O primeiro dia
Festival criado em Barcelona lá pelos idos de 1994 unindo
“música avançada” e tecnologia, o Sónar começou a se espalhar pelo mundo a
partir dos anos 2000 e inevitavelmente chegou ao Brasil, mais precisamente São
Paulo. A edição 2012 no país teve ontem seu primeiro dia (noite) e foi bastante
movimentado. Com dezenas de atrações divididas em três palcos espalhados pelo
Parque Anhembi, o Sónar São Paulo
começou pontualmente às 20h com apresentações do duo catalão Za! e discotecagem do músico
Maurício Fleury nos palcos Sónar Hall e Sónar Village, respectivamente.
Enquanto os primeiros criaram uma atmosfera barulhenta e pretensamente
engraçada (vocais esganiçados, por exemplo), Fleury, que é da banda Bixiga 70 e toca com músicos como Lucas
Santtana e Pipo Pegoraro, soltou um setlist delicioso e totalmente
afrolatinofunkbrasileiro. Pena que no início da noite só alguns gatos pingados
tiveram a sorte de ouvi-lo.
Após o Za! foi a vez do brasileiro Ricardo Donoso no Sónar Hall – nada
menos que o célebre palco do Anhembi que recebeu shows históricos de Elis Regina,
Doces Bárbaros e o festival Phono
73 – e a situação não melhorou muito pelas bandas de lá. Etéreo e vazio
poderiam definir o show, mas como geralmente tenho preguiça de música
eletrônica ao vivo não sou uma fonte confiável. No mais, era tempo de ver a
primeira apresentação do principal palco do festival, o grande Sónar Club. Quem
abriu os serviços foi o elogiado músico e produtor inglês James Blake, mas nessa primeira noite
usando a capa de DJ (ele se apresenta com banda no segundo dia). Não funcionou.
Arrastado, o setlist de Blake foi um enfileiramento de dubsteps tanga frouxa e
sua cara de paisagem não ajudou muito a esquentar a entrada para uma das
grandes atrações da noite, os alemães do Kraftwerk.
Enquanto isso no Sónar Hall, a veterana pianista Clara Sverner lutava ao lado do filho,
o designer gráfico Muti Randolph, contra problemas de som e barulhos externos.
O repertório erudito-popular de Clara foi sendo paulatinamente soterrado por
essas questões e as intervenções gráficas de Randolph no telão (sincronizadas e
inspiradas pela música) pareciam datados a olhos mais jovens. Seria uma ótima
apresentação em outro lugar, ali ficou deslocado e foi prejudicado. Ao lado, no
Sónar Village, o produtor norte-americano Cut
Chemist deu o primeiro e enérgico sinal que a noite iria esquentar.
Ex-integrante do lendário Jurassic 5, Chemist tocou o terror nas picapes de uma
forma vibrante e divertida.
Então, por volta das 23h e já com um público bem maior, o
festival recebeu o Kraftwerk. Impressionante
com os sons eletrônicos quarentões criados por Ralf Hutter e sua turma
germânica (ele é o único membro original presente) continuam soando modernos. Talvez
a explicação seja porque a música do Kraftwerk continua carregando a surpresa
da descoberta, a alegria da experimentação, e isso a fazer ser muito mais que
eletrônica (sem desmerecimento nenhum ao gênero, claro). O público urrava a
cada hit que aparecia, tais como “The Robots”, “The Model”, “Autobahn” e “The
Man-Machine”. E o público também urrava com a ótima projeção 3D. Lá no palco os
quatro homens eletrônicos permaneceram estáticos e silenciosos e ainda assim
fizeram um show mais pesado e totalmente atual (além de melhor que o da última
vez que estiveram aqui,
em 2009).
Do outro lado do Anhembi, no Sónar Hall, Criolo enfrentou a pesada
concorrência com sua habitual energia, humor, balanço e politização (sem falar
na sua afiadíssima banda). Apesar de problemas com o som – que apareceram em
todos os shows, com maior ou menor ênfase, mas nada que chegasse a fatalidade
-, o MC paulistano mandou todos os seus sucessos de crítica e público e não
teve dificuldade alguma em ganhar o público. Ali perto, o lendário DOOM, um dos mais importantes nomes do rap
underground norte-americano, tocou fogo no público do Sónar Village. Rappers
brasileiros que estavam ali como Rodrigo Ogi, Macário, Kamau e Max B.O.
vibravam a cada porrada sonora de seu ídolo e já era possível ter certeza que a
noite teria motivos de sobra para ser lembrada por muito tempo.
Zegon, DJ que era do Planet Hemp e depois partiu para uma excelente carreira de produtor, teve a dura tarefa de manter o pique pós-DOOM e conseguiu se utilizando de variedade e alguns convidados. O primeiro foi RAPadura, jovem rimador do Ceará que cruzou Luiz Gonzaga com velocidade e impressionou muito quem ouviu. Depois entrou um sujeito da Indonésia, mestre do talk box, mas era hora de Little Dragon, outro dos shows muito esperados da noite. Foi a primeira vez que o quarteto sueco pisou no Brasil e a vocalista Yukimi Nagano fez questão de frisar o fato, mas nada disso foi problema para uma plateia cheia (ainda mais que a do Criolo) e que conhecia várias músicas dos três discos da banda e principalmente do último Ritual Union. Quem esperava uma apresentação mais tranquila foi presenteado com um Little Dragon mais roqueiro e a bela Nagano dançando muito, toda a vontade.
Zegon, DJ que era do Planet Hemp e depois partiu para uma excelente carreira de produtor, teve a dura tarefa de manter o pique pós-DOOM e conseguiu se utilizando de variedade e alguns convidados. O primeiro foi RAPadura, jovem rimador do Ceará que cruzou Luiz Gonzaga com velocidade e impressionou muito quem ouviu. Depois entrou um sujeito da Indonésia, mestre do talk box, mas era hora de Little Dragon, outro dos shows muito esperados da noite. Foi a primeira vez que o quarteto sueco pisou no Brasil e a vocalista Yukimi Nagano fez questão de frisar o fato, mas nada disso foi problema para uma plateia cheia (ainda mais que a do Criolo) e que conhecia várias músicas dos três discos da banda e principalmente do último Ritual Union. Quem esperava uma apresentação mais tranquila foi presenteado com um Little Dragon mais roqueiro e a bela Nagano dançando muito, toda a vontade.
Duras horas da manhã e o gás acabando. Rumo à última grande
atração da noite, a dupla Chromeo, passo pelo
show do Emicida e tudo está muito bem,
obrigado. O rapper paulistano não para de crescer e dominar seu ofício, além de
conseguir um fato raro entre artistas brasileiros: seu amadurecimento
artístico-pessoal é compartilhado com seu público, que acaba amadurecendo
junto. Maravilha. Mas lá vou conhecer esse tal de Chromeo, a união de Dave 1 e
P-Thugg, enquanto uma leve garoa surge sem cerimônia.
É fácil entender o apelo do som da dupla e tinha bastante
gente lá para comprovar isso. Pop esperto, espírito retrô, algum humor e muita
energia são combinados em uma hábil montanha russa de estímulos. Muita gente
gostou, considerou o show da noite e coisa e tal. Só achei bem feito, mas não
me pegou porque parecia programado demais. De qualquer forma, uma ótima
primeira noite, sem grandes frilas, bastante espaço, muita variedade.
O segundo dia
O batidão começou às 16h no sábado do Sónar São Paulo. E quem deu
início aos trabalhos do dia foi Dago, DJ da Avalanche Tropical, com um setlist
divertido e pesadão, guettotech e outras bossas, no Sónar Village. Cheguei ao
final, o clima estava bom e tinha mais gente que no início do primeiro
dia. No palco ao lado, o ótimo Sónar Hall, algum problema de origem
desconhecida fez com que o primeiro show, do Psilosamples, atrasasse uma hora e
meia. Teve um lado bom nisso porque consegui assistir o show do mineiro, da Gang do Eletro (no Village) e
do SILVA (também no Hall),
que no horário original iriam brigar.
Então o festival começou realmente (pra mim) com a Gang do
Eletro, que conheço de outros carnavais e até protagonistas de um perfil que
escrevi para a Vice Brasil (“Duas
cabeças, uma levada”). Sou muito fã dos paraenses, portanto opinião
suspeita, mas eles e ela estavam particularmente inspirados. Com figurinos meio
tribais meio Tron, e tudo pintado com
tinta fosforecente, Marcos Maderito, Keila Gentil, William Love e o DJ Waldo
Squash estavam naquela eletricidade de quem está com muita vontade de fazer um
showzão. Conseguiram, apesar de alguns problemas de som e o microfone de Keila teimando
em cair.
Agora, quase tão bom quanto ver a energia e a música deles
ao vivo é presenciar a reação de quem não conhecia ou não tinha visto ao vivo.
Começa como espanto do tipo “O que é isso que está acontecendo na minha
frente?” e depois vira sorriso besta, nada percebido racionalmente, pois desde
o primeiro beat você já está dançando, jogando a mãozinha pro ar,
compartilhando de toda a cultura das aparelhagens. E dá-lhe “Galera da Laje”,
“Sinhá Puresa”, “Panamericano” e uma ótima participação do conterrâneo Felipe Cordeiro, cantor e compositor
dessa nova onda paraense, colocando guitarrada no eletromelody (mais tarde, na
sala de imprensa, Maderito anunciou que uma parceria entre eles estará no disco
de estreia da Gang).
ao som de psilosamples
No Sónar Hall, Psilosamples finalmente subiu ao palco e fez
uma apresentação intimista, bonita e cheia de camadas, mas talvez o Auditório
Celso Furtado fosse grande demais para sua música. De qualquer forma, esse
mineiro de Pouso Alegre continua fazendo um dos melhores e mais brasileiros
sons eletrônicos do momento. Daí, na sequência, veio o capixaba Lúcio da Silva
Souza, ou SILVA, que conseguiu cumprir as altas expectativas que surgiram ano
passado com apenas as cinco
músicas de seu EP. Suas delicadezas eletrônicas e acústicas sobreviveram a
novos problemas de som e ainda estava genuinamente feliz e orgulhoso de tocar
“12 de maio” exatamente um ano após a música ser composta e como atração de um
festival importante como o Sónar. SILVA promete muito mais.
Não consegui entender o metal progressivo do
anglo-norte-americano KTL, também
no Sónar Hall, e só voltei ao recinto para testemunhar o grande show de Ryuichi Sakamoto e Alva Noto. Não esperava que estivesse tão
cheio e muito menos que aquele tanto de gente fosse conseguir se comportar
durante o show minimalista (piano, programações e o excelente telão
acompanhando graficamente a música), mas deu tudo muito certo entre o japonês,
o alemão e o público brasileiro. Até o som ajudou numa bela viagem
sonora-visual.
Hora de tomar um ar no caminho para o gigantesco galpão do
Sónar Club e acompanhar o primeiro show de Cee
Lo Green no Brasil. Em termos gerais foi divertido, mas sabemos que o
inferno está no detalhes. O som estava um horror, o grave muito alto embolando
todos os instrumentos e sufocando no vozeirão de Cee Lo. Muito baseado no disco
The Lady Killer, de 2010, o
repertório do show não é dos mais vibrantes e só cresceu mesmo quando surgiram
os hits “Fuck You” e “Crazy” (Gnarls Barkley, seu projeto com Danger Mouse).
Do outro lado do Anhembi, os escoceses do Mogwai promoveram um festival de distorções
em altos volumes. Teve gente que achou que pedaços do teto iam cair. Outros
sentiram instantâneos problemas de audição. Muitos amaram de paixão. Uma
palavra (“progressivo”) martelava em minha cabeça música após música e sentia
que aquela viagem não ia a lugar nenhum, parecia mais exibicionismo. Quer
dizer, mas vai da viagem de cada um, né não? E falando nisso, de volta ao caixotão Sónar
Club, o Justice rapidamente
tomou conta de todos os muitos espaços e fez uma festa grande, muito bem
iluminada, intensa. Entre Cee Lo e os franceses tocaram os niteroienses do The Twelves, baita responsa, mas
vi muito pouco para falar qualquer coisa.
Nessa briga de gigantes peguei só um pedacinho do Flying Lotus e lamentei profundamente não
tê-lo ouvido mais (escolhas, escolhas). Daí que minha maratona pessoal pelo Sónar
São Paulo, para o Yahoo! Brasil,
acabou no bom show do inglês James Blake.
Entre melancolia e ruídos, paredes tremendo, destaque para uma longa versão de “Limit to Your
Love” (Feist). E então o gás (definitivamente) acabou.
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