gente trabalha no Satyros desde sempre”.  E isso acontece desde que Ivam chegou a São Paulo, no início de 1989, e poucas semanas depois conheceu Rodolfo nos corredores da Escola de Comunicações e Artes, na USP. No 1º de abril daquele ano fundaram Os Satyros e no semestre seguinte estrearam a primeira peça do grupo.

Ivam trazia na bagagem uma infância repleta de literatura no seio familiar [cortesia da mãe, costureira e evangélica, que comprava romances e poesias de vendedoras ambulantes que passavam por Ribeirão Claro], uma adolescência com a descoberta da comunhão pública via música e teatro [cortesia da igreja que ficava a uma quadra da casa] e um início de vida adulta na corda bamba entre o pragmatismo [prestou Administração de Empresas e trabalhou no falecido Banestado] e o risco [largou Administração e foi para Artes Cênicas na PUC, em Curitiba]. 





“Não pensava em fazer teatro especificamente. Sabia que talvez pudesse circular entre música, teatro e literatura, mas sem ser uma coisa ou outra. Mais tarde, quando cheguei a São Paulo, meu sonho – e tenho depoimentos da época pra mostrar que não foi algo que falei depois – era ter um grupo de teatro que fosse importante, que contribuísse, que dialogasse com seu tempo e que indicasse novos caminhos. Nunca pensei em TV, em fama, em Globo”.  

De 1989 até agora, uma centena de peças depois, Ivam Cabral e Os Satyros receberam mais de 40 prêmios, participaram de inúmeros festivais nacionais e internacionais de teatro, criaram um festival próprio [Satyrianas], produziram um filme [‘A Filosofia na Alcova’] e encararam turnês por países como Alemanha, Estados Unidos, Inglaterra, Portugal, França, Espanha, Cuba e Ucrânia [foram a primeira companhia ocidental a se apresentarem no país após a queda do Muro de Berlim]. Também levaram aos palcos textos de Alfred Jarry, Heiner Muller, Gil Vicente, Goethe, Shakespeare, August Strindberg, Oscar Wilde, Nelson Rodrigues, Vange Leonel e, acima de tudo, Marquês de Sade. Mas desde que fincaram bandeira, em 2000, na lendária e paulistaníssima Praça Roosevelt, o grupo vem montado cada vez mais textos próprios, como é o caso de ‘O Incrível Mundo dos Baldios’.

“Somos uma espécie de Ogun, o cara que vai à frente, abrindo caminhos. Acho essa imagem do Ogum muito bonita. E acho que a função do artista é essa, né? Arte está aí pra causar estranhamento, pra fazer com que você não tenha certeza das coisas. Eu existo pra te confundir. Arte é isso”. Ivam olha o relógio e faltam quinze minutos para a peça começar, o que significa que é a hora da roda, aquele momento no qual toda trupe se energiza antes de entrar em cena.

Formam um círculo, dão-se as mãos e, antes de qualquer coisa, alguns recados são dados. Márcia ainda não chegou e pode ser que não consiga, prepararem-se portanto para algum improviso. Então, uma música começa a sair dos alto-falantes e parte do elenco começa a cantarolar baixinho, balançando o corpo de um lado para o outro. “Entra na minha casa / Entra na minha vida / Mexe com minha estrutura / Sara todas as feridas”, e cantam uma, duas vezes, cada vez mais alto, cada vez abrindo mais o sorriso. E a música acaba e todos gritam “Merda!”.



“Cada peça tem uma roda diferente. Por exemplo, essa música [‘Faz um milagre em mim’, pagode gospel de Regis Danese] aparece no final de ‘Baldios’, justamente na cena da Márcia. Ela é uma cantora que está prestes a fazer seu primeiro show com um cachê mais alto e erra o caminho, desce no ponto de ônibus numa quebrada, e encontra um casal de irmãos adventistas. Tudo isso em um 31 de dezembro. Aí, de uma forma bem natural, começamos a cantar essa música na roda”.

Todas as histórias de ‘Baldios’, todos os encontros de personagens, acontecem em um 31 de dezembro. E não é por acaso. “No final do ano passado fui pra Ushuaia, no fim do mundo. Era um lugar que eu queria conhecer. Pensei: é um lugar que me vai dar paz. É um dos lugares mais bonitos do mundo e eu não suportei. Não aguentei ficar lá. Claro que tinha a ver com meu irmão porque a gente viajava muito [um dos cinco irmãos de Ivam morreu em novembro do ano passado de câncer]. Enfim, foi horrível. Passei o dia 31 tentando sair de lá – vou ficar pagando cartão de crédito o resto da vida –, mas consegui e às 11 da noite estava chegando a Buenos Aires. Passei a meia noite em um hotel qualquer. Aí bateu aquela coisa, o mundo não tá nem aí pra mim. Quando você pensa que você é o centro, que a sua dor é o centro, quem é você, cara?! Que significa essa dor perto de tudo isso, dessa imensidão? Você não é nada.”


ivam e o fotógrafo rafael roncato


Essas questões existenciais de Ivam aliadas a uma permanente reflexão sobre espaços públicos como a vizinha Praça Roosevelt deram origem a ‘Baldios’. Afinal, como o próprio Ivam gosta de contar, a palavra ‘baldios’ tem dois significados muito distintos: no Brasil é algo inútil, sem proveito, abandonado; já em Portugal são terrenos comunitários, espaços de convívio, encontro. 

Quando Os Satyros chegaram à praça em 2000 encontraram abandono do poder público e antes mesmo de uma longa reforma mudar a cara do espaço, a trupe começou a acolher e dar trabalho a minorias que por ali vagavam, de ex-presidiários a adolescentes carentes da periferia, de travestis a traficantes. Esses encontros transformaram e enriqueceram a dramaturgia do grupo, enquanto os arredores da praça iam ganhando novas cores, bares e companhias teatrais como os Parlapatões. 

Todo esse renascimento da Roosevelt culminou na criação, em 2010, da SP Escola de Teatro. “É a maior escola de teatro da América Latina”, diz Ivam, sem esconder o orgulho de ser o responsável por reunir os colegas vizinhos em um projeto gratuito bancado pelo Governo do Estado de São Paulo que forma artistas em oito áreas [Atuação, Cenografia e Figurino, Direção, Dramaturgia, Humor, Iluminação, Sonoplastia e Técnicas de Palco]. “A criação dessa escola é a prova que nosso projeto de acolhimento deu certo e que dá pra sobreviver de teatro. Isso é possível aqui”.

Alguém avisa que Márcia já está na Marginal [Pinheiros ou Tietê, não sabem ao certo] e que, na verdade, está vindo de táxi do interior de São Paulo. Não tinha nada de ônibus quebrado. Ivam respira aliviado com a primeira notícia, ainda mais porque é chegada a hora de entrar em cena e o público pagante melhorou um pouquinho, de seis para treze. Mas essa história de vir de táxi do interior...

“Todos somos responsáveis por abrir, fechar ou indicar caminhos. Na poesia eu digo que não temos saída, que fracassamos enquanto humanidade, porque é preciso ter incertezas para se construir juntos. Mas sou otimista pra caramba, acredito muito no ser humano e nosso trabalho é um espelho disso também”. As cinco histórias/encontros de ‘Baldios’ são, efetivamente, um espelho dessa dialética d’Os Satyros, às vezes melancólica e noutras bem humorada.

Na costura humana de ‘O Incrível Mundo dos Baldios’, Ivam e Rodolfo reúnem um palhaço idoso e uma voluntária com seus próprios fantasmas, dois amigos buscando enriquecer rapidamente na quebrada, uma refugiada síria e um adolescente perdido, uma advogada em busca de uma morte digna acompanhada por seu melhor amigo e uma médica e, por fim, uma cantora e um casal de irmãos adventistas. Nessa hora, Márcia, que interpreta a cantora, entra em cena gritando –  “Tô chegando! Tô chegando!” – e toda a trupe ri, aliviada.


ivam e a torre da igreja da consolação, na praça roosevelt

Ivam, que interpreta um andarilho que “busca atender as promessas de pessoas que esperam por milagres para suas vidas” e costura todas as histórias, não perde a deixa e, em cena, manda um recado para sua atriz/personagem: “Ela vai ter que trabalhar muito para pagar os 1600 reais do taxista”. Gargalhada geral.

Tantos sustos depois, o Domingo de Páscoa de Ivam Cabral chega ao fim alimentado por aplausos de pé. “O que eu deixei de falar numa peça eu falo em outra. Esse processo de permanente construção que o teatro proporciona é o mais legal. E no Satyros eu posso tudo”.