sexta-feira, 12 de outubro de 2012

yahoo #49

12 de outubro, dia das crianças. queria ter feito uma coisinha mais leve, mas só consegui pensar nesse debate ainda em aberto sobre a proibição da publicidade infantil. foi o bróder fernando de almeida que me mostrou ano passado o documentário "criança, alma do negócio" que encerra esse novo texto pro yahoo, mas que acabou sendo meu ponto de partida para tentar refletir sobre o assunto (então já dá pra sacar qual meu lado da história). depois que foi publicado fiquei com uma sensação de muitas pontas soltas, mas o bagulho é complexo mesmo. 


VINDE A MIM AS CRIANCINHAS CONSUMIDORAS

Fui criança no final dos anos 1970, início dos anos 1980. Um tanto em Fortaleza e outro tanto no Rio de Janeiro. Tudo era muito diferente então – tinha até um lance chamado “ditadura militar”, vejam só vocês – e com a infância não seria diferente. A equação era mais ou menos a seguinte: mais rua, menos brinquedos, menos TV.

Sobre os brinquedos, a família não tinha muita grana e não existia lá muita variedade. Sobre a TV, não havia muita programação infantil na TV aberta. Não era bem uma questão de escolha e mais de adequação à realidade, mas acabava estimulando a imaginação e jogando as crianças pra brincarem umas com outras na rua.

O tempo passou e só voltei a ter contato com a “infância” quando familiares, amigas e amigos começaram a ter seus próprios filhos. Descobri que crianças continuam iguais, mas a infância no século 21 é muito outra (ah vá?). O primeiro sinal é muito menos rua pra brincar. O shopping e a própria casa, representada por TV e internet (esta apenas na segunda infância), entraram em seu lugar.

Os brinquedos (e games) ganharam uma sofisticação e uma variedade tão absurdas que deixariam em estado de choque qualquer criança de décadas passadas. Só que também possuem tanta informação que deixam menos espaço para crianças forjarem seu próprio imaginário. Já está tudo ali, e para a criança resta apenas a ação, o ‘play’. Já a TV, bem, a TV tomou todos os espaços. Ela hoje é entretenimento, berçário, rua, educação, babá, conforto, segurança, cultura, comodismo, estímulo e por aí vai.


Mas ó, não adianta ficar de chororô pela infância perdida de outros carnavais porque as coisas sempre mudam, é sempre assim. E cada geração tem sua própria cota de acertos e erros. A TV, por exemplo, é responsável hoje por crianças de 2 e 3 anos terem um impressionante e vasto vocabulário (às vezes, bilíngue). Por outro lado, seus comerciais geram cabos-de-guerra entre pais e filhos.

Apetitosos objetos de desejo, muitos criados junto com atrações televisivas, são esfregados nas caras das crianças a cada 30 segundos. Qual criança não quer tudo? Que pai ou mãe consegue dar tanto? Lembrando ainda que uma pesquisa do Ibope de 2007 mostrou que crianças brasileiras, entre 4 e 11 anos, passam em média 5 horas por dia em frente à TV (contra 4 horas na escola), isso é uma batalha perdida. Ainda mais em um tempo no qual pais fazem de tudo para não frustrar seus filhos (uma bobagem, afinal frustração faz parte da vida, amadurece).

Criado em 2001 pelo deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), o Projeto de Lei 5921 “proíbe a publicidade/propaganda para a venda de produtos infantis”, mas pouco mais de dez anos depois ainda não chegou à votação no plenário. A Associação Brasileira de Agências de Publicidade obviamente esperneou e criou a campanha “Somos Todos Responsáveis”, na qual enfileira uma série de depoimentos de anônimos e “especialistas” (advogados, publicitários, políticos, apresentadores de TV, etc.). Falam de inconstitucionalidade, cerceamento da liberdade de expressão, não-tutelamento do Estado, o fim da programação infantil por falta do dinheiro dos comerciais, já existe uma agência regulamentadora (Conar) e coisa e tal.

Não falam, claro, dos problemas levantados por movimentos como o “Publicidade Infantil Não” e o Instituto Alana: ansiedade, estresse familiar, obesidade, violência e tortura psicológica, entre outros, todos decorrentes de estímulos publicitários ao consumo. Esquecem ainda que o Estado tem sim (ou deve ter) responsabilidade sobre questões sociais. Tal debate sugere três alternativas: a proibição, uma regulamentação mais rígida ou deixar como está. Assunto quente, necessário. Só não dá pra deixar os publicitários venderem, mais uma vez, gato por lebre.

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