CONVERSAR É PREVENIR
A história de Gilze
Maria Costa Francisco, enfermeira santista que superou um câncer de mama e
criou um instituto para ajudar outras mulheres com informação, consultas e
carinho
“O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e
esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da
gente é coragem”, escreveu Guimarães Rosa em seu Grande Sertão: Veredas. Gilze Maria Costa Francisco sentiu tudo
isso na pele em 1999. Casada, mãe de uma filha e porto seguro da sua família, a
enfermeira descobriu um câncer de mama em maio, foi mastectomizada em junho e
entre julho e dezembro passou por inúmeras sessões de quimioterapia.
Mesmo com o apoio incondicional da família e conhecimento
dos procedimentos, Gilze, hoje com 52 anos, passou por todas as fases comuns a
quem recebe tamanho baque: negação, raiva, barganha, depressão e, finalmente, a
aceitação. Dez meses depois da descoberta, o câncer foi embora. No entanto, a
vida de Gilze nunca mais foi a mesma, para sua própria sorte e a de milhares de
mulheres atendidas gratuitamente pelo Instituto Neo Mama, entidade que criou em
2002 na cidade de Santos, litoral de São Paulo.
Mas antes do Neo Mama, Gilze já vinha fazendo diferença.
“Criei, ainda em 1999, o site cancerdemama.com.br
durante minhas noites de insônia causadas pela quimioterapia. Fui colocando
nele minhas experiências como enfermeira e como paciente de câncer”. A opção
por uma abordagem mais humana e menos técnica veio naturalmente, afinal a
internet daquele tempo tinha pouca informação disponível e a que existia vinha
exclusivamente do lado médico. “Tudo surgiu com a vontade de fazer a diferença
para mulheres que, como eu, passam pelo câncer de mama. Se eu pudesse conversar
com cada uma delas, seria ótimo, mas percebi que podia mudar isso na minha
região, e hoje contribuo em todo o país dando palestras, na internet e nas
redes sociais. Achei que deveria haver um lugar onde fosse um porto seguro para
elas, onde encontrassem respostas e, principalmente, exemplos”.
A cada mês, 200 mulheres procuram respostas no Instituto Neo
Mama, que possui em sua sede no bairro santista do Boqueirão um cadastro com
mais de 2500. “Isso sem falar nos familiares diretos, cuidadores e amigos, que
nos procuram para saber como tratar, o que falar, como falar com elas, se suas
reações aos tratamentos e situações são normais, assim como seu comportamento”.
Com o passar dos anos, o jeito tranquilo e franco de Gilze
criou uma grande rede multidisciplinar de ajuda com o apoio de muitos
voluntários e parcerias. O Neo Mama consegue, por exemplo, mamografias
gratuitas a partir de um acordo com laboratórios que exibem propagandas em seu
site. Já as consultas são batalhadas através de insistência e algumas amizades.
A manutenção do Instituto vem de doações e do dinheiro arrecadado em eventos
beneficentes.
Conversar, ouvir e trocar informações, muitas e repetidas
vezes. É isso que Gilze tem feito desde que o câncer entrou na sua vida, mas
uma descoberta pessoal ajudou e muito nesse processo: resgatar-se é
fundamental, priorizar-se também. “Muitas mulheres têm medo de se tocar, de
procurar médicos, de perder a mama, esquecendo-se que essa omissão pode lhes
custar a vida. Ignorar o que pode nos acontecer é o que de pior podemos fazer
por nós mesmas”.
Em poucas palavras, é preciso enfrentar a realidade, mas com
altas dosagens de afeto. “Câncer se combate com informação, informação certa,
não conversa de comadres: realidade e possibilidades, mitos e verdades, tudo
preto no branco, pois não ajudamos ninguém omitindo a verdade. Existem muitas
formas de falar o inevitável, e a suave, mas firme, sempre é a melhor, e tem
como fazer isso. Basta ter experiência, estudo, atualização constante e
compaixão pelo momento de quem está à sua frente”.
Mesmo com tanto trabalho e histórias, Gilze seguiu fazendo
exames anuais para se prevenir de novos nódulos e em 2010, após uma cirurgia de
redução de estômago e a perda de 65 kg, finalmente colocou uma prótese. “Não é
fácil, mas cada caso é um caso, somos únicas e temos que fazer a nossa parte no
tratamento. Não adianta termos os melhores médicos e hospitais se não
colaborarmos e fazer o que nossa família, amigos e quem nos ama esperam de nós:
comprometimento, superação e resiliência. E isso todas nós temos no nosso
interior, muitas vezes adormecido”.
CÂNCER DE MAMA:
CONHEÇA, PREVINA-SE
É o carcinoma mais comum em mulheres e responde por 22% do
total de casos novos/ano no Brasil, segundo o Instituto Nacional de Câncer
(Inca). Segundo o Inca houveram 52.680 novos casos da doença apenas em 2012. Os
dados mais recentes de óbitos divulgados apontam que, em 2010, morreram no
Brasil 12.852 pessoas devido ao câncer de mama, sendo 147 homens e 12.705
mulheres.
Os fatores de risco, tanto para homens quanto para mulheres
são histórico familiar, obesidade, sedentarismo e antecedente de patologias
mamárias. Estudos afirmam que boa alimentação e atividades físicas podem
reduzir em até 28% o risco de a mulher desenvolver câncer de mama.
“Em termos de prevenção não se fala mais em auto-exame, pois
quando uma mulher descobre o câncer de mama através dele, o nódulo já tem mais
de 1,5 cm. A mamografia é o ideal no rastreamento desta doença (se houver
necessidade, associada à ultrassonografia)”, explica Gilze.
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