sábado, 26 de junho de 2010

zumbi é coisa nossa

soube da existência do filme mangue negro (2009) acho que pelo paulo terron. não sou lá muito fã de filmes de terror, mas um longa de zumbis feito na raça em uma vila de pescadores em guarapari, espírito santo, é história boa demais. quando soube que o filme ia passar no canal brasil (é agora, dia 27, domingo, 22h30) coloquei na pauta da revista monet e entrei em contato com o diretor, o capixaba rodrigo aragão. por sorte ele estava passando por são paulo para apresentar o filme em uma mostra no itaú cultural. combinamos de nos encontrar e acabamos parando num boteco na alameda santos entre algumas cervejas (curiosamente, só tinha devassa). foi lá que fiquei sabendo como surgiu esse filme tão precário e irregular quanto apaixonado e original. segue o texto com muitas faixas bônus (entre elas, fotos que o rodrigo mandou para ilustrar a matéria da monet).

zumbi de colete? portanto rodrigo aragão (o diretor de mangue negro) é...

ZUMBI É COISA NOSSA

Era uma vez um “ecossistema costeiro, de transição entre os ambientes marinho e terrestre; uma zona úmida característica de regiões tropicais e subtropicais”. Era uma vez um mangue. Mas não um daqueles normais com peixes, caranguejos, aves e aquelas árvores com raízes retorcidas para fora da água. Era uma vez um mangue infestado de zumbis sedentos por sangue. Essa é a realidade de Mangue Negro, longa de terror escrito e dirigido por Rodrigo Aragão que estreia no Canal Brasil e foi todo filmado próximo a uma vila de pescadores conhecida como Perocão, em Guarapari (ES).

Produção totalmente independente e feita na raça por Aragão e um grupo de amigos malucos, todos nascidos e criados no Perocão e arredores, o filme é sonho antigo desse capixaba. “Meus primeiros esboços sobre um filme de zumbis foram feitos quando tinha uns 14 anos em um caderninho com desenhos e uma espécie de roteiro. Estou agora com 33. Quer dizer, essa história passou por muita coisa”, afirmou em breve passagem por São Paulo para exibir seu primeiro longa em um festival no Itaú Cultural. Filho de um ex-dono de cinema e mágico, Aragão começou a trabalhar nesse ramo de fantasia e ilusão ainda adolescente fazendo maquiagem e efeitos especiais. Queria fazer uma série de terror e colocar pra fora aqueles monstros que povoavam sua cabeça. Queria se divertir.

A adolescência passou e Aragão só conseguiu começar a colocar seus monstros na rua - ou melhor, no palco - a partir de 2000 com o espetáculo teatral Mausoleum (“Era uma loucura: uma estrutura toda de metal com bonecos, máscaras, luz, fumaça, jatos de ar, música e uma história super louca com cenários diferentes”). Depois vieram três curtas que serviram como exercícios de técnicas, brincadeiras e, acima de tudo, modéstia. Um deles, Chupa-Cabras, custou apenas 300 reais, foi feito durante um final de semana em um sítio da família com apenas dois atores e uma câmera emprestada. O sucesso em alguns festivais do Estado e no YouTube lhe deu ânimo para se arriscar no primeiro longa [Chupa-Cabras está aqui em parte 1 e parte 2].

Aragão começou o projeto de Mangue Negro construindo um barraco no quintal de sua casa, onde filmou e editou dez minutos do filme com o objetivo de conseguir algum investidor interessado. Um amigo de longa data topou a empreitada e injetou aproximadamente 60 mil reais nessa saga quixotesca que começou a ser filmada em 2005 e terminou em 2008. E o que acontece nele? Assumidamente exagerado, o roteiro gira em torno de um mangue contaminado pela poluição e de um bando de zumbis que brotam dele esfomeados. A população ribeirinha passa a ser trucidada e um casal - Luís da Machadinha (Walderrama dos Santos) e Raquel, a lavadeira (Kika de Oliveira) – luta por suas próprias vidas e pela busca de uma possível cura. Assim, simples assim.

“Então, na verdade, fiz o filme pra mim mesmo. Tenho total consciência disso, afinal tive total liberdade para colocar tudo que queria ver em um filme de terror nacional. O Mangue Negro é muito brasileiro, muito caipira, e isso é uma coisa que encanta o pessoal lá fora”, explica esse fã da independência e do humor de Mazzaropi e José Mojica Marins (Zé do Caixão) que viu o filme ganhar destaque em mostras na Argentina, Chile e Inglaterra. Por isso tem uma coisa que não entra na sua cabeça: porque até hoje o gênero não decolou no Brasil? Esboça uma explicação. “O brasileiro nunca teve o prazer de se ver lutando contra coisas mais fantasiosas porque nosso cinema é todo muito focado nas nossas mazelas sociais: pobreza, corrupção policial, favela, coisas que a gente vê todo dia no jornal. Você não tem um herói brasileiro que lute contra coisas fora da realidade.” Agora temos o humilde e batalhador Luís da Machadinha estourando cabeças de mortos-vivos em plena luz do sol do Espírito Santo.

Com o filme chegando agora ao grande público televisivo nacional, Aragão sonha em fazer um longa por ano em esquema auto-sustentável. “Filmes baratos que se paguem com o objetivo de financiar o próximo trabalho, para não precisar de leis de incentivo.” A ideia é que Mangue Negro seja o primeiro de uma trilogia local chamada “Fábulas Negras” sendo que o próximo (A Noite do Chupa-Cabras) será filmado em montanhas próximas e o último, ainda sem título, trate de monstros no litoral. É, o terror está cada vez mais próximo da gente.



a conversa com o rodrigo aragão deve ter durado 1 hora, algo por aí, mas como é fácil de imaginar pouca coisa da entrevista acaba entrando na matéria: outras informações pra dar, o ambiente, é preciso toda uma história. mas como aprendi no gafieiras é bom ter acesso a esse material que fica de fora porque é revelador de outras histórias e é gostoso de ouvir (conversa boa de ter é boa de ouvir, acho). então seguem aí trechos graúdos da entrevista do rodrigo sem minhas intromissões.

Fiz com uns 14 anos meus primeiros esboços para um filme de zumbis. Estão em um caderninho com desenhos e uma espécie de roteiro. Estou agora com 33, então essa história passou por muita coisa. Mas o primeiro prego para o Mangue Negro aconteceu no final de 2004 quando comecei a construir um barraco no quintal da minha casa.

Comecei a fazer efeitos especiais aos 15 anos e já tinha um pilha de roteiros. Queria fazer uma série de terror, mas nunca consegui. Aí, em 2000, consegui um sócio para fazer um espetáculo de terror. Foi aí que montei o Mausoleum, assim em latim mesmo, e era uma loucura: uma estrutura toda de metal com bonecos, máscaras, luz, fumaça, jatos de ar, música e uma história super louca com cenários diferentes. Isso foi no Espírito Santo, mas era um espetáculo itinerante que depois foi para Belo Horizonte e Salvador, onde a gente passou quase dois anos. Foi super bacana. Esse grupo do Mausoleum foi o mesmo que fez o Mangue Negro. Em 2004 o espetáculo terminou, o grupo meio que se desfez e eu voltei pro Espírito Santo.

Depois disso fiquei meio desiludido, pensando em abandonar tudo, até que um amigo me ofereceu o equipamento pra filmar meu primeiro curta, em 2005. Passei uns três meses produzindo, escrevendo, procurando ator e uns dois dias antes de começar a filmar esse meu amigo falou que a mulher tava brigando com ele, que não gostava de terror, e as filmagens foram atrasadas alguns meses. Mas pelo teor da conversa já vi que não ia rolar. Foi um negócio tão frustrante, tão frustrante, que engavetei o roteiro e decidi escrever, no lugar, o filme mais simples, o roteiro mais fácil de fazer do mundo. Foi o Chupa-Cabras, um filme mudo, porque não tínhamos microfone; sépia, porque a câmera não era boa e assim dava pra dar uma disfarçada; e só com dois atores. Filmamos com 300 reais, uma câmera emprestada e no sítio dos meus pais durante um fim de semana. Esse filme foi muito além do que imaginava, ganhou vários prêmios em festivais no Espírito Santo. Isso me deu um gás.

Quando acabei o barraco no quintal de casa comecei a fazer o Mangue Negro, eu e mais quatro amigos. Filmamos e editamos 10 minutos de filme e mostrei para um amigo, parceiro dos tempos do Mausoleum, que gostou e decidiu investir 60 mil reais no filme. Mas consegui comprar uma câmera, mesmo que simples, e fizemos o filme no esquema de mutirão. Terminamos Mangue Negro em meados de 2008 e exibimos pela primeira vez no Fantaspoa (o Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre). Depois fomos para Buenos Aires e Santiago, no Chile, e ainda São Paulo e até Londres.

Lá no Espírito Santo vivo meio isolado. Moro numa aldeia de pescadores e sou muito fã de filmes de terror, o que me fez ser o maluco do local. Aliás, o pessoal que trabalhou comigo no filme nem gosta tanto assim do gênero. Então, na verdade fiz o filme pra mim mesmo. Tenho total consciência disso, afinal tive total liberdade para colocar tudo que queria ver em um filme de terror brasileiro. Mas o mais legal do Mangue Negro foi quando mostrei o filme para o público, e vi a reação deles. Porque é um filme feito de fã para fã. O pessoal percebe uma sinceridade no negócio, além de ter as mesmas referências. Quem não tem isso não consegue entender como alguém pode gostar de uma porra dessa.

O terror está dentro da mente humana desde as cavernas. Medo do escuro, de bicho... é que hoje em dia, nessa nossa vida urbana, nossos medos passaram a ser muito reais, da violência, do tráfico, do assalto. Mas esse espaço para o medo sobrenatural, o medo da fantasia, é super importante para o ser humano. É quase inexplicável que o Brasil, com tantas lendas e histórias, com um folclore tão rico, não tenha muito histórico no gênero de terror.

O terror é um gênero muito difícil. Tem que ter um timing certo, não dá pra enrolar. Ou assusta ou não assusta. Ou tem medo ou não tem medo. Ou pula da cadeira ou não pula da cadeira. É ação e reação. É um exercício muito real. Tanto que muitos diretores famosos começaram no terror, tais como Steven Spielberg e Peter Jackson. É um estilo muito honesto. Eu faço por achar muito divertido.

Meu estilo de terror é o dos anos 80. Ritmo legal, exageradíssimo, com humor. Mas com uma linguagem muito brasileira. Essa é a mistura que tenho feito. Esse é o diferencial. O Mangue Negro é muito brasileiro, regional, muito caipira. Isso é uma coisa que encanta o pessoal lá fora. E pra se pagar um filme não dá pra ficar preso ao mercado nacional. Na Argentina, por exemplo, que é o maior mercado produtor de terror da América Latina eles fazem uma coisa que não gosto: eles fazem um filme falado em inglês, em Buenos Aires como se fosse em Los Angeles, tudo para sobreviver. É terrível. Gostaria de ver um filme de terror argentino de verdade. Americano a gente vê um monte.

O brasileiro nunca teve o prazer de se ver lutando contra coisas mais fantasiosas, porque nosso cinema é todo muito focado nas nossas mazelas sociais: pobreza, corrupção policial, favela, coisas que a gente vê todo dia no jornal. Você não tem um herói brasileiro que lute contra coisas fora da realidade.

O sonho da minha vida é poder fazer um filme por ano, fazer cinema auto-sustentável. Fazer filmes baratos que se paguem com o objetivo de financiar o próximo trabalho, para não precisar de leis de incentivo, políticas. Enfim, é um sonho.

e segue abaixo a página com a matéria na monet.

p.s.: e mangue negro está saindo em dvd duplo, com comentários em audio, making of e todos os curtas que rodrigo aragão fez antes de seu primeiro longa. imperdível para quem gosta de cinema de brasileiro e de filmes de terror. ah, e dá pra comprar diretamente com o pessoal mandando email para o vendas@fabulasnegras.com (o dvd duplo sai por 25 reais mais 5 reais de despesas postais). e os dados bancários são...

banco bradesco
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conta corrente (pessoa jurídica) 032330-6
fábulas negras produções artísticas
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