após uma sequência de releases de discos de canções - o da héloa no ano passado e os de zé ed e lincoln neste ano - apareceu um todo instrumental pra fazer. e que coisa bonita e ótima surpresa o projeto santos 3am, de guilherme barros e bruno bortoloto, ou melhor, o duo cæs. em pouco menos de 50 minutos, o disco leva o(a) ouvinte numa viagem por leituras musicais muito pessoais inspiradas por sons captados nas ruas e pela história da cidade.
então, sem mais blábláblá, o release, o disco na íntegra - que também pode ser ouvido ou baixado no bandcamp, no itunes e no soundcloud - e até o curta setentista do lendário aloysio raulino, uma das inspirações desse trabalho do duo cæs.
Toda cidade tem sons. De uma freada de ônibus. Da chuva no telhado. Do grito de gol. Da água correndo no meio fio. De um vendedor ambulante, um amolador de facas, uma feirante, um pedinte. Buzina, um palavrão, mais buzinas. Ou, de repente, um trem, o trem, o trem, o trem. Toda cidade tem seus sons e o Duo Cæs, formado pelos músicos Bruno Bortoloto e Guilherme Barros, andou por Santos, principalmente em sua região central, para registrar a vida e a história da cidade, e daí fazer música.
Contemplado pelo 5º Concurso de Apoio a Projetos Culturais Independentes do Munícipio de Santos, e beneficiado com verba do Fundo Municipal de Assistência à Cultura [Facult], o disco-projeto Santos 3AM é uma espécie de épico urbano intimista e instrumental. ‘Épico’ por tratar do heroísmo cotidiano de anônimos e ‘intimista’ pelo olhar delicado, próximo e envolvente sobre todas essas pessoas. E a cidade, sua história e seus cantos, amarrando tudo.
Tudo começa na faixa que dá nome ao trabalho, com seus barulhos de uma madrugada na cidade misturados a samples históricos de O Porto de Santos, curta dirigido por Aloysio Raulino em 1978 e uma das inspirações de Santos 3AM. E então o dia vai nascendo vagarosamente ao som “Trem para Vicente de Carvalho”, um blues sertanejo a contemplar o movimento das barcas que ligam Santos a Vicente de Carvalho, distrito do município vizinho do Guarujá. Contempla ainda o andar sonolento de mulheres e homens, a maioria de ascendência nordestina, rumo ao trabalho. Com o trem ao fundo, e o sinaleiro dando o tom.
Já “Vila” e “Guarany” tratam de dois espaços icônicos de Santos: a Vila Belmiro, casa do Santos Futebol Clube, e o centenário Teatro Guarany, o mais antigo da cidade ainda de pé. Nas duas faixas, a delicadeza de quem vê as coisas por fora e por dentro e, acima de tudo, escuta a tudo atenta e carinhosamente.
A vida santista volta a se agitar em “Avenida dos Portuários”, um samba instrumental oitentista com direito a sintetizadores, efeitos de guitarra e sons de trânsito, e “Feira”, registro sem cortes de um passeio pelas barracas de uma feira livre comentado por uma guitarra que às vezes chora e n’outras vezes grita baixinho.
Então os olhos e ouvidos se voltam para o porto em “Santos-Valparaiso-Montevideo”, uma toada tango que dialoga com várias gravações de radioamadores de outras cidades portuárias mundo afora. Ainda na região, “Paralelepípedos” é uma balada sobre o vai e vem de carros por ruas que mantém seu calçamento original, e essa combinação sonora da borracha dos pneus com os paralelepípedos tem um colorido especial que não existiria com o asséptico e impermeável asfalto.
E o tempo fecha e lá vem “Chuva na Rua Direita”, outra música que contempla tanto o presente [das gotas de chuva] quanto o passado histórico da cidade [a Rua Direita foi a mais importante da cidade quando ainda era vila e atualmente se chama Rua XV de Novembro]. Aliás, uma das causas da chuva e do calor tão característicos da região dá o nome a penúltima faixa do disco, “Vento Noroeste”, mais uma delicada observação sonora e musical sobre as coisas de Santos.
“E o resto é silêncio”, a última faixa do disco, é uma despedida ao som da barca que vai até a Praia do Góis, no Guarujá. E a água batendo, e o mar, e a vida que segue sem lamentar o eterno movimento, movimento dos barcos, movimento.
p.s.: Santos 3AM foi todo tocado e programado por Bruno Bortoloto e Guilherme Barros, mas teve a participação do baixista Fábio Machado em três faixas. Todas as composições também são do duo Bruno-Guilherme, com exceção de “Vento Noroeste”, co-escrita por Jota Amaral.
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