ATENÇÃO! CANTORA EM MOVIMENTO
O tempo fechou. Assim de um dia para outro o sol desapareceu
e uma garoa ameaçou cair. O resultado direto destes humores da natureza foi a
transferência da entrevista e sessão de fotos, anteriormente marcada no Parque
do Ibirapuera. Por sugestão da cantora Marina de la Riva mudamos de mala e cuia
para um lugar totalmente diferente, uma loja de roupas femininas nos Jardins.
“Tem um café lá dentro, é tranqüilo e bonito também”, explica via celular.
Estreante em disco, mas de sólida carreira nas noites paulistanas, Marina chega
toda sorrisos apesar do clima esquisito lá fora. Talvez esteja feliz pela ótima
receptividade de seu trabalho solo. Talvez a moça seja assim naturalmente. Tudo
é talvez até a conversa começar.
“Os senhores vêm sempre aqui?”, brinca ao oferecer um copo
de água ao fotógrafo e ao repórter. É que a copeira não aparecia e Marina resolveu
ir para trás do balcão e fazer algo. Sede é fogo. “A música sempre foi um
negócio tão importante pra mim que não pensava em me profissionalizar. Era uma
intimidade com a família, eram os discos da minha avó, uma música que meu pai
cantava. A música era como uma placenta passando informações emocionais e
intelectuais. Uma forma de viver a saudade deles”. Saudades de Cuba. O pai e
uma parte da família paterna da cantora saíram da ilha em exílio e vieram dar
com os costados em Baixa Grande da Leopoldina, município de Campos dos
Goytacazes (RJ). A mãe mineira também estava pelas bandas e assim Marina de la
Riva nasceu.
Mas antes da música sair de sua esfera íntima, Marina passou
cinco anos fazendo faculdade de Direito. Estudava as leis à noite e durante o dia
trabalhava com a família em uma criação de búfalos. Adorava os búfalos, mas não
as leis. Após se formar, a vida de Marina sofreu a primeira virada: casou,
mudou-se para São Paulo e teve um filho (que hoje tem 11 anos). “Aí, depois de
um tempo, separei, mas continuei em São Paulo. Pensei, vou aproveitar essa
cidade da melhor forma possível. Fiz aulas de canto lírico e comecei a cantar
com algumas bandas para me encontrar musicalmente. Geralmente cantava jazz. A
última em que cantei era muito interessante, chamava-se Alta Fidelidade e fazia
um jazz eletrônico. Quero muito fazer um trabalho paralelo com eles porque o
som é eletrônico, mas muito orgânico, com metais, bateria e um baixista
incrível”.
Só que faltava algo. Não era isso ou não era bem isso. E em
2004, Marina teve a resposta em mais uma virada na sua vida. “Fui à premiação
do Grammy e vi o show do [pianista cubano] Bebo Valdés com o [cantor espanhol]
Diego Cigala. Nem consegui ver direito o show porque chorei o tempo todo. Ali,
naquela hora, entendi o que estava doendo tanto em mim e o que tanto procurava
fora, sendo que a história era dentro. No vôo de volta ao Brasil peguei um
caderno e escrevi todo o projeto deste disco: onde ia gravar, como ia gravar, a
qualidade dos músicos, a sonoridade, o tipo de microfone, o repertório, o que
era cubano gravaria em Cuba, o que era brasileiro no Brasil”. A princípio,
Marina não iria gravar nada brasileiro, mas quando pisou em solo cubano sentiu
vontade de colocar seu lado materno para cantar. Viu que precisava unir
musicalmente as duas pontas de sua vida e seguir em frente.
Peraí, mas não rolava nenhuma música cubana em seus tempos
de cantora da noite? “Verdade verdadeira? Não. Quer dizer, de vez em quando
alguém pedia porque sabia da minha família, mas essas músicas eram íntimas
demais. Nunca neguei minha raízes cubanas, afinal sempre que me pediam eu
cantava, mas não achava que tinha quer cantar aquilo. Era como uma carta da avó
que você não deixa todo mundo ver. É uma coisa sua, e eu adoro a reserva, acho
que fortalece o espírito”.
Esta reserva unida a um talento natural fez com que a
cantora conseguisse reunir em seu disco de estréia figuras como Davi Moraes,
Pepe Cisneros, Webster Santos, Toninho Ferragutti, Papi Olviedo, Ricardo
Castellanos e o convidado especial Chico Buarque. E não é todo dia que se pode
ouvir, em um mesmo disco, Ernesto Lecuona (“Mariposa”), Dona Ivone Lara (“Sonho
meu”), Chano Pozo (“Tin tin deo”), Sivuca (“Adeus Maria Fulô”), Miguel
Matamoros (“Juramento”), Silvio Rodríguez (“Te amaré y después”), Ernesto
Grenet (“Drume negrita”) e Joubert de Carvalho (“Ta-hí! (Pra você gostar de
mim)”). Marina de la Riva conseguiu costurar dentro de si e registrou
harmoniosamente em disco duas das culturas musicais mais fortes do mundo. Tem
motivos de sobra para distribuir sorrisos em dias nublados.
“A música é o que me interessa, por isso não sou restrita.
Precisava escolher uma fotografia, uma identidade verdadeira, para me
apresentar. Acho que o processo criativo é como um trem, uma Maria Fumaça...
adoro Maria Fumaça... ela é muito pesada e difícil de colocar em andamento, mas
depois existe tanta energia que basta mais carvão que ela vai. Com esse meu
movimento musical outras coisas estão abrindo e te digo uma coisa, a sensação
de sonhar, projetar e realizar é muito boa”. A locomotiva Marina de la Riva não
pode (e nem quer) parar.
p.s. 1: recuperei esse texto porque lá no uol fiquei sabendo que a cantora está prestes a lançar disco novo (idílio), cinco longos anos após sua estreia. primeira música e clipe a sair deste trabalho, "voy a tatuar-me" é inédita do cubano amaury gutierrez.
p.s. 2: e aqui o registro da participação no projeto 3namassa. nessa música, especificamente, marina conseguiu a proeza de fazer uma versão a altura da original cantada por thalma de freitas.
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