VINDE A MIM AS CRIANCINHAS CONSUMIDORAS
Fui criança no final dos anos 1970, início dos anos 1980. Um
tanto em Fortaleza e outro tanto no Rio de Janeiro. Tudo era muito diferente
então – tinha até um lance chamado “ditadura militar”, vejam só vocês – e com a
infância não seria diferente. A equação era mais ou menos a seguinte: mais rua,
menos brinquedos, menos TV.
Sobre os brinquedos, a família não tinha muita grana e não
existia lá muita variedade. Sobre a TV, não havia muita programação infantil na
TV aberta. Não era bem uma questão de escolha e mais de adequação à realidade,
mas acabava estimulando a imaginação e jogando as crianças pra brincarem umas com
outras na rua.
O tempo passou e só voltei a ter contato com a “infância”
quando familiares, amigas e amigos começaram a ter seus próprios filhos. Descobri
que crianças continuam iguais, mas a infância no século 21 é muito outra (ah
vá?). O primeiro sinal é muito menos rua pra brincar. O shopping e a própria
casa, representada por TV e internet (esta apenas na segunda infância),
entraram em seu lugar.
Os brinquedos (e games) ganharam uma sofisticação e uma
variedade tão absurdas que deixariam em estado de choque qualquer criança de
décadas passadas. Só que também possuem tanta informação que deixam menos
espaço para crianças forjarem seu próprio imaginário. Já está tudo ali, e para
a criança resta apenas a ação, o ‘play’. Já a TV, bem, a TV tomou todos os
espaços. Ela hoje é entretenimento, berçário, rua, educação, babá, conforto,
segurança, cultura, comodismo, estímulo e por aí vai.
Mas ó, não adianta ficar de chororô pela infância perdida de
outros carnavais porque as coisas sempre mudam, é sempre assim. E cada geração
tem sua própria cota de acertos e erros. A TV, por exemplo, é responsável hoje por
crianças de 2 e 3 anos terem um impressionante e vasto vocabulário (às vezes,
bilíngue). Por outro lado, seus comerciais geram cabos-de-guerra entre pais e
filhos.
Apetitosos objetos de desejo, muitos criados junto com
atrações televisivas, são esfregados nas caras das crianças a cada 30 segundos.
Qual criança não quer tudo? Que pai ou mãe consegue dar tanto? Lembrando ainda
que uma pesquisa do Ibope de 2007 mostrou que crianças brasileiras, entre 4 e
11 anos, passam em média 5 horas por dia em frente à TV (contra 4 horas na
escola), isso é uma batalha perdida. Ainda mais em um tempo no qual pais fazem
de tudo para não frustrar seus filhos (uma bobagem, afinal frustração faz parte
da vida, amadurece).
Criado em 2001 pelo deputado federal Luiz Carlos Hauly
(PSDB-PR), o Projeto
de Lei 5921 “proíbe a publicidade/propaganda para a venda de produtos
infantis”, mas pouco mais de dez anos depois ainda não chegou à votação no
plenário. A Associação Brasileira de Agências de Publicidade obviamente
esperneou e criou a campanha “Somos
Todos Responsáveis”, na qual enfileira uma série de depoimentos de anônimos
e “especialistas” (advogados, publicitários, políticos, apresentadores de TV,
etc.). Falam de inconstitucionalidade, cerceamento da liberdade de expressão,
não-tutelamento do Estado, o fim da programação infantil por falta do dinheiro
dos comerciais, já existe uma agência regulamentadora (Conar) e coisa e tal.
Não falam, claro, dos problemas levantados por movimentos
como o “Publicidade
Infantil Não” e o Instituto Alana:
ansiedade, estresse familiar, obesidade, violência e tortura psicológica, entre
outros, todos decorrentes de estímulos publicitários ao consumo. Esquecem ainda
que o Estado tem sim (ou deve ter) responsabilidade sobre questões sociais. Tal
debate sugere três alternativas: a proibição, uma regulamentação mais rígida ou
deixar como está. Assunto quente, necessário. Só não dá pra deixar os
publicitários venderem, mais uma vez, gato por lebre.
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