doze anos separam o atual cores e valores do anterior disco de inéditas do racionais mcs, nada como um dia após o outro dia. o
que era caudaloso e prolixo no início dos anos 2000, tornou-se sintético, curto
e direto nos impressionantes 32 minutos de duração neste trabalho de agora. densos
e afiados eles permanecem.
fui ao show de lançamento, neste sábado 20 de dezembro, do cores e valores no grande, feio e com
som péssimo espaço das américas. e foi bem interessante ver e ouvir pela
primeira vez esses tempos e músicas diferentes do racionais em uma mesma noite.
mas antes, um flashback rápido... quando li o texto do andré
caramante, o primeiro a sair com mais informações sobre o novo disco, pouco
antes de seu lançamento oficial em 25 de novembro, bateu uma frustração. pouco
mais de meia hora? faixas de dois minutos ou menos? tanto tempo pra tão pouco?
e músicas sensacionais como “mulher elétrica” não ganharão registro oficial?
então, na madrugada deste 25 de novembro, enquanto os
estados unidos ferviam em chamas por mais um policial branco sendo inocentado pelo
assassinato de um negro [sim, ferguson],
veio cores e valores. uma, duas
audições depois, a frustração virou euforia [quer dizer, ainda sobrou um pouco
de frustração, pois quero mais racionais, mais e mais, e não só eu; por sorte
teve disco solo do edi rock no ano passado e ano que vem tem solo de mano brown
e outro com ice blue e helião; os caras estão produzindo bastante].
euforia porque é um disco
poderoso - mesmo que não tenha canções épicas como “negro drama”, “vida
loka”, “homem na estrada” e “capítulo 4, versículo 3”- e acredito que vai
melhorar com o tempo. principalmente se for o primeiro capítulo de uma série, ou
uma nova fase, como disse mano brown em entrevista a rolling stone [“o
álbum não acaba ali. ele só pavimenta o caminho para uma nova estrada”]. é também
uma mistura veloz de memórias [de mano brown e edi rock, basicamente], ficções [o
lado gangsta dos ladrões de banco da capa/contracapa do disco] e crônicas das mudanças
sociais e desigualdades permanentes na periferia paulistana da última década.
então, quase um mês após o lançamento, cores e valores chegou pela primeira vez ao palco. apesar do, repito, som
péssimo [acústica idem] do espaço das américas, que prejudicou alguns momentos do
show [não dava pra entender algumas partes de edi rock], taí um disco que faz
muito mais sentido ao vivo, principalmente pela força cênica do racionais. estavam lá uma fachada de caixa forte de banco
como cenário principal, com direito a torres de vigilância e kl jay e outros
dois djs [cia e ajamu] no alto da muralha, motos atravessando o palco, uma
caçamba, helião, lino crizz, b-boys mascarados e mano brown, ice blue e edi
rock, ríspidos e atentos, sempre com muito o que dizer.
toda a primeira parte do show foi de cores e valores - mas acho que não na ordem do disco - e ao vivo as
rimas ganham sempre novas camadas. porque racionais mcs é muita informação reunida,
muitas imagens criadas, muitos corações machucados por metro quadrado, e os 32
minutos desse disco costuram isso tudo em um roteiro intricado e moderno. ao
vivo ganha suor e dramaticidade.
parte considerável do público - estimativa de umas 7 mil
pessoas - já sabia algumas letras de cor: “preto zica”, “finado neguim” [tem
vídeo logo abaixo], “você me deve” e “quanto vale o show?”, pelo que me lembro.
primeira parte foi intensa com aquele ar de expectativa por testemunhar a
primeira apresentação de um trabalho novo de um dos maiores grupos da história
musical brasileira.
a segunda parte foi de relaxamento, pois vieram os hits e o
bicho pegou de vez. “negro drama”, “homem na estrada”, “eu sou 157” e “vida
loka [partes 1 e 2]”, por exemplo, colocam todas e todos para cantar junto, alto,
e gesticular muito. gente de tudo que é tipo, certamente o público mais variado
que vi nos últimos anos em são paulo. claro que tinha quem estava lá pela “balada”
ou que se preocupava mais em filmar e se filmar do que assistir ao show, mas no
geral rolou uma entrega coletiva.
e olha que, como quase sempre, eles não facilitaram: o show,
que foi precedido por pequenas apresentações do obstinados [grupo da zona sul e não de osasco como escrevi antes; valeu cleiton magnum, nos comentários], dexter e negra li, só foi
começar depois de 1 da manhã e acabou lá pelas 3, sem mais ônibus, metrô ou
trem. também não teve discurso, nada de mano brown, e tirando ice blue que se
jogou pra galera no final, não houveram afagos para o público. não importa. eles
são como aqueles mestres orientais, rigorosos e poéticos, e podem muito bem dar
uma cajadada em nossas cabeças porque certamente sabem de algo que a gente nem
desconfia [e talvez nem eles saibam conscientemente]. somos o que somos.
p.s.: ano passado vi racionais na virada
cultural e escrevi um texto sobre o classicão sobrevivendo no inferno para o livro indiscotíveis [lote 42], que foi
lançado este ano, que acabou com show do disco novo cores e valores e marcou os 25 anos de carreira do grupo. tá pouco
de racionais, manda mais.
Um comentário:
Estive lá também, bela resenha.
Obs.: Os meninos do Obstinados não são de Osasco, e sim da Zona Sul de SP.
Abraço.
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