segunda-feira, 30 de maio de 2011

caminhando e pulando e gritando

imagino que a essa altura todos saibam que correu bem a marcha da liberdade em são paulo, no último sábado (28 de maio), apesar de mais uma absurda proibição por parte do ministério público do estado de são paulo (segundo os excelentíssimos, a marcha da liberdade seria uma marcha da maconha disfarçada!!!). estiveram por lá, da paulista até o centro da cidade, umas 4 mil pessoas, tudo muito tranquilo e festivo. alguns momentos divertidos, outros bonitos (o "minuto de silêncio" em frente ao cemitério da consolação) e até alguns tensos (impressionante como a referência sonora muda após um choque com a polícia e todo rojão se transforma em uma invasão em potencial).

mas duas coisas muito bacanas da marcha me fizeram pensar bastante: a ótima e atual reocupação do espaço público da cidade (em outras é mais fácil, mas são paulo é dureza para estimular esse tipo de reunião de pessoas) e a enorme quantidade de questões no decorrer da marcha. não era uma marcha monotemática e sim uma lombrigona cheia de muitas coisas a discutir e resolver (raça, sexo, direitos civis, questões de classe, etc.), o que deve se tornar cada vez mais comum em manifestações do tipo. a rua serve pra isso, pra encontros, trocas, diálogos, quer o judiciário paulista (e outros) permita ou não. e foi sobre isso que o bróder @mauriciofiore tratou em seu ótimo texto publicado na tendência/debates na folha de sábado (logo abaixo).

Debater nas ruas não é crime
por Mauricio Fiore

O julgamento da constitucionalidade das proibições impostas às Marchas da Maconha por alguns tribunais estaduais será um marco do amadurecimento democrático brasileiro. As ações, impetradas em 2009 pela então procuradora-geral da República Deborah Duprat, objetivam a extinção definitiva das censuras à manifestação.

A Marcha da Maconha é um movimento pacífico pela legalização da planta Cannabis e ocorre anualmente em mais de 200 cidades em todo o mundo. Sua proibição é uma grave violação aos direitos constitucionais de reunião e de expressão. Em São Paulo, esse ritual autoritário se repete desde 2008: o Ministério Público, por meio de promotores do Grupo de Repressão ao Tráfico de Entorpecentes, pede a proibição da marcha em sua véspera. O Tribunal de Justiça sempre os atendeu e, neste ano, o desembargador Teodomiro Méndez decidiu que a manifestação do último sábado era ilegal a menos de 20 horas do seu início. Os organizadores, como nos outros anos, acataram a decisão judicial e realizaram uma Marcha pela Liberdade de Expressão, na qual as pessoas poderiam se manifestar sem mencionar ou portar qualquer referência à maconha.

A ação da Polícia Militar foi ambígua. Primeiro, negociou os termos da marcha e bloqueou o trânsito da avenida. Mas, logo depois que as cerca de mil pessoas saíram do Masp em direção à rua da Consolação, foram surpreendidas, pelas costas, por bombas de gás, balas de borracha e cacetetes. Houve um PM e muitos manifestantes feridos, seis presos e milhares de transeuntes amedrontados com a violência.

Como pesquisador do consumo de drogas psicoativas, convivo com a dificuldade de debater publicamente o tema. O tabu e a desinformação são produtos de um século de proibicionismo - um paradigma autoritário, ineficiente e danoso. Recentemente, o debate entre especialistas e políticos sobre modelos alternativos à "guerra às drogas" se fortaleceu. É fundamental que esse debate aconteça também nas ruas e envolva não só os milhões de consumidores de maconha e outras drogas ilegais, mas todos os que se inquietam com a violência e a corrupção geradas pela proibição.

Entretanto, na democracia de alguns promotores e juízes, temas como o consumo de maconha só podem ser discutidos em ambientes assépticos e climatizados. Alegam que, quando vão às ruas para manifestar sua discordância, os cidadãos fazem apologia do crime de tráfico, justamente o crime que a marcha busca enfraquecer. Falam também em "indução ao uso de maconha". Seguindo esse raciocínio, os brasileiros que se manifestam pela descriminalização do aborto ou pela instituição da pena de morte deveriam ser proibidos de se reunir, porque estariam incitando a interrupção da gravidez ou o extermínio estatal. Felizmente, não são.

A expectativa, agora, é que o STF garanta o direito constitucional dos cidadãos de se manifestar pacificamente pela mudança ou pela manutenção da lei sobre drogas. Isso já ocorre em Marchas da Maconha como as de Porto Alegre, Rio de Janeiro, Recife, Buenos Aires, Berlim, Paris e muitas outras cidades. Na democracia, o convívio com opiniões divergentes é um pressuposto, mesmo que algumas delas nos desagradem. Outro regime? Só perguntando aos skinheads que, no último sábado, aplaudiram entusiasticamente a violência policial.
Mauricio Fiore é antropólogo e pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Neip) e do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

p.s.: e um videozinho feito pela folha sobre a marcha.


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