na edição de março da Monet rolou texto sobre Conclave, filme mais recente do diretor suiço-alemão Edward Berger e com um elenco da pesada (Ralph Fiennes, John Lithgow, Stanley Tucci, Isabella Rossellini, etc). pesquisei bastante pra entender a história dos conclaves, seu modus operandi, e mal sabia eu, lá no início de fevereiro quando escrevi, que muito provavelmente teremos um conclave ainda este ano: Papa Francisco anda muito mal de saúde, então pode renunciar ou morrer mesmo. também quando escrevi ainda não tinha acontecido o Oscar, então acrescentei agora menção à estatueta por Melhor Roteiro Adaptado. no mais, boa leitura. e depois veja o filme que é um dos melhores dessa safra.
MIL TRUTAS, MIL TRETAS
Em Conclave, um dos fortes candidatos ao Oscar desse ano, a eleição de um novo papa é o pano de fundo para um thriller sobre mentiras, segredos e poder
Foi em março de 2013 que uma reunião do Colégio de Cardeais transformou o argentino José Mario Bergoglio em Papa Francisco I. Esse encontro de cardeais, convocados ao Vaticano após a renúncia ou morte de um papa, é chamado de conclave e não parecia que veríamos um tão cedo até surgir Conclave, filme do suíço-alemão Edward Berger que ganhou Globo de Ouro de Melhor Roteiro e está indicado em oito categorias no Oscar, incluindo Melhor Filme, Ator, Atriz Coadjuvante e Trilha Sonora [ganhou de Melhor Roteiro Adaptado].
Mas se no mundo real, os conclaves são um mistério guardado a sete chaves desde sua criação em 1268, no livro de Robert Harris e em sua adaptação cinematográfica, o evento é terreno fértil para um thriller eclesiástico cheio de politicagens, segredos, mentiras e traições, afinal homens de fé também são seres humanos. E essa bateção de barretes começa, justamente, com a morte de um papa.
De 15 a 20 dias após a vacância do posto papal, um conclave precisa começar para decidir o novo ocupante. No filme, a coordenação de um dos eventos mais importantes da Igreja Católica é dada ao cardeal Lawrence (Ralph Fiennes) que precisa seguir os ritos e manter o clima numa disputa silenciosamente violenta entre cinco cardeais: o americano progressista Bellini (Stanley Tucci), o italiano conservador Tedesco (Sergio Castellitto), o canadense moderado Tremblay (John Lithgow), o nigeriano conservador Adeyemi (Lucian Msamati) e, de última hora, o azarão mexicano Benítez (Carlos Diehz). Outra peça importante desse jogo é a Irmã Agnes (Isabella Rossellini) que ouve e sabe de tudo, e tem lá suas influências, mesmo sem ter nenhum poder de decisão.
Durante alguns dias, poucos mais de 120 cardeais votam secretamente buscando um novo papa em comum e as votações se sucedem – às vezes mais de uma vez por dia – até esse nome ser o preferido por dois terços do Colégio de Cardeais. Quando uma eleição é inconclusa, as cédulas de votação são queimadas juntas de uma mistura de perclorato de potássio, antraceno e enxofre e o resultado é uma fumaça escura que sai pelo céu do Vaticano. Porém, quando os cardeais finalmente decidem pelo novo papa, as cédulas vão ao fogo junto a clorato de potássio, lactose e colofónia e a fumaça sai branca. É a fumaça que todo mundo católico aguarda ansiosamente. Detalhe: as cédulas são queimadas em uma estufa construída em 1939 na parte superior da Capela Sistina.
O grande foco de Conclave está nesses poucos dias de “disputa eleitoral”, nesse processo tão fascinante quanto desconhecido. Pelas óbvias liberdades que toma (não custa lembrar que Conclave é uma obra de ficção), o filme foi duramente criticado por setores mais conservadores da Igreja Católica. Em uma resenha no site americano das Edições Paulinas, um crítico afirma que o longa “ofende ao pegar esse ritual sagrado que supostamente inspira fé, humildade e confiança na providência de Deus e o transforma em um comentário perturbador sobre a fraqueza e ambição humanas”. Já a organização americana Liga Católica pelos Direitos Religiosos e Civis afirmou que Conclave “é mais uma peça de propaganda anticatólica do que uma obra de arte”.
Ninguém da produção deu muita trela para essas isoladas críticas extremistas. Isabella Rossellini, uma das mais fortes candidatas ao Oscar de Atriz Coadjuvante, estudou em colégio de freiras e falou com tranquilidade para a jornalista Cecília Malan, no Fantástico, que “eu não via diferença entre minha mãe [a lendária atriz Ingrid Bergman], que era uma mulher muito livre, e as freiras, no sentido de que ambas escolheram a vida que queriam viver”. Muito elegantemente, Ralph Fiennes disse ao site RadioTimes.com que “há esse discurso muito interessante que Robert Harris dá ao meu personagem, sobre dúvida, a importância da dúvida, que choca muitos cardeais. Sem dúvida, não há mistério. Sem mistério, não há fé”.
Muito mais pragmático, o diretor Edward Berger afirmou ao site Hammer to Nail que soube do projeto de adaptar o livro Conclave em conversa com a produtora Tessa Ross e que o roteirista seria Peter Straughan, de O Espião Que Sabia Demais, Frank e O Pintassilgo. “Disse pra ela: ‘Peter Straughan é o melhor escritor do mundo.’ Porque o que ele faz é criar um tipo maravilhoso de enredo, como uma história que dá vontade de virar a página com muitas reviravoltas. Mas também sempre há algo mais profundo por baixo, um motivo do porquê estamos fazendo o filme; uma alma para o filme, como um arco interno. Neste caso, é o arco interno de dúvida do personagem de Ralph Fiennes. Você conhece aquele sentimento de ser oprimido pela dúvida e se sentir liberto por ela. Isso me fez querer fazer o filme, seu discurso sobre a dúvida”.
Depois, pensado melhor, começou a ver algo em comum entre Conclave e seu filme anterior, Nada de Novo no Front (que lhe lançou ao mundo ao levar 4 Oscar). “Os dois são sobre guerra. Uma é uma guerra física, a Primeira Guerra Mundial; a outra é uma guerra intelectual de mentes, um verdadeiro jogo de xadrez”, afirmou ao Hammer to Nail. Seguindo no mesmo raciocínio, Berger acredita “também que os protagonistas passam por um processo de libertação. Felix, o soldado, começa indo pra guerra com esse entusiasmo, e então passa a ter um sentimento de que foi traído. E lentamente, no final, ele se liberta. Ele encontra sua paz na morte. E igualmente Lawrence encontra sua paz quando abre a janela e deixa o ar voltar para sua vida; ar e luz”.
Um dos fortes candidatos ao Oscar de 2025, Conclave também ganhou elogios de diretores como Oliver Stone (JFK, Platoon, etc), Paul Schrader (A Marca da Pantera, Fé Corrompida, etc) e Colarie Fargeat (A Substância, outro forte candidato do ano), mas o mais entusiasmado foi Alexander Payne, de Sideways, Nebraska e Os Rejeitados.
Em artigo para o site da Variety, Payne diz que o diretor Edward Berger
usou em Conclave “a mesma imaginação e meticulosidade que ele colocou no
grande filme de guerra [Nada de Novo no Front] e foca como um cirurgião
em uma história contida sobre as intrigas e esquemas nos bastidores de quando
um papa morre. Você simplesmente não consegue acreditar o quão fascinante o
filme é - engraçado e cheio de suspense e tão bem escalado e bem atuado. Berger
tem a qualidade milagrosa de fazer algo que você nunca esquece que é um filme,
mas ao mesmo tempo, é como se você estivesse realmente lá. São filmes muito
diferentes, mas compartilham um tema consistente. Ambos são sobre desmascarar
instituições poderosas e revelar os egos massivos que dão as cartas para as
massas - egos alternadamente nobres e ignóbeis, principalmente o último”.
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