CORAÇÃO NA BOCA
O amor é um daqueles grandes mistérios, e consequentemente
temas, da humanidade. Artistas e não-artistas tentam entendê-lo (e assim louvá-lo,
amaldiçoá-lo, mil coisas) em verso e prosa desde que a maçã foi comida. Paulo
Carvalho gosta de escrever sobre o amor e não é de hoje. Em 2007, sobre sua
estreia em disco (De Longe) como
cantor e compositor, escrevi o seguinte para o site Gafieiras: “Romântico, o
paulistano prefere cantar dores de amor e ausências, mas devidamente colocadas
em um cenário urbano e atual”.
Mas foi necessário um pouco mais de tempo e maturação para o
também escritor e psiquiatra tomar coragem de se assumir definitivamente como
um “cantautor”. O resultado é seu segundo disco, O Amor é uma Religião, que volta a tratar dos solavancos do
coração, só que de uma forma mais aberta e ainda mais poética e autoral. O
título vem de um dos versos de “Solando no tempo” – canção de Luiz Melodia,
gravada originalmente em Mico de Circo
(1978) –, uma das duas regravações presentes no disco. A outra é “Aeroplanos”
(Jorge Mautner e Rodolfo Grani Jr.), que Mautner gravou em Mil e Uma Noites de Bagdá (1976).
Nessas duas músicas, e também nas autorais “Sóis” e
“Segredo” (esta com a irmã Luciana de Carvalho, parceira habitual), existem
ligações evidentes entre amor, Deus e religião/crença, como sugere o título
desse disco de 12 faixas. Mas na verdade o amor-religião de Paulo Carvalho é
feito de belezas e mistérios muito próximos, em nada distantes ou idealizados.
Tanto faz ganhar ou perder, o importante é se encantar e se entregar. Amor é
vida, o resto é ficção.
É notável a coragem de Paulo Carvalho enfrentar o amor (logo
o amor) dentro do historicamente fértil terreno da canção popular brasileira, e
ele se sai muito bem nas suas escolhas poéticas, mas teve ainda a grande
sabedoria de chamar um afiado quarteto de músicos-arranjadores para todo o
disco.
Três deles possuem uma longa convivência no grupo Cidadão
Instigado: Dustan Gallas (teclados), Rian Batista (baixo) e Régis Damasceno (guitarra
e violão). Rian e Régis haviam tocado na estreia discográfica de Paulo Carvalho
e agora o guitarrista é co-produtor ao lado de Yury Kalil (que também
co-produziu a estreia de Paulo, mas na época ao lado de Fernando Catatau, o
líder do Cidadão Instigado). O baterista Richard Ribeiro poderia ser um
estranho no ninho, mas toca com Régis em seu projeto solo (Porto) e na banda de
Marcelo Jeneci (e de lá veio Laura Lavieri que cantou junto de Paulo na
delicada “Miragem”), além de também colaborar com o Cidadão Instigado.
Nos ensaios, a familiaridade de uns com os outros era
patente em quão rápido e fácil encontravam soluções e caminhos para cada música
de O Amor é uma Religião. Uma
psicodelia aqui, uma bossa nova acolá, pitadas de futurismo, umas colheres de
Jovem Guarda, um jeito Caetano Veloso, uma valsinha com clima de praia, uma
guitarra Lulu Santos, rocks variados e assim por diante em um disco repleto de
surpresas sonoras. Tudo isso, todo esse clima leve, ajudou Paulo a ter mais
confiança e lá se foi o rapaz arriscar em espanhol (“Inmersión”) e inglês
(“Dreamer”, parceria com Régis) e assinando canções com Pélico (“Teu nome”) e
Pecker, cantor e compositor espanhol que veio até São Paulo gravar uma
participação em “Inmersión” (além de terem feitos juntos “Segredo”). O amor,
esse mistério, nos dá força pra cada coisa.
p.s.: as fotos acima foram tiradas durante os ensaios, que aconteceram no estúdio loop, a as que seguem abaixo nas gravações nos estúdios mosh.
yuri kalil (co-produção)
dustan gallas (teclados)
rian batista (baixo)
régis damasceno (guitarras, violão e co-produção)
richard ribeiro (bateria)
laura lavieri (voz) e tony berchmans (acordeon),
participações especiais em "miragem"
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