segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

pelas marginais os pretos agem como reis

doze anos separam o atual cores e valores do anterior disco de inéditas do racionais mcs, nada como um dia após o outro dia. o que era caudaloso e prolixo no início dos anos 2000, tornou-se sintético, curto e direto nos impressionantes 32 minutos de duração neste trabalho de agora. densos e afiados eles permanecem.

fui ao show de lançamento, neste sábado 20 de dezembro, do cores e valores no grande, feio e com som péssimo espaço das américas. e foi bem interessante ver e ouvir pela primeira vez esses tempos e músicas diferentes do racionais em uma mesma noite. 


mas antes, um flashback rápido... quando li o texto do andré caramante, o primeiro a sair com mais informações sobre o novo disco, pouco antes de seu lançamento oficial em 25 de novembro, bateu uma frustração. pouco mais de meia hora? faixas de dois minutos ou menos? tanto tempo pra tão pouco? e músicas sensacionais como “mulher elétrica” não ganharão registro oficial?

então, na madrugada deste 25 de novembro, enquanto os estados unidos ferviam em chamas por mais um policial branco sendo inocentado pelo assassinato de um negro [sim, ferguson], veio cores e valores. uma, duas audições depois, a frustração virou euforia [quer dizer, ainda sobrou um pouco de frustração, pois quero mais racionais, mais e mais, e não só eu; por sorte teve disco solo do edi rock no ano passado e ano que vem tem solo de mano brown e outro com ice blue e helião; os caras estão produzindo bastante].

euforia porque é um disco poderoso - mesmo que não tenha canções épicas como “negro drama”, “vida loka”, “homem na estrada” e “capítulo 4, versículo 3”- e acredito que vai melhorar com o tempo. principalmente se for o primeiro capítulo de uma série, ou uma nova fase, como disse mano brown em entrevista a rolling stone [“o álbum não acaba ali. ele só pavimenta o caminho para uma nova estrada”]. é também uma mistura veloz de memórias [de mano brown e edi rock, basicamente], ficções [o lado gangsta dos ladrões de banco da capa/contracapa do disco] e crônicas das mudanças sociais e desigualdades permanentes na periferia paulistana da última década.


então, quase um mês após o lançamento, cores e valores chegou pela primeira vez ao palco. apesar do, repito, som péssimo [acústica idem] do espaço das américas, que prejudicou alguns momentos do show [não dava pra entender algumas partes de edi rock], taí um disco que faz muito mais sentido ao vivo, principalmente pela força cênica do racionais.  estavam lá uma fachada de caixa forte de banco como cenário principal, com direito a torres de vigilância e kl jay e outros dois djs [cia e ajamu] no alto da muralha, motos atravessando o palco, uma caçamba, helião, lino crizz, b-boys mascarados e mano brown, ice blue e edi rock, ríspidos e atentos, sempre com muito o que dizer.

toda a primeira parte do show foi de cores e valores - mas acho que não na ordem do disco - e ao vivo as rimas ganham sempre novas camadas. porque racionais mcs é muita informação reunida, muitas imagens criadas, muitos corações machucados por metro quadrado, e os 32 minutos desse disco costuram isso tudo em um roteiro intricado e moderno. ao vivo ganha suor e dramaticidade.


parte considerável do público - estimativa de umas 7 mil pessoas - já sabia algumas letras de cor: “preto zica”, “finado neguim” [tem vídeo logo abaixo], “você me deve” e “quanto vale o show?”, pelo que me lembro. primeira parte foi intensa com aquele ar de expectativa por testemunhar a primeira apresentação de um trabalho novo de um dos maiores grupos da história musical brasileira.

a segunda parte foi de relaxamento, pois vieram os hits e o bicho pegou de vez. “negro drama”, “homem na estrada”, “eu sou 157” e “vida loka [partes 1 e 2]”, por exemplo, colocam todas e todos para cantar junto, alto, e gesticular muito. gente de tudo que é tipo, certamente o público mais variado que vi nos últimos anos em são paulo. claro que tinha quem estava lá pela “balada” ou que se preocupava mais em filmar e se filmar do que assistir ao show, mas no geral rolou uma entrega coletiva.

e olha que, como quase sempre, eles não facilitaram: o show, que foi precedido por pequenas apresentações do obstinados [grupo da zona sul e não de osasco como escrevi antes; valeu cleiton magnum, nos comentários], dexter e negra li, só foi começar depois de 1 da manhã e acabou lá pelas 3, sem mais ônibus, metrô ou trem. também não teve discurso, nada de mano brown, e tirando ice blue que se jogou pra galera no final, não houveram afagos para o público. não importa. eles são como aqueles mestres orientais, rigorosos e poéticos, e podem muito bem dar uma cajadada em nossas cabeças porque certamente sabem de algo que a gente nem desconfia [e talvez nem eles saibam conscientemente]. somos o que somos.


p.s.: ano passado vi racionais na virada cultural e escrevi um texto sobre o classicão sobrevivendo no inferno para o livro indiscotíveis [lote 42], que foi lançado este ano, que acabou com show do disco novo cores e valores e marcou os 25 anos de carreira do grupo. tá pouco de racionais, manda mais.

Um comentário:

Cleiton Magnun disse...

Estive lá também, bela resenha.
 
Obs.: Os meninos do Obstinados não são de Osasco, e sim da Zona Sul de SP.
 
Abraço.