novo frila pra Revista Monet e dessa vez sobre um dos mestres mais mestres de todos os mestres, o grande Martin Scorsese, e sua obra prima mais recente, o dolorido e grandioso Assassinos da Lua das Flores. é uma história de amor, fraqueza, ambição, capitalismo, racismo e muito mais. impressiona, acima de tudo, o vigor com que Scorsese segue dirigindo e pensando do alto de seus pouco mais de 80 anos.
UM ESPETÁCULO ÍNTIMO
Martin Scorsese reuniu em Assassinos da Lua
das Flores seus dois atores preferidos para recriar um capítulo sangrento e
pouco conhecido da história americana
Aos 81 anos de idade, Martin Scorsese acumula mais de 5 décadas de
carreira, quase 30 longas, e ainda documentários, séries de TV/streaming,
curtas, comerciais e até clipes. Mas em nenhum momento de sua longa carreira
ele se mostrou tão disposto e empenhado em divulgar um filme quanto o seu
trabalho mais recente, o épico Assassinos da Lua das Flores. Programas
matinais, podcasts, talk shows, quem lhe chamar pode ter certeza que lá ele
estará, animado e falando sem parar.
Seu ânimo não é gratuito, afinal o longa é um projeto caro ao seu
coração desde que o abraçou em 2017, mesmo ano do lançamento do livro de não
ficção que o originou: Killers of the Flower Moon: The Osage Murders and the
Birth of the FBI, de David Grann. O filme começou de um jeito, mas não
fluía, não ia para frente, e enquanto Scorsese não desenrolava o novelo, ainda
dirigiu O Irlandês. Tudo estava pronto para as filmagens de Lua das
Flores começarem finalmente em março de 2020, mas a pandemia derrubou tudo
e acabou, por mais irônico que possa parecer, salvando o filme.
“O livro é maravilhoso, mas no começo eu, enquanto cineasta, senti que estava fazendo algo que já tinha visto antes. E então, quando já tínhamos quase dois anos de trabalho, Leonardo (DiCaprio) uma hora me perguntou - onde está o coração do filme? Foi aí que vi que a história da criação do FBI, a partir dos assassinatos de membros da tribo Osage, definitivamente não era e que o coração do filme estava na história de amor, confiança e traição entre Mollie e Ernest Burkhast”, disse Scorsese após a primeira apresentação pública do filme, em maio, no Festival de Cannes. Ao seu lado, sua Mollie (Lily Gladstone) e seu Ernest (Leonardo DiCaprio).
“O livro é maravilhoso, mas no começo eu, enquanto cineasta, senti que estava fazendo algo que já tinha visto antes. E então, quando já tínhamos quase dois anos de trabalho, Leonardo (DiCaprio) uma hora me perguntou - onde está o coração do filme? Foi aí que vi que a história da criação do FBI, a partir dos assassinatos de membros da tribo Osage, definitivamente não era e que o coração do filme estava na história de amor, confiança e traição entre Mollie e Ernest Burkhast”, disse Scorsese após a primeira apresentação pública do filme, em maio, no Festival de Cannes. Ao seu lado, sua Mollie (Lily Gladstone) e seu Ernest (Leonardo DiCaprio).
A pandemia serviu, nesse caso específico, para que Scorsese
tivesse tempo para maturar, ao lado do roteirista Eric Roth, a total mudança de
foco do filme. “Esse tempo serviu para pensar o que é importante na vida, então esse filme
nasceu disso, mudou e cresceu por causa disso”, completou. As filmagens
começaram pra valer em abril de 2021 e terminaram em outubro, e antes, durante
e depois, Scorsese mergulhou profundamente na história trágica dos Osage.
Ficou sabendo que após forçados deslocamentos impostos pelo
governo americano no século 19, os Osage foram parar naquela região esquecida e
pouco fértil das pradarias de Oklahoma (Scorsese filmou Lua das Flores
nas locações reais da história). Contavam que ali não seria perturbados pela invasão
branca ao meio oeste do país. Só que, no início do século 20, petróleo foi
encontrado na região e os Osage ficaram ricos, muito ricos. No entanto, os nativos
eram considerados “incompetentes” judicialmente, um ótimo pretexto para que tutores
brancos administrassem seu dinheiro e suas posses. Não demorou muito para
surgirem casamentos interraciais, todos de olho na herança da terra e da sua
crescente produção de petróleo.
Entram em cena, Mollie, uma nativa Osage, e seu marido branco
Ernest. O casal é o centro da história sobre uma série de assassinatos de
homens, mulheres e crianças Osage – alguns parentes de Mollie, tais como irmãs
e mãe – em poucos meses do ano de 1921. Execuções, “acidentes”, envenenamento,
explosões, um pouco de tudo aconteceu aos Osage e a alguns apoiadores brancos
da tribo. Numa tentativa desesperada, e já com saúde debilitada, Mollie
consegue ir a Washington D.C. e chama atenção do governo federal para essas
mortes. Ela havia herdado os direitos de suas parentes e, consequentemente, se
via como a próxima vítima.
Um jovem J. Edgar Hoover, chefe do Bureau of Investigation (futuro
FBI), decidiu com alguma relutância pegar o caso, afinal de contas os
territórios dos povos originários são de competência federal e as autoridades locais
não faziam ou não queria fazer nada a respeito. Em investigação capitaneada por
Thomas White (Jesse Plemons) não se demora muito para encontrar alguns
responsáveis por alguns dos crimes e, para a surpresa dos próprios Osage, o
principal se dizia grande amigo, defensor da tribo e influente cidadão de bem.
Seu nome, William King Hale (Robert De Niro), tio de Ernest, marido de Mollie.
Ernest, aliás, também foi condenado, e Mollie sobreviveu ao envenenamento de
que estava sendo vítima.
Nada disso é spoiler, pois tudo que acontece em Assassinos da
Lua das Flores é de saber público. O que importa a Scorsese não é quem
matou, pois quase todos os brancos envolvidos com os Osage à época tiveram
alguma responsabilidade direta ou indireta sobre os crimes. E ainda hoje não se
sabe sobre a autoria da maiores dos crimes daquela época. O que importa é como
manipulações, traições, racismo e violência estão no cerne da construção da
América moderna.
“Eu queria fazer justiça aos Osage para que o espectador pudesse
sentir a imensidão da tragédia. E também quis fazer um espetáculo, mas um
espetáculo interno, quis essa combinação”, explica Scorsese sobre a combinação
de grandes planos de paisagens e ação, com planos fechados de amor e abandono.
Na coletiva do filme em Cannes, também estava presente o atual
líder dos Osage, Chief Standing Bear, que deu uma emocionada declaração. “Bem
no início da produção do filme perguntei ao Sr. Scorsese qual era a visão dele
sobre a história. Ele disse - vou contar uma história sobre confiança,
confiança entre Mollie e Ernest, confiança entre o mundo exterior e os Osage, e
a profunda traição dessa confiança. Meu povo sofreu muito e sofre até hoje as
consequências desses acontecimentos. Mas hoje posso falar em nome dos Osage que
Martin Scorsese e sua equipe restauram essa confiança e sabem que ela nunca
será traída”.
SCORSESE E SEUS DUPLOS
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