segunda-feira, 27 de setembro de 2010

nollywood não é aqui

não sei se vocês sabem, mas a pobre e devastada nigéria possui a terceira maior indústria cinematográfica do mundo, perdendo apenas para os estados unidos (hollywood) e índia (bollywood), e é disso que trata o excelente documentário nollywood babylon (2008). produção canadense dirigida pela dupla ben addelman e samir mallal, o filme logo trata de dar essa informação e ainda capricha nos detalhes, afinal na última década, o país produz uma média de 2500 filmes por ano, sendo que a grande maioria custa no máximo 15 mil dólares, e as pessoas tem o costume de assistir de 3 a 5 filmes por dia. quer dizer, esse papinho de se eu fosse você 2, nosso lar, chico xavier, é tudo bobagem pros nigerianos. é bilheteria de pinga. saca só o trailer do documentário.



mas antes de seguir falando sobre o filme é bom esclarecer que a nigéria não é nada pobre, na verdade. sua grande população de mais de 150 milhões de pessoas é, mas o país possui grandes reservas de petróleo e é uma das economias que mais cresce no continente africano. claro que as pessoas não vem a cor desse dinheiro e seguem vivendo na pobreza, abaixo da pobreza, em grandes periferias sem serviço público algum. colonizada pela inglaterra, a nigéria se declarou independente em 1960 e durante quatro décadas se debateu entre golpes militares de estado, guerras civis, violência étnica e todo tipo de inferno que costuma de abater sobre a áfrica. desde 1999 vive em uma democracia relativamente tranquila, apesar de eleições fraudulentas e da região do delta do rio niger ainda ser palco de violentos conflitos entre minorias étnicas e corporações petrolíferas estrangeiras. de novo, esse "ouro negro" não chega nas pessoas e o país é muito atrasado em todos os índices possíveis, de educação a saneamento básico e assim por diante. nós aqui no brasil sabemos bem como uma ditadura militar pode atrasar o desenvolvimento de uma sociedade.



mas voltemos a nollywood babylon. o documentário foi quase todo filmado em lagos, a maior cidade e centro econômico do país (14 milhões de pessoas), uma cidade que "é como um jardim que cresceu sem um jardineiro" (nas palavras do escritor odia ofeimun, um dos melhores entrevistados do filme). quase não existem mais cinemas na nigéria (sobraram apenas três em lagos que não exibem nenhum filme de nollywood) e toda a produção é assistida nas casas, em bares, enquanto os filmes são vendidos em camelôs, seguindo mais ou menos o mesmo esquema de venda e distribuição que acontece com o tecnobrega em belém do pará. o produto chega diretamente e de uma forma muito rápida a quem mais se interessa por ele. não tem erro.

e os diretores do documentário vão conversando com atores, atrizes, populares e acompanham a produção de bent arrows, o 157º filme de lancelot imasuen, um dos mais conhecidos e bem sucedidos cineastas de nollywood. evangélico e falastrão, lancelot deixa claro que os nigerianos consomem de tudo, de todos os gêneros, e como quase todo mundo afora dão privilégio a fantasia, mas que seja produzida e estrelada por eles. e por esses caminhos ficamos sabendo de um cineasta considerado pioneiro na cena, eddie ugbomah (de filmes como death of a black president, de 1983), que critica a grande quantidade de filmes produzidos no país ("é claro que se são produzidos 15 filmes em uma semana, a maioria certamente será uma porcaria"). também ficamos sabendo que o filme que é considerado um marco inicial de nollywood é o longa living in bondage (1992). ah, olha só o trailer de bent arrows.



o filme já seria ótimo se somente tratasse dessa grande e descentralizada indústria popular (e de sua consequente manifestação cultural e suas várias facetas), mas os diretores vão ainda mais longe ao problematizar uma importante questão: um dos motivos do sucesso de nollywood é seu aspecto aspiracional para uma grande camada da população, só que o "aspiracional" nos filmes é conservador, mágico, externo. além do já citado escritor odia ofeimun, o historiador onookome okome também joga lenha nessa fogueira. são eles que dizem que a crise geral no país pós-guerras civis empurrou boa parte da população para novas igrejas pentecostais. as pessoas procuram salvação em algo externo (o céu, o paraíso) e não na produção de bens e serviços (por exemplo, as indústrias viraram igrejas) e o cinema não fala disso, e ocasionalmente ainda demoniza a tradição "pagã" africana em filmes evangelizadores. esse esquema predatório de "filme feito rapidamente é dinheiro rápido" não pensa em médio e longo prazo, na construção de uma linguagem/tradição cinematográfica nigeriana. enfim, o grande filme nigeriano ainda não foi feito. será que o veremos?

p.s. 1: a nigéria é um dos países culturalmente mais ricos da áfrica, principalmente na música, afinal foi lá que nasceu fela kuti, o pai do afrobeat (que teve muitos problemas com os militares nas décadas de 1970 e 80). curiosamente, fela kuti não aparece na ótima trilha que traz artistas locais e estrangeiros como the anambra beats, the funkees, dan satch & his atomic dance band of aba, nekwaha semi colon, the hykkers, the nigerian police force band, george akaeze & his augmented hits, dele ojo & his star brothers band, opotopo, tony benson sextet, leo fadaka & the heroes, afrikan boy, chicago afrobeat project e konono nº1.

p.s. 2: pouco antes de nollywood babylon foram feitos outros documentários sobre o cinema nigeriano: welcome to nollywood, this is nollywood e good copy, bad copy, todos de 2007.

p.s. 3:
no site izogn movies é possível assistir filmes de nollywood on-demand.

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