segunda-feira, 18 de junho de 2012

sozinho (aparentemente)

agora é a hora de começar a colocar aqui a série de frilas que antecedeu minha entrada (semana passada) na editora três como editor do site da revista istoé, entre outras coisas. nova fase começando, novidades e desafios a dar com o pau, incluindo o fim da minha coluna no yahoo (mas essa é outra história porque ainda rolará uma despedida por lá). por aqui, a minha edição de um perfil que fiz para a edição de junho da brasileiros. é o resultado de pouco mais de uma hora de conversa ótima com joão paulo lorenzon, ator paulistano conhecido por seus monólogos. seus dois últimos trabalhos ainda estão em cartaz, últimas apresentações (serviço lá no final).




MERGULHOS SOLO

Com dois monólogos simultaneamente em cartaz, o ator João Paulo Lorenzon investiga o amor e as perdas a partir de obras literárias

A campainha toca e quem primeiro surge é um grande dog alemão latindo. Logo atrás vem João Paulo Lorenzon para tranquilizar e abrir portas. “Não se preocupe; ele é que nem o [Jorge Luís] Borges, cego e manso”, diz o ator de 33 anos recém-completos. A citação não é nada gratuita, pois o escritor argentino é uma figura recorrente na carreira desse artista que vem se especializando em monólogos teatrais. Mas tudo a seu tempo.

Lorenzon recebe a reportagem da Brasileiros no Espaço Mágico, lugar em que ensaia e dá aulas para não-atores. Provavelmente esse seu lado de professor explique a voz mansa e bem colocada, mas é o ator que fala mais alto transformando impactos emocionais íntimos em solos à flor da pele. E sua história nos palcos começou bem cedo, mesmo que tenha demorado a ser assumida. “Minha primeira aparição foi lá no [Teatro] Vento Forte. Ilo Krugli, o argentino que fundou o grupo, fazia um Diabo que falava ‘Ninguém pode me deter’. Lembro que estava fantasiado e puxei minha espada de plástico, devia ter uns 6 ou 8 anos, e disse ‘Eu posso!’. Logo percebi o que tinha feito, ultrapassei uma parede ali, então soltei a espada e fiquei chorando no colo da minha vó, morrendo de vergonha.”

Mais velho, no ensino médio, Lorenzon se encontrou novamente com o teatro. “Foi no colégio que percebi que gostava desse mundo da fantasia, de poder ser todos e não ter que escolher uma única coisa, ser uma única coisa. Também acho que tive na infância uma dose de lirismo exagerado porque era muito ligado a minha avó materna e a casa dela era cheia de redes, dragões, totens, música alta, desenhos pra cima e pra baixo.” Mas não havia meio de se desvencilhar daquele momento de vergonha infantil no Vento Forte e prestou Direito, formou-se e até passou no exame da OAB. Ao mesmo tempo insistia e durante esse período participou de uma montagem de Rei Lear, com Raul Cortez, foi dirigido por Elias Andreato, arriscou-se no cinema (De Cara Limpa) e se manteve dando aulas.


Até que foi aceito no Núcleo Experimental do Sesi, deixou essa história de advocacia e ficou na companhia teatral por três anos, em uma fase que define como de estruturação e formação. “Quando saí do Sesi queria montar uma coisa pessoal, mas não tinha pensando em um solo. Era mais procurar algo que me encantasse. Tinha vários fragmentos e me deparando com o material do [Jorge Luís] Borges é que percebi que poderia ser bonito estar sozinho. Um homem lidando com sua poesia, seu silêncio, sua memória e a possibilidade do infinito na sua solidão.” Daí que nasceu Memória do Mundo (2008), um ou vai ou racha para Lorenzon, um acerto de contas com seus próprios fantasmas em relação a profissão. Saiu dele vivo e, feliz e finalmente, certo de seu caminho.

Seguiram-se novos voos solo: O Funâmbulo (2009), de Jean Genet, e De Verdade (2010), baseado no livro do húngaro Sandor Márai. “Já no De Verdade quis mostrar o fracasso amoroso numa espécie de afogamento lento”, relembra. No entanto uma série de dificuldades técnicas impediu a realização desse projeto como havia sido imaginado e somente no final da temporada é que, em um daqueles providenciais acasos, o ator conheceu o artista plástico Maurizio Mancioli e seu Acquabox. Como já era tarde demais, e sem sentido, refazer De Verdade, o jeito foi criar um novo espetáculo, Água (2011).


Numa série de mergulhos dentro de um cilindro com 2,5 metros de água, Lorenzon interpreta os muitos e variados momentos do amor a partir de textos de autores como Umberto Eco, Clarice Lispector, Carlos Drummond e William Blake. “Diferente dos meus outros solos, onde fui tomado por um impacto emocional, no Água fui tomado por uma ideia. Pensei, isso vai ficar bonito.”

Agora, enquanto Água continua em cartaz até fim de junho, o paulistano estreia seu quinto solo, Eu Vi o Sol Brilhar em Toda sua Glória. É um novo encontro com o texto de Jorge Luís Borges (1899-1986), mas dessa vez apontando para perdas maiores que as do amor. “É sobre como nós somos feitos do que perdemos”, resume e logo se coloca como exemplo. “Sinto que encontro a minha palavra melhor quando fecho os olhos. Tem uma ‘brincadeira’ com a cegueira do Borges, mas também tem isso de se despir da aparência e ir para uma coisa anterior.” Em busca de perguntas e respostas. Mais perguntas que respostas.



ÁGUA
Espaço Parahaus, até 24/06, sextas e sábados às 21h e domingos às 19h

EU VI O SOL BRILHAR EM TODA A SUA GLÓRIA
SESC Consolação, até 25/06, segundas, às 21h

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