CRESCENDO NO TRABALHO
Um dos atores que mais
trabalha no cinema brasileiro, Caio Blat lança dois longas ao mesmo tempo e
comemora a maturidade de seus novos personagens
Caio Blat está cansado. Dormiu pouco, acordou no Rio de
Janeiro, pegou ponte aérea e veio até São Paulo para divulgar Uma Longa Viagem, novo longa de Lúcia
Murat. Poucas semanas antes estava em outro batidão de entrevistas, dessa vez
sobre Xingu, de Cao Hamburger. Sem
falar que é pai de um menino de 2 anos, Bento, primeiro fruto de seu casamento
com a atriz Maria Ribeiro. Com tudo isso acontecendo ao mesmo tempo, não é
surpresa lhe flagrar soltando um ou outro bocejo entre perguntas e respostas.
“Fazer um filme é um esforço tão grande, um desgaste tão
descomunal, que normalmente quando termino um me dá vontade de ir para o
extremo oposto”, revela sobre as diferenças entre os dois filmes que
protagoniza e que chegaram juntos aos cinemas. Xingu é um épico sobre a expedição dos irmãos Villas-Bôas por
desconhecidas terras indígenas nos anos 1940, com grande elenco e filmagens em externas.
Já Uma Longa Viagem é um documentário
pessoal, no qual Blat, sempre sozinho em cenas filmadas dentro de um casarão,
interpreta as cartas escritas na década de 1970 pelo irmão da cineasta Lúcia
Murat em suas perambulações pelo mundo. Essas cenas se alternam com imagens de
arquivo e entrevistas com o próprio Heitor Murat.
“Minha carreira é pautada por essa busca pela diversidade.
Quando termino um filme de violência quero fazer um de amor. Quando termino um
de amor quero fazer, sei lá, um documentário. Esse é um dos valores que me
move”, e por isso acabou desistindo de atuar em A Montanha, de Vicente Ferraz, sobre a participação brasileira na
Segunda Guerra Mundial (Daniel de Oliveira entrou em seu lugar). Seria muito
parecido com sua experiência em Xingu
e o deixaria outros meses longe do filho pequeno.
Foi assim que ele partiu de uma grande aventura histórica
para essa “viagem absolutamente intimista” retirada do baú de memórias de Lúcia
Murat e seu irmão Heitor. “Fiquei comovido com o convite porque o material com
que ia trabalhar eram cartas muito íntimas com histórias familiares de muita
dor, dificuldades, perdas... era como se ela me chamasse para dentro da família.”
E lá se foi Blat ser o irmão mais novo, aquele que mandado a Londres para não
se meter na luta contra a ditadura – a irmã Lúcia foi torturada e ficou presa
por 3 anos e meio – acabou por cair no mundo em busca de sua própria
identidade. O que os irmãos descobriram em suas jornadas e o que se perdeu no
caminho calaram fundo no ator. “Foi uma surpresa ver uma pessoa que passou por
processo tão maluco de adoecimento e alienação se revelar de uma tremenda
lucidez e uma auto-ironia muito forte. Não foi à toa que ele queria ir pra
Índia, afinal lá os loucos são considerados iluminados. O Heitor questiona
nossa sociedade de uma forma muito genial e autêntica.”
Mas Uma Longa Viagem
marcou também o reencontro de Blat com uma época que muito lhe interessa e na
qual esteve outras vezes, afinal o curta O
Quintal dos Guerrilheiros (2005) e os longas O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006) e Batismo de Sangue (2007) também se
passam entre o fim da década de 1960 e início dos anos 70. “É que [nessa época]
tem essa predisposição de ir para o mundo, de questionar tudo e todos, de
querer romper com a família e as instituições, novas formas de consciência,
novas formas de comportamento... acho que a minha geração [ele nasceu em 1980] que
já cresceu na democracia nunca vai ter a dimensão do que é viver em um país sob
a ditadura, de ter que lutar por liberdade de expressão.”
Esse movimento pendular de uma época entender a outra, de
uma geração dialogar com outras, sempre o acompanhou. Foi assim com sua paixão
pelos livros desde os tempos de criança, começando pelos romances de mistérios
e crimes escritos por Agatha Christie (1890-1976) e seguindo pela poesia de
Castro Alves (1847-1871) e Álvares de Azevedo (1831-1852). Lendo sempre e
trabalhando muito, Blat foi construindo uma carreira variada, com novelas para
toda família (Um Anjo Caiu do Céu, Da Cor do Pecado e Caminho das Índias), filmes densos (Lavoura Arcaica, Quanto Vale
ou é por Quilo? e Bróder),
trabalhos mais leves (O Bem Amado, Histórias de Amor Duram Apenas 90 Minutos
e As Melhores Coisas do Mundo) e até,
espírita que é, longas que versam sobre sua crença (Bezerra de Menezes - O Diário de um Espírito e As Mães de Chico Xavier).
“Comecei muito novo [a atuar] então meus trabalhos se
aproveitaram dessas diversas fases. Tinha uma cara de menino, então isso me
manteve durante muitos anos fazendo personagens que tinham certa pureza, mas
também fiz filmes fortes com diretores com linguagens muito diferentes como
Cláudio Assis (Baixio das Bestas) e
Hector Babenco (Carandiru), que
inclusive não se bicam”, relembra.
Após lançar Xingu
e Uma Longa Viagem, Blat aguarda a
finalização de Corpo Fechado, o primeiro longa de Luiz Henrique Rios, diretor
de novelas da Rede Globo, baseado em contos do livro Sagarana de Guimarães Rosa. Também está
filmando A Pele do Cordeiro, novo
filme de Paulo Morelli (Cidade dos Homens),
e daqui alguns meses voltará a colocar os pés no Projac para atuar em Lado a Lado, novelas da faixa das 6.
“Essa trajetória me enriqueceu muito, ajudou a criar minha
própria linguagem e me deu vontade de interferir mais no processo, tanto que
dos últimos sete ou oito filmes que fiz também sou produtor associado. Fora que
de uns quatro ou cinco anos para cá comecei a interpretar adultos e foi uma conquista
importante. Alcancei uma maturidade nos personagens”, explica o jovem adulto
que teima em esconder com uma vasta barba sua eterna cara de menino curioso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário