laerte vê o papa humildão de uma forma de diferente
segunda-feira, 29 de julho de 2013
domingo, 14 de julho de 2013
rafael coutinho, a entrevista
acabei de publicar aqui no esforçado o perfil que fiz de rafael pra azul magazine ("retrato de um artista com ideias de sobra"). o que segue agora é a entrevista, praticamente na íntegra. conversa boa da porra, cheia de informações, bom humor, reflexões, tem de tudo. e coloquei no estilo fernando faro porque quem importa é o entrevistado.
INFÂNCIA, PRIMEIROS DESENHOS
INFÂNCIA, PRIMEIROS DESENHOS
A primeira lembrança... tenho fragmentos de quando era bem
jovem desenhando coisas na escola... eu usava o desenho como ferramenta pra
impressionar as professoras e os amigos... e já tinha uma facilidade... minhas
memórias mais antigas já me trazem isso, que eu tinha uma facilidade pra
desenhar, com o assunto... e desenhando com o meu pai, pedindo pra ele desenhar
coisas pra mim... super heróis, personagens de séries japonesas dos anos 1980,
personagens de vídeo games, Bart Simpson, Snoopy, robôs, umas caricaturas,
personagens mais cômicos...
Sempre fui extrovertido, desenhar era mais uma facilidade
mesmo, não era por timidez... mas a gente se mudou muito de cidade quando eu
era criança... agora em retrospecto vejo que usei muito o desenho para fazer
amigos e conquistar pessoas com mais facilidade, era o meu cartão de
apresentação... sempre desenhei muito na escola. Em matéria que eu não ia bem
eu desenhava ao redor da prova e a professora achava bonitinho e me dava mais
nota [risos]... usei bastante esse
artifício [risos]...
Eu acho que ele [Laerte]
se divertia com a gente, com o assunto... nunca direcionou, pressionou ou
incentivou pra que eu seguisse esse caminho... ele gostava de ver as coisas que
eu fazia e sempre participou dessa forma... queria que a gente mostrasse as
coisas que a gente tava fazendo, e não era só desenho... sempre foi um pai
estimulante, criativamente... na verdade sou muito grato por ele não ter
direcionado nada e nem que eu seguisse por um caminho que ele já tinha
previamente feito... e ia nos jogos de basquete, nos ensaios de dança... dancei
durante muitos anos, até a fase adulta, b-boy, e também fiz um pouco de dança
contemporânea, street dance, dancei mesmo... enfim, ele participou das coisas
que eu fiz... no teatro... então nunca foi uma coisa direcionada pro desenho...
e minha mãe também me estimulou muito, do jeito dela... sempre teve muita arte
em casa, quadros... era um casal comunista nos anos 80, né? Então tinham
máscaras sul-americanas, reproduções de Picasso...
ESCOLHAS, TRABALHO
Foi na época do vestibular, nessa época de escolher a
carreira, naquela confusão angustiante que o jovem tem na hora de escolher do
alto dos seus 17 anos... me pareceu ali que era a única opção possível... mas
não era uma coisa voltada para os quadrinhos... era Arte. Achei que tinha que
fazer algo com Artes Gráficas e acabei fazendo Artes Plásticas... prestei pra
Arquitetura e não passei, Desenho Industrial também não, e acabei fazendo
Artes. Demorei muitos anos pra entender o que era arte... entrei muito cru, não
sabia de nada, e acho que até metade da faculdade eu ainda tinha muita dúvida
se de fato queria ser artista... lutei contra isso.
Comecei a trabalhar muito cedo. Aos 16 eu já trabalhava...
fui garçom em restaurante, vendi CD em banquinha de standcenter, locadora... e
aí, em um segundo momento, entrei em um estúdio de animação ligado a uma
editora e comecei a me acalmar. Foi ali que vi que algum resultado estava
saindo... fazia charges animadas e foi lá que fiz meu primeiro videoclipe [“Chapa o côco”, Xis]... a gente ganhou prêmio na MTV [melhor clipe de rap no VMB 2002, indicado em outras duas categorias]...
fiquei muito excitado ali... acho que também descobri cedo que trabalhos longos
rendiam louros mais significativos na minha vida... acho que foi daí que nasceu
o prazer de fazer histórias longas, projetos mais extensos...
Trabalhei com animação durante muitos anos e montei um
estúdio próprio de design com alguns amigos de faculdade... durou três anos...
chamava Base V... aí experimentei street
art, murais, silk, serigrafia, era um tipo de arte experimental que a gente
acreditava que podia existir entre a rua e as galerias, que a gente tinha muito
preconceito... o grupo continua até hoje e eu me afastei em 2008... foi nesse
período que comecei a publicar minhas primeiras histórias em quadrinhos numa
publicação chamada Sociedade Radioativa, participei também de algumas
coletâneas e já me sentia com mais autonomia, mais certeza e que tinha material
para apresentar...
MULTIPLATAFORMAS
Sempre tive esse interesse em trabalhar em diversas
plataformas. Em algum momento me foi passada a informação de que esse meu
desejo de trabalhar em inúmeras mídias não só não era um problema como poderia
ser a minha salvação em momentos de crise ou dificuldade, e que eu não precisava
me preocupar tanto em me fechar em uma só mídia... entendi em minha fase adulta
que profissionalmente era preciso também focar em alguma dessas mídias pra que
eu também pudesse ser reconhecido. Vi que esse espírito bon vivant poderia
prejudicar, mas nunca me fechei porque gosto mais das ideias do que das mídias.
Então se a ideia me excita vamos fazer um filme... acabei me envolvendo
recentemente com cinema, gostei muito, aprendi muito com amigos do cinema e
quero continuar fazendo... fiz agora como ator uma peça com meu pai [“As Jóias”], achei que não fosse mais
acontecer e aconteceu... tô aberto...
Eu me defino como me convém. Se tô numa roda com
quadrinistas eu sou um quadrinista. Se me veem como um pintor eu sou um pintor.
Não vejo necessidade em me definir tanto assim. Acho que a essa altura do
campeonato, aos 33, o trabalho me define. É um trabalho que aparece e que estou
desenvolvendo... acho que desde 2008 não fiquei nem um período sem trabalho.
Não é porque sou excepcional... é porque me sobra ideia mesmo. Então, quando
não tem trabalho encomendado eu tô tocando as coisas que eu quero fazer e
realizar. É isso, acho que tem muita coisa pra ser testada e eu também me
empolgo com facilidade com a ideia dos outros. É fácil me seduzir [risos].
Gosto de trocar informações com as pessoas. Acho que um tanto do Rafael da
escola persiste até hoje, esse sujeito que quer impressionar, conseguir amigos,
entrar nas turmas pra ajudar na forma que puder. E, claro, conquistei um tanto
de maturidade artística nessa minha curta jornada que me dá algumas certezas
que preciso pra continuar.
Tenho projetos longos, médios e curtos. Claro que entram
umas coisas no meio, mas basicamente o ano já se desenha logo de cara. Aprendi
a me organizar, a me disciplinar, porque é uma profissão que exige muita
disciplina... gosto de realizar coisas então não fico vacilando não...
VIRADAS PESSOAIS,
ORGANIZAÇÃO
2008, saída da Base V... amigos muito queridos... mas quando
saí vi que tinha que decidir as coisas por conta própria... comecei a trabalhar
em parceria com a galeria Choque Cultural, fazendo meus próprios quadros e
exposições... então essa minha autoralidade foi infligida também... você tem
que ser você... coincidentemente foi também quando surgiu a parceria com o
Daniel Galera, que foi uma parceria muito diferente das minhas anteriores,
porque me obrigou a ser autêntico e a escolher entre as várias gamas de
possibilidades qual era o meu traço, qual era o meu ritmo de trabalho, quais
eram as minhas soluções de roteiro, o que eu queria... tive muita sorte de
encontrar um cara que estava no mesmo momento autoral, o Galera, que já tinha
alguns livros publicados e tinha uma voz autoral já muito forte... foi um
momento de virada pra mim.
Em 2004 foi a primeira vez que vi meu traço mudar... fazia
um curso com desenhos de modelos vivos e fiquei muito feliz, empolgado... em
2008 com a Cachalote também ... agora eu tô vendo alguma coisa acontecer
também e acho que é o volume de trabalho... nunca fui um sujeito de qualidade
sobre quantidade, sempre fui de quantidade sobre qualidade... a quantidade de
trabalho geralmente me jogou em um lugar no qual o resultado saiu diferente...
que eu obrigatoriamente tive que aprender e solucionar coisas em função de
projetos extensos ou entregas contínuas... nada melhor pra quem tá no meio que
o trabalho contínuo... porque é um troço de repetição... é uma musculatura
cerebral e espiritual que precisa ser exercida diariamente, tanto é que
artistas gráficos que ficam muito tempo sem desenhar enferrujam... isso não é
um mito, acontece mesmo. No fim do dia seu desenho tá melhor... se você
desenhou o dia inteiro os últimos 10 minutos são excelentes... se for a semana
inteira, o último dia da semana é excepcional... e é cruel porque é exatamente
quando você precisa parar, que seu corpo tá doendo, sua cabeça tá exausta...
então tem muito isso... somos alimentados pelo correr dos dias, pela demanda,
pelo exercício diário... é maçante, mas também muito recompensador... se você
aguenta e se organiza pra que os resultados saiam eles podem te surpreender.
É preciso deixar que a vida alimente a produção
continuamente. Acho que existe um problema crônico nessa nova geração de
artistas gráficos e plásticos que já chegam com muita violência e ambição no
mercado antes de desenvolver essa relação entre a vida e o trabalho. Não existe
uma retroalimentação aí, ela é só fruto de uma ambição, um desejo que é
exterior a tua vida, exterior a tudo. Gosto muito dessa angústia de trabalhar
lentamente, disciplinadamente, rotineiramente sobre algo que só vai acontecer
daqui há dois anos (histórias longas em quadrinhos, pinturas, exposições – Fogo Fácil, filme que alimenta foto
que alimenta pintura).
FOGO FÁCIL from Peppe Siffredi on Vimeo
FOGO FÁCIL from Peppe Siffredi on Vimeo
Conversei uma vez com o Zélio [Alves Pinto], irmão do
Ziraldo. Tava super angustiado e fui conversar com ele. Depois descobri que ele
teve a mesma conversa com meu pai quando meu pai era jovem. Ele é mais velho
que nós dois [tem 75 anos] e ele falou a mesma coisa pra mim que falou pro meu
pai: organize seu cronograma porque você é artista e também um empreendedor da
marca de si mesmo e tem que organizar seu tempo para produzir algo curto, algo
médio e algo longo. Aquilo me deu uma calma muito grande porque não dizia
respeito às minhas angústias mais subjetivas, mas resolvia matematicamente algo
que eu, nos meus 24 anos, precisava. Ali entendi como deveria organizar a minha
vida e que cabia a mim decidir quais projetos curtos, médios e longos eles seriam.
O AUTOR, O AUTOR
Nesse jogo todo tem essa história da autoralidade que a
gente discute muito nos mundos dos quadrinhos e das artes plásticas. A voz
autoral... em que momento ela aparece? Quais são as demandas que ela te pede?
Quase como uma voz de fora que chega te exigindo coisas, te tirando o sono...
não tenho a sabedoria do Zélio, mas o conselho que posso dar é “ouça a sua voz
autoral” e isso é uma coisa muito pessoal, muito de cada um, e não acho que sou
maior ou melhor que ninguém porque produzo meu próprio trabalho. Eu sei o preço
que pago por essas escolhas. Minha mulher sabe mais que ninguém [risos]. Tem
que escutar essa voz, esse latido do cachorro [referência ao filme Verão de Sam]... se ele tá dizendo que
você tem que matar, você tem que matar [risos]...
O quanto de espaço eu tenho... o quanto posso ser autoral
pra aquela demanda... me procuram mais pra ser autoral, já me dando bastante
espaço... e sei que não funciono tão bem quando me dão muitas diretrizes, sei
que vou brochar... Falavam que meu trabalho já era muito autoral, não adiantava
fazer outra coisa, não ia dar certo me pedir um infográfico ou algo assim...
mas isso, durante um período, foi muito frustrante, achei que não fosse me
encaixar... a duras penas vi que isso era uma coisa boa e que me salvou. Mas
também me salva porque faço várias coisas ao mesmo tempo. Se tivesse ficado só
em pintura estaria em apuros ou se fosse só quadrinista... essa coisa que me
disseram lá atrás... se não me engano foi uma terapeuta... a questão dessa
minha autoralidade vem dessa inquietação de fazer várias coisas ao mesmo tempo,
trabalhar com mídias diferentes... se fosse uma só talvez não fosse tão autoral
assim porque teria que abrir mão disso pra sobreviver... os latidos seriam mais
baixos... seriam latidos de poodle [risos]...
Canal IdeaFixa - Laerte e Rafa Coutinho - FiznaMTV #PAI from IdeaFixa on Vimeo
Canal IdeaFixa - Laerte e Rafa Coutinho - FiznaMTV #PAI from IdeaFixa on Vimeo
E O PAI DO RAFAEL?
Nunca perdi o foco do trabalho dele, sempre acompanhei, e só
aceitei essas curadorias [FIQ em
novembro, Balada Literária em dezembro e uma outra num espaço cultural na Vila
Leopoldina] porque não teria que fazer um trabalho angustiante de leitura
das coisas antigas pra pensar numa exposição... até porque ele mesmo não queria
uma coisa de retrospectiva... então a gente tá criando um jogo do zero, um
gráfico, uma coisa que envolva as pessoas... não é nada do tipo “veja esse
quadro”... então a gente tá bolando outra coisa... mas nunca deixei de
acompanhar o trabalho dele... me estimula, me instiga, me deixa pasmo... e ele
tá agora tentando se reciclar, se reentender como artista... é um cara que
admiro muito, somos muito amigos, nos falamos continuamente, trocamos
informações e acompanhamos o trabalho um do outro... a opinião dele é muito
importante pra mim em tudo que faço. Tenho muita sorte de ter um pai assim, na
real, independente de ser o Laerte que as pessoas idolatram e admiram, o meu
pai é um sujeito muito parceiro e um grande amigo. Tenho sorte. É um artista
ducaralho, impressionante, sensível, generoso, tenho sorte.
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sábado, 13 de julho de 2013
é fácil seduzir rafael coutinho
ano de várias matérias cortando os ares do brasil. já rolaram umas cinco pra revista da gol (naldo e marcelo D2, por exemplo), uma pra tam nas nuvens e agora essa pra azul magazine. rafael coutinho foi sugestão minha e a conversa foi muito melhor do que imaginava. como sempre deixei a entrevista para depois das fotos - que ficaram a cargo de victor affaro -, o que deixa tudo mais relaxado, e fiz questão de falar pouco do pai laerte, pois rafael tem voz autoral muito forte para ser um mero "filho de...". agradecimentos a alexandre maron que me indicou e, acima de tudo, a patrick moraes, editor da azul magazine (sempre bom encontrar bons editores). ah, já publiquei aqui no esforçado a íntegra da entrevista.
RETRATO DE UM ARTISTA
COM IDEIAS DE SOBRA
No alto da escada uma vira lata balança o rabo. Seu nome é
Mexerica e ela é a responsável pelas boas vindas ao ateliê que Rafael Coutinho,
33, divide com outros amigos-artistas no bairro da Pompéia, Zona Oeste de São
Paulo. Após receber as devidas carícias, Mexerica retorna à companhia do
igualmente vira lata Pancho numa almofada ao lado da prancheta de Rafael. “Eles
já eram namorados antes d’eu adotá-los”, relembra e logo pede para ninguém
chegar perto da almofada. Pancho é muito protetor de seu território.
Filho de Laerte Coutinho, criador dos Piratas do Tietê e um
dos maiores nomes do quadrinho nacional, Rafael tornou-se, em pouco mais de
três anos, uma das grandes revelações do meio. Alguns já o conheciam de
animações (trabalhou no premiado clipe “Chapa o côco”, do rapper Xis, e assinou
curtas como “Aquele Cara”), outros de seu trabalho no coletivo de arte urbana
Base V, e outros ainda de suas primeiras histórias em quadrinhos em coletâneas
e revistas independentes como a Sociedade Radioativa. Mas a virada na sua
carreira foi mesmo com o elogiado Cachalote
(2010), livro em quadrinhos feito em parceria com o escritor Daniel Galera.
Não foi da noite para o dia que Rafael chegou ao ponto de Cachalote, e nem por um caminho só. “Na
infância usava o desenho como ferramenta para impressionar professoras e
amigos. Não era por timidez, sempre fui extrovertido, era mais porque já tinha
uma facilidade. Era meu cartão de apresentação. Em matéria que não ia bem
desenhava ao redor da prova e a professora achava bonitinho e me dava mais nota
[risos]. Usei bastante esse artifício [risos].”
Na época do vestibular viu que aquela sua facilidade,
estimulada discretamente pelo pai-amigo já conhecido, era a única opção
possível. Optou por Artes Plásticas sem saber direito o que lhe esperava e
muito menos se realmente queria ser artista. “Durante a faculdade entrei em um
estúdio de animação ligado a uma editora e comecei a me acalmar. Foi ali que vi
que algum resultado estava saindo”. Trabalhou em charges, no primeiro
videoclipe (“Chapa o côco”) e em muitas outras animações até montar um estúdio
de design e arte urbana experimental com amigos, o Base V.
“Sempre tive esse interesse em trabalhar em diversas
plataformas. Em algum momento me foi passada a informação de que esse meu desejo
não só não era um problema como poderia ser a minha salvação em momentos de
crise. Mas entendi também que profissionalmente era preciso focar em alguma
dessas mídias pra ser reconhecido. Só que nunca me fechei porque gosto mais das
ideias que das mídias”. E as ideias de Rafael seguiam ganhando formas nas
animações, em pinturas e, cada vez mais, em quadrinhos. “Eu me defino como me
convém. Se estou numa roda com quadrinistas, sou um quadrinista. Se me veem
como um pintor, sou um pintor. Não vejo necessidade em me definir tanto assim.
Acho que a essa altura do campeonato, o trabalho me define. Acho que tem muita
coisa pra ser testada e também me empolgo com facilidade com a ideia dos
outros. É fácil me seduzir [risos]”.
Empolgado sempre, Rafael decidiu em 2008 sair do conforto do
coletivo Base V em busca de sua própria voz autoral. Coincidentemente foi
também quando conheceu Daniel Galera e nasceu o projeto de Cachalote. “É preciso deixar que a vida alimente a produção
continuamente. Acho que existe um problema crônico nessa nova geração que já
chega com muita violência no mercado antes de desenvolver essa relação entre a
vida e o trabalho. O conselho que posso dar é ‘ouça sua voz autoral’ e isso é uma
coisa muito pessoal. Não acho que sou maior ou melhor que ninguém porque
produzo meu próprio trabalho. Sei o preço que pago por essas escolhas. Minha
mulher sabe mais que ninguém [risos]. Mas é preciso escutar essa voz, esse
latido do cachorro... se ele tá dizendo que você tem que matar, você tem que
matar [risos]”.
Atualmente, Rafael Coutinho está ouvindo mais latidos que
nunca. Após lançar o segundo volume de Beijo
Adolescente, uma série de histórias curtas, ele está finalizando para o
final do ano o ousado Mensur, sua
primeira longa história em quadrinhos 100% autoral. Enquanto isso vai tocando a
loja virtual e selo Narval Comix, procura uma nova galeria para lhe representar
e prepara, como curador, três exposições que homenagearão o pai Laerte no segundo
semestre. E pretende retomar Fogo Fácil,
projeto que reúne cinema, fotos e pinturas. “Acho que desde 2008 não fiquei nem
um período sem trabalho, e não é porque sou excepcional, é porque me sobra
ideia mesmo”. Pancho e Mexerica não o deixam mentir.
SAIBA MAIS
No batente:
Rafael Coutinho trabalha desde os 16 anos e antes de se tornar quadrinista,
pintor, etc. assumiu funções como garçom em restaurante, vendedor de CDs em
banquinhas de stand center e atendente de locadora de vídeos.
Ídolos nos quadrinhos:
O norte-americano Jaime Hernandez (Love
& Rockets), o espanhol Miguelanxo Prado (Mundo Cão), o japonês Taiyo Matsumoto (Tekkonkinkreet), o francês Cyril Pedrosa (Três Sombras) e, claro, o pai (“O trabalho dele me estimula e me
deixa pasmo. É um artista impressionante, sensível, generoso”).
Ídolos no cinema:
Os franceses Bruno Dumont (A Humanidade)
e Jacques Audiard (O Profeta), a argentina Lucrecia Martel (O Pântano) e o norte-americano Paul
Thomas Anderson (Sangue Negro).
Ídolos na pintura:
O inglês David Hockney, o alemão naturalizado inglês Lucien Freud, o alemão Neo
Rauch e o brasileiro Wesly Duke Lee.
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reportagem
sexta-feira, 5 de julho de 2013
mexidão #23
o bicho ainda tá pegando, o couro ainda tá comendo, muita coisa ainda está para ser entendida, mas acho que consegui nesse texto, publicado originalmente em 19 de junho, reunir algumas ideias sobre esse tumultuado e revelador mês de 2013. agora é esperar o tempo...
foto Everton Nunes
O QUE JUNHO DE 2013
PODE NOS ENSINAR
Histórico. Lindo. Memorável. Fantástico. Pacífico. Foram
muitos e positivos os adjetivos usados para definir o que ocorreu em São Paulo na
segunda-feira, 17 de junho, quando mais de 100 mil pessoas tomaram as ruas da maior
cidade do país no “Quinto Grande Ato Contra o Aumento das Passagens”. Altamente
recomendáveis as reportagens dos colegas Pedro Alexandre Sanches (“São
Paulo, 17 de junho de 2013: a farsa e o pacto”) e Ana Aranha (“Protestos
de junho, um retrato impossível”) e o relato da urbanista Raquel Rolnik (“São
Paulo: a voz das ruas e a oportunidade de mudanças”).
Ontem, 18 de junho, durante o “Sexto Grande Ato”, parece que
parte do sonho acabou, afinal o ato que começou na Praça da Sé acabou se
dividindo esquizofrenicamente. Enquanto na Avenida Paulista reinava o mesmo
clima paz & amor da segunda, com ênfase na questão do transporte e da
cidade, no Centro um grupo sem conexão com o Movimento Passe Livre tentou
invadir a Prefeitura. Manifestantes contrários à violência conseguiram conter
os mais exaltados, houve discussão e suspeitas que os vândalos seriam policiais
disfarçados ou militantes de extrema-direita. Um carro da TV Record foi
queimado, bancos foram depredados, lojas saqueadas e duas horas depois chegou o
Choque da PM varrendo tudo com bombas e tiros até alcançar a Paulista. O
jornalista Pedro Alexandre Sanches ficou no lado alegre do ato e escreveu “São
Paulo, 18 de junho de 2013: pororoca”.
Mesmo que certas coisas a gente só entenda com o passar do
tempo e o desenrolar dos acontecimentos, já é possível tirar alguns
ensinamentos desta impressionante série de manifestações que se espalharam por
todo o país. Vamos lá...
A rua é o palco. Isso
não é novidade nem aqui, nem na China, mas gerações mais novas ainda não tinham
vivenciado o poder catártico de tomar a rua para se fazer ouvir. Porque é na
rua que a sociedade se encontra e se confronta, e é na rua que a vida (social)
acontece. Portanto, estar na rua é tomá-la para si e assumir responsabilidades
individuais e coletivas, além de ser um chamado por uma cidade para todos (e
não só para os carros).
Redes sociais fazem a
diferença. Os mais céticos sempre criticaram o “ativismo de sofá” e as
petições online, mas foram os movimentos nas redes sociais que deram início a
esta série histórica de manifestações no Brasil. Nesse novo estado das coisas,
o Facebook tem o papel de organizar os eventos e reunir as pessoas em torno de
uma causa (ou de várias causas), enquanto o Twitter é uma rápida e poderosa
ferramenta de informações em tempo real. Os dois juntos servem ainda para
descentralizar o noticiário e furar o bloqueio da parcialidade da grande
imprensa.
Não ter líderes é bom.
Essa talvez seja uma das características mais novas e transformadoras das
atuais manifestações. Também é assustadora para quem está acostumado a ser
guiado (ou pautado) por líderes carismáticos e salvadores da pátria. É o tal “existe
um líder dentro de você” cantado por Chico Science ao fim de “Todos Estão Surdos” (Roberto e Erasmo
Carlos) só que numa versão mais complexa com manifestantes-líderes que precisam
ser também gestores da própria ação coletiva. É uma interessante e rica
combinação que já está criando uma nova geração de ativistas de esquerda sem
ligações partidárias (afinal uma luta por transporte gratuito e fora da
iniciativa privada é sim uma bandeira de esquerda).
Política pode ser
diversão. Muita gente tem se mostrado incomodada com o ar festeiro de
grande parte das manifestações. Bobagem. Palavras de ordem podem ter humor,
fantasias são bem vindas e a sisudez é apenas um jeito dos poucos de sempre se
manterem no comando.
Qual o problema de uma bateria segurar uma levada de funk carioca
acompanhada por um trompete que toca o refrão de “Seven Nation Army” (White Stripes)? Não
é o humor, não é a festa que esvaziam um movimento social. Deixem os meninos e
meninas brincarem com a política. Talvez seja esse um dos caminhos para novas
gerações entenderem que política é parte indissociável do cotidiano de todos e
não de alguns “profissionais”.
Polícia Militar não
serve para nada. Quer dizer, serve para bater, humilhar e oprimir como já
foi visto em São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Porto Alegre e tantas
outras cidades. Em reportagem da TV Folha,
o vereador e pessoa violenta Conte Lopes afirma que “a Tropa de Choque [da PM] não
foi feita para dialogar”. Bem, a base do estado democrático é o diálogo,
portanto não é mais possível tolerar a existência de um aparelho repressor
contra o próprio povo (e em relatório
do ano passado, a ONU recomendou ao Brasil a extinção da PM por execuções
sumárias e desrespeito aos diretos humanos). Em São Paulo ficou muito claro que
a ausência da PM não resultou em nada próximo de baderna, tanto que um dos
gritos mais recorrentes na segunda foi: “Que coincidência! Sem polícia não teve
violência”.
Uma causa de cada vez.
O surgimento do bordão “não é só por 0,20” foi uma resposta à violência
policial em São Paulo na quinta, 13 de junho. Foi um jeito de falar que era
também pela liberdade de manifestação. Mas o que pouca gente imaginava era que
isso seria usado por grupos oportunistas e a grande imprensa para tentar tirar
o foco dos atos e, consequentemente, esvaziá-lo. Já na bela manifestação de
segunda foi possível ver inúmeros caroneiros – inclusive com bandeiras
preconceituosas, vejam exemplos no tumblr Orgulho de Ser Coxinha – que
nem se interessavam pela questão levantada pelo Movimento Passe Livre. A
violenta esquizofrenia de ontem, 18 de junho, foi resultado desse início de
descaracterização do movimento. É preciso centrar forças e evitar bandeiras
genéricas.
“O povo acordou” é
uma grande besteira. Não, o “povo” não acordou e um dos melhores cartazes
de segunda deixou isso bem claro (“Só agora você acordou? A periferia nunca
dormiu”). Participar de um ou dois atos na rua é bonito, é legal, mas não
significa tomar consciência.
É preciso tomar
cuidado com autoritarismos. A demonização de partidos políticos nas
manifestações é uma grande violência e uma enorme burrice. Estamos numa
democracia e se um cretino pode levantar um cartaz pedindo a volta da dos
militares, qual é o problema de bandeiras do PSTU, PCO, PSOL, PT ou PSDB? Todos
estão sendo oportunistas, pro mal ou pro bem, e todos precisam ter direito a
voz, mesmo que você (ou eu) não concorde. Também ocorreu violência contra
órgãos da imprensa e aí segue um recado para quem não deixou, por exemplo, o
repórter Caco Barcellos trabalhar: você não é diferente da PM que atirou em
jornalistas na quinta. Isso sem falar no patriotismo de fachada de quem veste a
bandeira do Brasil ou canta o hino, mas só pensa no próprio umbigo. Nessas
horas é sempre bom lembrar a célebre frase do pensador inglês Samuel Johnson
(1709-1784): “O patriotismo é o último refúgio de um canalha”.
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