terça-feira, 10 de maio de 2011

capitão nascimento reloaded

taí a matéria de capa da revista monet de maio. o grande desafio desse texto era achar um jeito diferente e atual de lidar com um tema tão batido (e o mote para a revista foi a chegada de tropa de elite 2 em ppv e em um sistema de video on demand que está estreando na net). os colegas aqui da revista, sarah mund e itaici brunetti perez, fizeram as entrevistas e eu reuni tudo, editei e costurei no texto tendo em vista capitão nascimento e o bope como fenômenos pop. deu trabalho, viu? mas fiquei bem feliz com o resultado.

local de trabalho é isso aí

ELITE DO CINEMA

Um dos participantes da última edição do
Big Brother Brasil mal colocou os pés na casa e já saiu batendo no peito e gritando que era “faca na caveira”. No bar um amigo fala para o outro: “você é um fanfarrão!”, repetidas vezes. De repente, passando por um ponto de táxi, é possível ouvir um “pede pra sair” ou então “se quer me foder, me beija”. Coisas assim tem acontecido, em qualquer lugar do Brasil, desde 2007, ano da estréia nos cinemas de Tropa de Elite, de José Padilha. Agora, com a chegada de Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora é Outro à TV pó assinatura, um ciclo se fecha. Mas o Brasil nunca mais será o mesmo após conhecer a face atormentada de Roberto Nascimento, o Capitão Nascimento. Muito menos as pessoas envolvidas na produção de ambos os filmes.

PADILHA, por exemplo. Em menos de dez anos transformou-se no diretor mais quente do cinema brasileiro, ultrapassando os colegas Walter Salles e Fernando Meirelles. Ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim pelo primeiro
Tropa, com Tropa 2 quebrou um tabu de mais de três décadas o transformando no filme brasileiro mais visto de todos os tempos, e agora se prepara para dirigir um episódio da produção internacional Rio, Eu Te Amo, enquanto não assina o contrato para a refilmagem de RoboCop. Mas o que fez um cineasta e produtor de documentários de prestígio e de público restrito conseguir tocar tão fundo no imaginário popular brasileiro?

“Acho que em
Tropa de Elite 1 e 2 aconteceu um fenômeno de sobreposição, uma soma de dois efeitos: a emoção da dramaturgia dos filmes se somou as emoções que o público já sentia a respeito dos traficantes, do policiais e dos políticos nele representados. Na minha opinião, foi isso que fez com que os filmes se tornassem populares”, explicou Padilha por e-mail. Se o primeiro Tropa pegou a todos de surpresa com um relato cru do cotidiano de guerra urbana no Rio de Janeiro, e sob inédito ponto de vista do policial, o Tropa 2 deixou claro que o conflito nas favelas e o narcotráfico são apenas pálidos reflexos de uma guerra muito maior por poder e dinheiro envolvendo o crime organizado, políticos e policiais corruptos (reunidos em milícias). E isso acontece conforme o espectador acompanha Nascimento saindo das ruas para ganhar os gabinetes na função de Subsecretário de Inteligência da Secretaria Estadual de Segurança Pública do Rio de Janeiro.

Essa percepção mais aguçada sobre a realidade brasileira também pegou o ator André Ramiro, outro membro da equipe que teve sua vida mudada em muito pouco tempo. Rapper e ex-porteiro de cinema, Ramiro teve sua primeira experiência como ator ao interpretar Matias, que volta em
Tropa 2, cada vez mais parecido com o Capitão Nascimento do primeiro Tropa, mas sem a mesma experiência. “Minha vida mudou no sentido de que agora realmente tiro o meu sustento daquilo que eu sempre quis viver: da arte. Poder respirar, fazer, estudar arte e ter a oportunidade de conhecer coisas que eu não conhecia”, diz Ramiro, e aproveita para anunciar que seu disco de estréia, Crônicas de um Rimador, sai este ano e traz participações de Gabriel o Pensador e Dudu Nobre.

Mas houveram outras reviravoltas em sua vida. “O que mudou na verdade foi a minha visão do ser humano por debaixo da farda. Não exatamente a instituição. Tem uma frase em inglês que acho muito bacana, acho pertinente para esse momento, que é ‘Don’t hate the players. Hate the game’. Eu não odeio os jogadores, só não concordo com o jogo.” E ainda refletindo a experiência dos dois filmes completa que “na maneira que me envolvi com esse projeto fica difícil não perceber que na verdade irmão está matando irmão. É o policial que não é bem remunerado e o traficante que nem sempre está na vida que escolheu. Ou seja, quem é a vítima? O policial é tão vítima quanto o traficante e vice-versa.”



PAULO STORANI é outro personagem importante nessa saga e representando o lado fardado da história. Ex-integrante do BOPE, o carioca foi responsável pelos treinamentos dos atores e chegou a ter o nariz quebrado por Wagner Moura durante os ensaios do primeiro
Tropa. Também vieram dele algumas das gírias mais conhecidas dos filmes. “Daqui a dez anos, pesquisadores irão mostrar o que o filme representou para o esclarecimento e mobilização das pessoas em torno da segurança pública. A cortina caiu. Nenhum carioca poderá dizer que não sabia do que ocorreu e que ocorre no Rio, e que não é diferente de qualquer lugar do Brasil.”

Orgulhoso de sua participação e do resultado cinematográfico, Storani fez questão de frisar durante a entrevista os princípios que nortearam o treinamento de seus pupilos: mudança constante de cenário, adaptação e superação. “Sabia que
Tropa suscitaria discussões profundas, principalmente por concorrerem contra um histórico de filmes nacionais que quando tratam de temas relacionados com a segurança pública, contam a história de bandidos que passam a heróis, despossuídos que não tem outra opção senão roubar, traficar e matar. Os dois Tropa de Elite foram fiéis à realidade e imparciais, mostrando de uma forma inédita os dramas que envolvem as pessoas que trabalham na segurança pública, pessoas honradas e desonradas, mas acima de tudo o BOPE saiu fortalecido. Os heróis saíram do anonimato e passaram a ter seu trabalho reconhecido, além do batalhão ter sido humanizado.”

Só que existe uma armadilha aí nessa atual relação de boa vizinhança entre policiais e civis, e quem aponta é Luiz Eduardo Soares, escritor, cientista social e ex-Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro. “Se o BOPE persistir por uma unidade violenta, tentando surfar na onda do primeiro filme, vai pagar um preço altíssimo também pela sua própria imagem, porque ficou muito claro no segundo filme que a violência policial não é uma solução, e sim parte de um problema.” Co-autor de
Elite da Tropa (Objetiva) e Elite da Tropa 2 (Nova Fronteira), os livros que serviram de pontapé inicial para os roteiros, Soares aproveita para costurar uma descrição muito afiada do Capitão Nascimento, personagem ficcional próximo de tantas pessoas de carne e osso. “A intenção era apresentar ali um anti-herói, uma pessoa atormentada, capaz de tortura, assassinato, desesperada e sem rumo, que acabava contribuindo para a reprodução do ciclo da violência, mesmo sendo uma pessoa com muitos valores positivos, muitas virtudes também, a simplicidade, a vontade de acertar, o compromisso de cumprir um papel positivo na sua área de atuação.” Portanto, quem o viu como herói, como uma resposta armada para as mazelas sociais brasileiras, precisa urgentemente rever seu conceito de heroísmo.

Em meio a esse fogo cruzado, Padilha também foi muitas vezes vítima, mas as acusações de glorificar um personagem violento e controverso já foram superadas. “Não fiz o filme para responder a crítica, fiz o filme para completar a exposição que iniciei em
Onibus 174 e Tropa de Elite, e para mostrar a relação direta que existe entre a corrupção na política e os problemas da segurança pública que abordei nos filmes anteriores”, afirmou Padilha que, entre um Tropa e outro, dirigiu dois documentários, Garapa (sobre a fome no Nordeste) e Segredos da Tribo (que trata da relação conflituosa entre antropólogos e os índios ianomâmi).

MAS SERÁ QUE todo esse fuzuê ao redor dos filmes foi além das piadinhas de bar? Será que o Capitão Nascimento inspirou uma nova geração de guardiões da lei? Rodrigo, 29 anos, soldado da Polícia Militar do Estado de São Paulo a cinco anos, acha que não: “A maioria das pessoas ainda entra na polícia pela dificuldade de encontrar emprego”, o que não foi seu caso, pois sempre desejou ser policial. Já Thiago Marques Guilherme, 23 anos, está estudando para o concurso da polícia civil e disse que assistir os filmes lhe “deu mais vontade de entrar para tentar fazer alguma coisa, mas não que eu vá ser um capitão Nascimento, né?”

E os filmes retrataram a corporação fielmente? Ambos acreditam que sim. “Tenho um amigo policial que me contou que na polícia tem muita coisa mostrada no filme que realmente acontece. É uma questão de se mostrar e não omitir”, disse Thiago, enquanto Rodrigo vai um pouco mais fundo ao afirmar que os filmes são “um tapa na cara de muito oficial, de muito político e muito governante aqui do Brasil. Sei que o filme se passa no Rio de Janeiro, mas serve para a realidade de qualquer polícia do Brasil. Infelizmente não teve a repercussão que deveria ter tido para poder acontecer alguma mudança. Tem muita coisa envolvida nisso, até dinheiro. Acho que, por exemplo, partes da polícia de São Paulo vivem ainda muito à sombra da ditadura, assim como muitos governantes e políticos.”



OUTRO PERSONAGEM REAL e importantíssimo para
Tropa de Elite 2 é justamente um político. Em seu segundo mandato, o deputado estadual Marcelo Freixo serviu como base para o roteirista Bráulio Mantovani criar Diogo Fraga (Irandhir Santos), um professor de História que se torna político após trabalhar em uma ONG cujo tema principal é a defesa dos direitos humanos. Na vida real, Freixo foi presidente da crucial CPI das Milícias que, em 2008, jogou no colo dos cariocas/brasileiros o envolvimento de alguns de seus colegas de Assembléia Legislativa em assassinatos, extorsões e outras tantas infrações do Código Penal. Até hoje é ameaçado de morte por isso.

Fã dos filmes, e sem nenhum envolvimento com as produções, Freixo viu sua luta (e a de muitos outros e outras) ganhar altas injeções de adrenalina na segunda parte da jornada de Roberto Nascimento. E gostou, confessa. “O
Tropa 2 dá mais complexidade ao assunto de segurança, ele mostra com mais clareza esse problema que o crime organizado não está nos lugares pobres, nem no Rio e nem em nenhum lugar do mundo. Ele consegue demonstrar que essa criminalidade é movida através de interesses políticos, ou seja, existe uma polícia corrupta porque a gente tem uma política corrupta, uma elite política corrupta que se alimenta dessa relação violenta com a periferia dos lugares pobres porque tem uma relação direta com esses criminosos.”

Claro que não seria um filme (ou dois) que mudaria esse amontoado de desigualdades, impunidades e desmandos. E nem adianta pensar em um terceiro com Nascimento partindo para Brasília de Caveirão. Luiz Eduardo Soares pode explicar melhor: “Assunto [para um terceiro filme] não falta. Mas até onde sei, como amigo e colega de trabalho, o José Padilha não considera essa hipótese. É o mesmo que ouço do Wagner [Moura] que diz que o trabalho que tinha que ser feito já foi feito. Da minha parte já estou completamente convencido que não faz sentido produzir uma terceira unidade dessa série pois há um risco muito grande da repetição e, tanto na literatura quanto no cinema, temos muito medo do clichê.”

Sobre Wagner Moura assinamos embaixo. Na tentativa de entrevistá-lo recebemos a seguinte resposta de seu assessor: “O Wagner está num outro momento agora!” Quem é caveira, sabe.

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