MERGULHOS SOLO
Com dois monólogos
simultaneamente em cartaz, o ator João Paulo Lorenzon investiga o amor e as
perdas a partir de obras literárias
A campainha toca e quem primeiro surge é um grande dog
alemão latindo. Logo atrás vem João Paulo Lorenzon para tranquilizar e abrir portas. “Não se preocupe; ele é que nem o [Jorge Luís] Borges, cego e manso”,
diz o ator de 33 anos recém-completos. A citação não é nada gratuita, pois o
escritor argentino é uma figura recorrente na carreira desse artista que vem se
especializando em monólogos teatrais. Mas tudo a seu tempo.
Lorenzon recebe a reportagem da Brasileiros no Espaço
Mágico, lugar em que ensaia e dá aulas para não-atores. Provavelmente esse seu
lado de professor explique a voz mansa e bem colocada, mas é o ator que fala
mais alto transformando impactos emocionais íntimos em solos à flor da pele. E
sua história nos palcos começou bem cedo, mesmo que tenha demorado a ser
assumida. “Minha primeira aparição foi lá no [Teatro] Vento Forte. Ilo Krugli, o
argentino que fundou o grupo, fazia um Diabo que falava ‘Ninguém pode me deter’.
Lembro que estava fantasiado e puxei minha espada de plástico, devia ter uns 6
ou 8 anos, e disse ‘Eu posso!’. Logo percebi o que tinha feito, ultrapassei uma
parede ali, então soltei a espada e fiquei chorando no colo da minha vó,
morrendo de vergonha.”
Mais velho, no ensino médio, Lorenzon se encontrou novamente
com o teatro. “Foi no colégio que percebi que gostava desse mundo da fantasia,
de poder ser todos e não ter que escolher uma única coisa, ser uma única coisa.
Também acho que tive na infância uma dose de lirismo exagerado porque era muito
ligado a minha avó materna e a casa dela era cheia de redes, dragões, totens,
música alta, desenhos pra cima e pra baixo.” Mas não havia meio de se
desvencilhar daquele momento de vergonha infantil no Vento Forte e prestou
Direito, formou-se e até passou no exame da OAB. Ao mesmo tempo insistia e
durante esse período participou de uma montagem de Rei Lear, com Raul Cortez, foi dirigido por Elias Andreato,
arriscou-se no cinema (De Cara Limpa)
e se manteve dando aulas.
Até que foi aceito no Núcleo Experimental do Sesi, deixou
essa história de advocacia e ficou na companhia teatral por três anos, em uma fase
que define como de estruturação e formação. “Quando saí do Sesi queria montar
uma coisa pessoal, mas não tinha pensando em um solo. Era mais procurar algo
que me encantasse. Tinha vários fragmentos e me deparando com o material do [Jorge
Luís] Borges é que percebi que poderia ser bonito estar sozinho. Um homem
lidando com sua poesia, seu silêncio, sua memória e a possibilidade do infinito
na sua solidão.” Daí que nasceu Memória
do Mundo (2008), um ou vai ou racha para Lorenzon, um acerto de contas com
seus próprios fantasmas em relação a profissão. Saiu dele vivo e, feliz e
finalmente, certo de seu caminho.
Seguiram-se novos voos solo: O Funâmbulo (2009), de Jean Genet, e De Verdade (2010), baseado no livro do húngaro Sandor Márai. “Já no
De Verdade quis mostrar o fracasso
amoroso numa espécie de afogamento lento”, relembra. No entanto uma série de
dificuldades técnicas impediu a realização desse projeto como havia sido
imaginado e somente no final da temporada é que, em um daqueles providenciais
acasos, o ator conheceu o artista plástico Maurizio Mancioli e seu Acquabox.
Como já era tarde demais, e sem sentido, refazer De Verdade, o jeito foi criar um novo espetáculo, Água (2011).
Numa série de mergulhos dentro de um cilindro com 2,5 metros
de água, Lorenzon interpreta os muitos e variados momentos do amor a partir de
textos de autores como Umberto Eco, Clarice Lispector, Carlos Drummond e
William Blake. “Diferente dos meus outros solos, onde fui tomado por um impacto
emocional, no Água fui tomado por uma
ideia. Pensei, isso vai ficar bonito.”
Agora, enquanto Água
continua em cartaz até fim de junho, o paulistano estreia seu quinto solo, Eu Vi o Sol Brilhar em Toda sua Glória. É
um novo encontro com o texto de Jorge Luís Borges (1899-1986), mas dessa vez
apontando para perdas maiores que as do amor. “É sobre como nós somos feitos do
que perdemos”, resume e logo se coloca como exemplo. “Sinto que encontro a
minha palavra melhor quando fecho os olhos. Tem uma ‘brincadeira’ com a cegueira
do Borges, mas também tem isso de se despir da aparência e ir para uma coisa
anterior.” Em busca de perguntas e respostas. Mais perguntas que respostas.
ÁGUA
Espaço Parahaus, até
24/06, sextas e sábados às 21h e domingos às 19h
EU VI O SOL BRILHAR EM
TODA A SUA GLÓRIA
SESC Consolação, até
25/06, segundas, às 21h
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