vinte
e um anos se passaram, a ong lançou outros discos – destaque para red hot + rio (1996, sobre bossa nova), onda sonora: red hot + lisbon
(1998, sobre portugal, áfrica portuguesa e um pouco de brasil), red hot + riot (2002, sobre fela kuti) e dark was the night (2009) – e no ano passado veio red
hot + rio 2 (2011), o décimo sétimo desse projeto surpreendentemente
longevo e de alta qualidade. enfim, ouvi o disco duplo (34 músicas) ali por
volta de setembro e gostei bastante de muita coisa, mas quando chegou a hora de
fazer as listinhas com os melhores do ano não sabia se colocava nos gringos (a produção
geral é de lá) ou nos nacionais (afinal a onda do trabalho é rever o
tropicalismo e, não contei, mas acho que mais da metade dos artistas envolvidos
ou músicas são brasileiros). travei nisso e o disco não entrou em nada, nem
entre as músicas. puta sacanagem. então pensei em fazer uma postagem só pra ele
como uma espécie de recompensa. ontem, numa passada rápida na fnac pinheiros,
vi que tinham lançado aqui (som livre) e que o preço estava bem honesto
(22,90). era a deixa e lá fui eu ouvir pela quinta ou sexta vez.
a
produção musical de red hot + rio 2
é do brasileiro béco dranoff em parceria com paul heck e john carlin (mario
caldato jr. e kassin foram consultores) e a proposta é rever o tropicalismo das
mais diversas formas musicais, misturando artistas, brasileiros e gringos,
remixes, gerações, clássicos da época e músicas novas, o nosso bom e velho
samba do criolo doido. o disco 1 se chama red,
enquanto o disco 2 é o hot. não
existe nenhuma diferença conceitual perceptível a olhos nus entre um e outro.
red
essa
“baby”, com aloe blacc e alice smith, abre o disco, é uma delícia
de ouvir (mesmo com alguns cacoetes eletrônicos lounge do que acabou virando a
drum’n’bossa), e tem o plus a mais da presença de blacc, que puta voz, cantando
versos caetânicos e com um pandeiro ao fundo. na sequência vem a sempre
sensacional “tropicalia”, que o beck lançou
no seu mutations (1998), e que aqui
ganha o reforço suingado de seu jorge,
inclusive cantando uma versão da letra em português. então, de repente, aparece
o pessoal do clube da esquina com “um girassol da cor do seu cabelo”, só que
cantada pela americana mia doi todd e o
sueco-argentino josé gonzález. a
linda música de lô e márcio borges é cantada em português (impossível
traduzí-la) e sobrevive com dignidade. dá pra ver que eles provavelmente foram
os que mais capricharam no “brasileiro” e fizeram um belo arranjo folk, só que
com muito mais camadas e texturas. e a música seguiu doce como sempre.
coco
quadron, a vocalista do duo dinamarquês quadron, é muito simpática,
mas acaba destruindo “samba de verão”
(marcos valle, que é da segunda geração da bossa nova, pré-tropicalista
portanto) com sua tentativa de português (e, com mil diabos, a letra em inglês
é até boa e ela não arriscaria o pescoço). a parte musical é um tanto mais
lenta, meio barzinho, mas se sustenta. daí vem “boa reza”, canção de vanessa da mata cantada em dueto
com seu jorge e com a companhia luxuosa do grupo almaz.
não dá pra entender porque, conceitualmente, a música estaria nesse disco
“pós-tropicalista”, mas ela é boa demais para se perder por aí com sua pegada
afro-brasileira, religião, guitarra massa de lúcio maia e batuque. bem, talvez
seja isso.
o
soulman john legend aparece com
sua “love i’ve never know”e a coloca em ritmo de bossa leve com pandeiro. boa
de ouvir, mas sem surpresas. já “nascimento (rebirth) – cena 2” eu não entendi
muito bem a proposta, confesso, mas tem aloe blacc novamente, e de um jeito
mais solto e moderno, e clara
moreno (filha de joyce e nelson angelo) fazendo uns “eparará-pumdê-pumdêé”.
é eletrônica em algumas partes e não sei bem o que isso quer dizer. então é a
vez de curumin, certeza de som
bacana, que faz uma ótima regravação de “ela” (gilberto gil), devidamente
remixada pelo produtor americano ticklah
(antibalas, easy stal all-stars e dap kings). e a “baby” de aloe blacc e alice
smith volta reprocessada como “old dirty baby dub version” pelo produtor
canadense doc mckinney.
sei lá, não cola muito e nem dub é, na verdade.
uma
das boas surpresas do disco é a versão de “um canto de afoxé para o bloco do
ilê” feita pelo coletivo superhuman
happiness (que tem gente do antibalas, fenomenal handclap band, passion
pit, tv on the radio e the roots) com a banda cults, todos americanos. é bem
próxima da original verdade seja dita, mas consegue ter uma diversão própria
com direito a um delicioso sax safado oitentista que lembra o do mauricio
pereira n’os mulheres negras. e do nada aparece um tal de om'mas keith (the sa-ra creative partners) que
se derrama cafonamente em “mistérios”, mas como a música é de joyce, e eu tenho lá meus problemas de
ouví-la, passei disperso, batido. tudo muda em “aquele abraço” com clima de
festão multicultural unindo forró
in the dark, brazilian girls
e angélique kidjo, que faz um breque de
gala rimando na língua que ela fala em benin e que não faço ideia qual seja.
mia
doi todd volta com uma versão bem respeitosa de “canto de iemanjá”, quem é um
dos clássicos afrosambas de baden e vinicius, o que significa que o tom fica
mais solene e quebra o ritmo do disco. que não melhora com “terra”, com o
próprio caetano cantando em 1978, e remixada muito discretamente, quase
preguiçosamente, pelo prefuse 73 (maior
frustração do disco, talvez). aí vem a linda “nu com a minha música”, que
caetano lançou no outras palavras
(1981), e aqui é cantada com muita delicadeza por marisa monte, devendra banhart e rodrigo amarante. desce que é
uma boniteza. e bebel gilberto,
muito espertamente (o que tem sido raro nos últimos tempos), faz um “acabou
chorare”no estilo menos é mais, fechando um ciclo de quase 40 anos, já que foi
ela falando ainda bebê que inspirou o nome da música (joão gilberto ia no sitio
dos novos baianos em campo grande, rio de janeiro, e contava histórias de sua
filha bebel). pra encerrar o disco vermelho, “dreamworld: marco de canavezes”, parceria
de caetano veloso e david byrne, gravada originalmente em onda sonora: red hot + lisbon e uma
ótima batucada eletrônica em homenagem a carmen miranda (que nasceu em marco de
canaveses, portugal).
hot
o
disco quente começa com essa música aí logo acima. zach condon e seu pessoal do
beirut já tocavam “o leãozinho” em shows, então a escolha veio naturalmente
e o resultado é um belo caetano melancólico tendo como base um cavaquinho
claramente não brasileiro (uma levada meio ukelele). já o pessoal do tha boogie pegou “panis et circensis” e a transformou em
um rockinho com timbres parecidos com o strokes (ou seria coldplay?) e nada
mais que isso. difícil errar “bat macumba”, principalmente se forem mantidos a
psicodelia e o batuque, e os americanos do of
montreal ainda por cima contam com a presença guitarrística de sérgio dias (mutantes). tudo em casa.
e
olha o clube da esquina novamente! “tudo o
que você podia ser”, de lô e márcio borges, surge com marcos valle e a phenomenal handclap band,
cuja vocalista laura marin manda um bom português. arranjo acertado com
teclados vintage e guitarra distorcida. daí que vem joyce, em carne, osso, voz
e “banana”(gravada originalmente em feminina,
1980) e não tem madlib (e um
tal de generation match) que salve essa bossa hippie de louvor às coisas
naturais brasileiras.
agora,
pós-tropicalismo mesmo é reunir marina
gasolina (ex-bonde do rolê), o produtor francês secousse (etienne tron) e “freak le boom boom”,
clássico pop trash de gretchen. o resultado é sensacional e certeza de sucesso
em qualquer pista (e ainda rolou, fora do projeto, um remix mais pesado feito pelo pessoal do
cansei de ser sexy). enquanto isso, o sambinha poliglota “tropical affair” me
pareceu confuso, meio com cara de publicidade, apesar das fortes presenças de thalma de freitas, money mark (beastie
boys) e joão parahyba (trio
mocotó). fortemente latina desde seu surgimento em 1967, “soy loco por ti,
américa” (gilberto gil e capinan) veio no disco em interpretação de carlinhos brown
(ou seria carlito marrón?) com os cubanos dos los van van e órgão de
money mark. tudo direitinho, no jeito.
já
“roda”, música pré-tropicalista de gilberto gil gravada originalmente por elis
regina em 1966, ganha uma nova cara com os ótimos arranjos de sopros da orquestra contemporânea de olinda (e
os vocais de maciel salu e tiné) e um ótimo breque rimado sob responsabilidade
de emicida. a qualidade continua lá no
alto com “berimbau”, outro afrosamba de baden e vinicius só que menos solene,
que no disco é cantada lindamente pela cabo-verdiana mayra andrade com acompanhamento
suingadão do trio mocotó. outra
voz feminina atual e das melhores, a de céu, protagoniza uma ótima “it´s a
long way” (do espetacular transa,
1972) acompanhada do produtor apollo nove, joão
parahyba, betão aguiar e os djs zegon e squeak e. clean (do projeto n.a.s.a.).
mais
pós-tropicalismo no encontro dos pernambucanos dj dolores, otto, fred 04, isaar e chico science (in memoriam) com o
cigano punk ucraniano global eugene hutz (gogol bordello). é “a cidade”, que
continua muito atual em tempos de pinheirinho, favela do moinho e cracolândia,
exemplos recentes de como o poder público (no caso, o governo de são paulo) se
une a especulação imobiliária para bater e expulsar viciados e sem-teto, pobres
todos, de áreas cobiçadas. a cidade não para, a cidade só cresce, o de cima
sobe, o de baixo desce.
taí
um pouco do encontro de tom zé, os americanos
do javelin e “ogodô, ano 2000”,
uma das músicas mais profundamente tropicalistas do baiano e que aqui ficou em
boas mãos. é outra canção difícil de ser estragada. como também é o caso da
jobiniana “águas de março”, que no disco ganha versão inspirada com fernanda takai e moreno veloso nos vocais
e o alemão atom™ (señor coconut) e
o japonês toshiyuki yasuda
nas programações. não entendi “show me love”, do grupo twin danger de vanessa bley, dentro do conceito do
disco. quer dizer, é uma bossinha de tempos atuais, mas falta mistura, falta
molejo. então vem rita lee com “pistis
sophia”, um lamento sertanejo moderno (muito mutantes) com participação de joão
parahyba. e aí o disco quente se encerra com uma faixa bônus, a linda “um dia
desses” em dueto de kassin e cibelle (essa música foi gravada originalmente por
adriana calcanhotto no disco maré,
2008, e é um poema de torquato neto musicado por kassin). uma música de amor
interiorano bem brasileira toda riscada por intervenções eletrônicas. coisa mais linda. diga se não?
discos-tributo
são sempre irregulares, impossível ser diferente, mas red hot + rio 2 é repleto de grandes achados e encontros, e faz um
bom apanhado do que foi e por onde se encontra o nosso tropicalismo em tempos
globais.
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