quarta-feira, 2 de setembro de 2009

"esse negócio de 'musa da pornochanchada' é um rótulo, né?"

não fazia ideia, mas a atriz helena ramos, a musa de olhos obliquos do cinema brasileiro da década de 1970, mora muito perto da minha casa aqui em são paulo. dei um pulo lá, junto com o fotógrafo jefferson dias (autor das imagens que ilustram esse post), para uma reportagem pra revista monet de agosto. fiquei com a impressão que helena não é do tipo que pensa sobre a carreira ou que corre atrás de projetos próprios (pessoais ou não); ela simplesmente vai lá e faz. talvez por isso esteja afastada dos holofotes. não acho que seja uma boa atriz, mas tem uma presença inegável na tela e esteve numa série de filmes importantes em uma carreira que durou intensos dez anos.

dois agradecimentos públicos: a jefferson dias, que liberou essas imagens inéditas (as duas que entraram na revista são outras), e a beto ismael, editor do blog o pornochancheiro, que tirou de seu arquivo pessoal as fotos que ilustraram a matéria na revista (algumas estão aqui).


p.s.: o canal brasil comemora 11 anos neste mês e está de sinal aberto e com uma programação especialmente matadora, com direito a um show inédito de seu jorge, os documentários santiago de joão moreira salles e loki - arnaldo baptista, pedrinha de aruanda de maria bethânia, nova temporada do tarja preta do selton mello e essa retrospectiva de helena ramos, entre outras atrações.

MULHER DE TODOS

Helena está lá no fim do corredor, esperando, toda arrumada. O sol da manhã paulistana banha sua presença com muita delicadeza e dá para notar que ela sabe muito bem como se colocar sob uma luz favorável, mesmo afastada do cinema há mais de vinte anos. Atriz-símbolo da pornochanchada brasileira, Helena Ramos atuou em 42 filmes em um intenso período que durou exatos dez anos e uma parte considerável de sua filmografia, 16 longas, estará na tela do Canal Brasil em uma retrospectiva especial. A voz inconfundivelmente pequena nos convida, repórter e fotógrafo, a entrar em seu apartamento térreo.

“Tinha até separado umas fotos. Deveriam estar aqui, não estão mais. A gente vai emprestando... é que tô fazendo meu site e acho que foi pra lá. É que também sou artista plástica e vou colocar lá meus quadros”, desculpa-se apontando para alguns exemplares de seu novo trabalho artístico espalhados pelas paredes da sala. Paulista de Cerqueira César, distante 300 km da capital, Helena Ramos nunca pensou em ser atriz. Nascida em 1953, a caçula de cinco irmãos queria ser médica, mas seus pais se separaram muito cedo e sua infância/adolescência acabou sendo tumultuada por isso. Estudou em um colégio de freiras em Campos do Jordão e depois, já em São Paulo, trabalhou como balconista de farmácia e lapidadora numa fábrica de cristais até sua vida mudar, em 1971, quando foi com a mãe no programa de Silvio Santos, então na TV Globo. O próprio apresentador a convidou para ser “telemoça”, uma espécie de assistente de palco, e lá se foi Helena fazer cenário durante três anos.

Então veio o cinema. O diretor Roberto Mauro convidou a moça tímida, muito católica e na flor de seus 20 e poucos anos para um papel em um filme de título sugestivo: As Cangaceiras Eróticas. “Foi um baque porque não tinha intenção de ser atriz. Não achei que fosse conseguir ficar nua. Quase fui embora, era muito imatura, só que foi muito legal. Ali decidi meu destino. Depois comecei a ver que maravilha era o cinema. Via os copiões, o que a gente filmava durante o dia, e adorava saber da parte técnica, das câmeras, do jogo de lentes, da luz pra colocar de acordo com o clima da cena.” Sim, Helena Ramos ficou nua na estreia, mas só um pouquinho.

Durante os cinco anos seguintes participou de inúmeros longas como coadjuvante, desde comédias malucas como Kung Fu Contra as Bonecas e Bacalhau, ambas dirigidas por Adriano Stuart em 1975, até dramas como Lucíola, o Anjo Pecador, baseado em romance de José de Alencar. “[Ficar nua] ajudou a me sentir mais segura, a me deixar mais desinibida, porque era do tipo que tinha vergonha de tudo. E o ator, acima de qualquer coisa, não pode ser preconceituoso. Se tiver pudores nunca será um grande ator. Foi isso que fui eliminando.”

Em 1979, Helena tornou-se protagonista em Iracema, a Virgem dos Lábios de Mel, outra adaptação de José de Alencar, e a matemática era simples: mais tempo na tela, mais partes do corpo in natura. Claro que a essa altura isso já não era mais um problema. “Todo mundo diz isso, mas é verdade que o ambiente de filmagem era muito profissional. Agora, as cenas eróticas eram difíceis de fazer, pelo menos pra mim, porque era complicado passar toda aquela intenção, passar uma verdade dentro de uma grande mentira.”

A atriz seguiu caprichando em filmes lendários como Mulher, Mulher, de Jean Garret, e Convite ao Prazer, de Walter Hugo Khoury, mas foi em 1981, quando a pornochanchada começava a dar seus últimos suspiros de prazer, que veio seu maior sucesso. Último dos quatro filmes dirigido por Silvio de Abreu, que dividia seu tempo com uma iniciante carreira de escritor de novelas, Mulher Objeto cristalizou de vez Helena Ramos no imaginário masculino nacional. Invariavelmente ela era distante, aparentemente frígida, mas de uma hora para outra podia perder a cabeça, subir as paredes, fazer loucuras, virar olhinhos, enfim, vocês entenderam. “Esse negócio de ‘musa da pornochanchada’ é um rótulo, né? Nunca gostei, achava depreciativo porque fiz filmes muito interessantes, que foram muito significativos na época, mas sabe como é a mídia, né? Quando cisma com um negócio, é aquilo, é aquilo e não tem jeito.”

O ano de 1984 marcou a última (até agora) participação da atriz em um set de cinema (no filme Volúpia de Mulher). A escolha por cuidar de sua única filha, nascida em 1982, e seguidas turnês de teatro pelo interior do país a afastaram do cinema e da TV, veículos em constante transformação. Cansada de esperar por convites foi com a filha para os Estados Unidos, no início da década de 1990, onde estudou fotografia e artes plásticas para se reinventar. “Não perdi interesse por atuar não, imagine. Adoro minha arte, gosto de representar. Mas é que às vezes as coisas não acontecem, simplesmente não acontecem.”
Importante então é não se perder, apesar de eventuais portas fechadas. Helena tem planos de uma exposição de seus quadros e, acima de tudo, de um programa de entrevistas com o pessoal mais trabalhador e menos glamouroso do cinema, os técnicos. É uma paixão sua que pouca gente conhece. Mas quer mesmo é voltar a atuar. “Exercitar a arte de representar te faz mais humano. A gente passa a entender melhor as pessoas e aceitá-las como são.” Musa desinibida de outrora, Helena Ramos quer se perder no meio dessa gente.
Confira abaixo a programa completa da retrospectiva:

dia 08.09, terça, 0h30 - Retratos Brasileiros - Helena Ramos (2009) + As Cangaceiras Eróticas (1974)
dia 09.09, quarta, 0h30 - Convite ao Prazer (1980)
dia 10.09, quinta, 0h30 - As Mulheres Sempre Querem Mais (1974)
dia 11.09, sexta, 0h30 - Lucíola, O Anjo Pecador (1975)
dia 15.09, terça, 0h30 - Possuídas pelo Pecado (1976)
dia 16.09, quarta, 0h30 - Iracema, A Virgem dos Lábios de Mel (1979)
dia 17.09, quinta, 0h30 - Crazy – Um Dia Muito Louco (1981)
dia 18.09, sexta, 0h30 - O Clube das Infiéis (1974)
dia 22.09, terça, 0h30 - Mulher, Mulher (1979)
dia 23.09, quarta, 0h30 - Palácio de Vênus (1980)
dia 24.09, quinta, 0h30 - As Intimidades de Analu e Fernanda (1980)
dia 25.09, sexta, 0h30 - Mulher Objeto (1981)
dia 29.09, terça, 0h30O - Bem Dotado – O Homem de Itu (1977)
dia 30.09, quarta, 0h30 - Volúpia de Mulher (1984)
dia 1º.10, quinta, 0h30 - Noite em Chamas (1978)
dia 02.10, sexta, 0h30 - Corpo e Alma de Mulher (1983)


jeffeson dias prepara o foco na garagem do prédio que helena ramos
mora em são paulo

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