terça-feira, 6 de agosto de 2013

mexidão #24 e #31

entre inúmeros passaralhos e algumas novidades, o jornalismo brasileiro tem sido alvo de muitas e importantes discussões. tratei do assunto recentemente em duas colunas no yahoo. no final de junho entrevistei o colega bruno torturra sobre a mídia ninja e agora no início de agosto tratei das demissões que chegaram a editora abril (com direito a várias revistas fechadas como a bravo). resolvi reunir os dois textos aqui no esforçado e ainda acrescentei o programa roda viva, que foi ao ar ontem e entrevistou torturra e pablo capilé (fora do eixo).


JORNALISMO EM FOGO CRUZADO

São Paulo, 18 de junho de 2013. Duas horas após um grupo de alucinados tentarem invadir a Prefeitura de São Paulo, o Choque da PM do governador Geraldo Alckmin chegou ao centro da cidade e foi subindo até a Avenida Paulista expulsando todo mundo da rua com bombas e gás. Quando chegaram ao cruzamento da Paulista com a Rua da Consolação encontraram um painel da Coca Cola em chamas e o cercaram. Ninguém mais pode se aproximar a não ser dois catadores de latinha que fizeram a festa com os restos do painel-propaganda.

Belo Horizonte, 26 de junho de 2013. Dez minutos após a PM do governador Antônio Anastasia expulsar com bombas e gás centenas de manifestantes que estavam pacificamente na Praça 7 de Setembro, um trio elétrico aparece. Nada de Daniela Mercury ou Ivete Sangalo, e sim o Comandante Xuxa (sim, esse era seu nome) da PM mineira com o microfone na mão a falar que a polícia estava devolvendo a cidade às “pessoas de bem nesse momento histórico de resgate da democracia”.

Quem acompanhou ou está acompanhando as manifestações que tomaram o país neste junho pela mídia tradicional nem chegou perto dessas aparentemente pequenas, mas muito reveladoras, cenas brasileiras. Bem, pra falar a verdade, quem está acompanhando as manifestações pela mídia tradicional não está sabendo de muita coisa além de “pequeno grupo de vândalos” ou “a PM jogou bombas de efeito moral para conter a manifestação” e um bando de análises chutadas de especialistas que não tem a mínima ideia do que está acontecendo.

O pessoal da mídia Ninja também não sabe o que está acontecendo, mas eles estão cobrindo as manifestações em várias cidades com disposição, sangue frio e interesse, e tudo ali de muito perto da ação em transmissões ao vivo e sem cortes pela internet (vi as cenas descritas no alto do texto durante as transmissões). É, sem sombra de dúvida, o mais interessante acontecimento jornalístico desses novos tempos. Daí que fui conversar com o jornalista Bruno Torturra (@torturra), um dos idealizadores e linha de frente do Ninja, sobre a origem, os métodos e a assumida não-neutralidade da cobertura que estão fazendo dos protestos Brasil afora.

Belo Horizonte, 26.06.13 [foto: Mídia NINJA]

Você pode contar um pouco da história do surgimento (quando, como) da mídia Ninja e qual seu propósito. E quais outras coberturas importantes que vocês fizeram nesse período de existência.
O Ninja vem sendo pensado e articulado nos bastidores há alguns meses a partir da experiência da postv.org e de coberturas fotográficas pontuais que fizemos em rede. Antes de ser um veículo, começou como a tentativa de pensar e experimentar uma rede de jornalismo independente e descentralizada. Recentemente, no texto “O Ficaralho”, fizemos um chamado público para uma reunião aberta para a apresentação de um projeto e da criação de um banco de colaboradores. No dia da reunião [13 de junho], com mais de 300 confirmados, tivemos que adiá-la por conta do protesto do Passe Livre que terminou sendo o mais reprimido pela PM. Em vez de lançá-lo como um projeto, o Ninja acabou se lançando como um veículo na rua naquele dia. Outras coberturas importantes que fizemos: o Fórum Social Mundial na Tunísia, o julgamento dos acusados pelo assassinato de Zé Cláudio e Maria em Marabá. A cobertura de conflitos entre fazendeiros e povos indígenas no Mato Grosso. Os blocos de rua de SP e algumas cidades do Brasil. E incontáveis marchas e protestos pelo país.

Essas manifestações certamente estão sendo uma prova de fogo (tecnológica e conceitual) para vocês. O que estão aprendendo? Quais os acertos? Houve erros?
Aprendendo, como sempre, fazendo. A grande tecnologia Ninja é a recusa a dizer que "não vai dar". Todos os recursos, digitais e analógicos, podem ser utilizados para cobrir algo na rua. Os maiores acertos do ponto de vista técnico foram as construções e gambiarras cada vez mais portáteis e eficazes de transmissão de vídeo e fotos em tempo real. Do ponto de vista humano, a grande diferença é a disponibilidade 24hs dos envolvidos, a disposição de entrar no meio da ação e a base da articulação de colaboradores no país todo. Erros sempre acontecem. Desde deslizes técnicos a vacilos editoriais, comentários inadequados ou informações que poderiam ter sido melhor apuradas.

Você vê similaridade, na estrutura horizontal, entre a Ninja e movimentos sociais novos como o MPL?
Difícil responder por que não conheço bem o MPL por dentro. Talvez sim. Mas horizontalidade não é um conceito bem definido, nem homogêneo para nos compararmos com eles. Temos o maior respeito e admiração pela capacidade, maturidade e pelos argumentos do movimento passe livre. Mas, olhando de fora, vemos nosso trabalho mais como complementar, dentro de uma grande atualização dos processos políticos e de comunicação do que uma similaridade estrutural.

Já vi críticas à cobertura Ninja por sua “parcialidade”. O que você acha dessa crítica?
Entendo de onde vem a crítica, mas acho, no geral, um pouco equivocada. Nosso ponto de vista, nossa suposta parcialidade é, antes de tudo, assumida. Emitir uma opinião não pode significar, na era da rede, uma quebra da objetividade. Pelo contrário, cada vez mais ser subjetivo é ser objetivo também. Ser “neutro” diante de situações que consideramos injustas não é ser objetivo, é ser omisso. Mas me recuso a aceitar que somos tendenciosos. Basta ver nossa política de não edição. Transmitimos ao vivo, sem corte, direto da rua, dialogando e dando absoluta liberdade de expressão a todos os envolvidos nos protestos. Dos militantes de partidos, aos cidadãos de verde e amarelo, aos fascistas quase assumidos, aos policiais.

Qual sua avaliação pessoal desse momento no Brasil?
Antes de qualquer conclusão, acho que o mais importante nesse momento é a profunda ativação do pensamento político no país. Dos mais sofisticados pensadores ao mané mais despolitizado. O campo está aberto e todo mundo deu as caras na rua e na rede. É uma grande terapia coletiva ainda longe de acabar. Não me arrisco a grandes interpretações nesse ponto, mas sinto que é algo essencialmente bom. E que vai fortalecer, principalmente, os movimentos e organizações que trabalham causas e políticas quando a temperatura estava mais baixa.

Quantas pessoas estão envolvidas nas operações Ninja de cobertura das manifestações?

Difícil responder, já que pelo país muita gente está ajudando na cobertura colaborativamente. Mas existe um núcleo mais ativo em São Paulo e algumas capitais. Esse núcleo, que já estava trabalhando antes dos protestos começarem, e do Ninja ganhar tanta exposição, é de umas 10 ou 15 pessoas.

Belo Horizonte, 26.06.13 [foto: Mídia NINJA]

JORNALISMO TÁ MORTO?! TÁ NADA!

Pouco mais de dois anos atrás o jornalismo brasileiro começou a sofrer regulares ataques cardíacos. Também conhecidos como “passaralhos”, essas demissões em massa atingiram grandes empresas como as editoras Globo e Trip e os jornais Folha de S. Paulo e Estadão (do falecido Jornal da Tarde). Então, logo após a morte Roberto Civita em maio, o tsunami da crise chegou aos costados da Editora Abril. Em junho alguns executivos foram demitidos e entre ontem e hoje a tal “reestruturação” anunciada mostrou sua cara feia: foram encerradas as revistas Bravo, Alfa, Lola e Gloss, bem como os sites da revista Contigo e o abril.com.

As mais de 150 demissões previstas por esses dias alcançaram também as redações das revistas Info, Recreio, Contigo, Quatro Rodas, Viagem & Turismo, Placar, Men´s Health, Claudia e Veja, o portal M de Mulher e o site Bebê.com.

“A Abril encara esta fase como parte da evolução natural dos negócios e segue com a missão de difundir a informação, com excelência editorial, pioneirismo e integridade”, afirmou Fábio Barbosa, presidente da Abril S.A., em comunicado oficial & surreal. Claro que nem ele nem outros grandes executivos de empresas jornalísticas explicam como é possível ter excelência editorial com redações muito menores e profissionais sobrecarregados ou ganhando menos.

Precarizar a profissão jornalística é um caminho sem volta e quem perde mais com isso são justamente a credibilidade da informação e os leitores (esse caminho de mão dupla que é a essência do trabalho). Mas executivos não ligam para detalhes tão pequenos de nós todos e muito menos para os profissionais que estão na rua. Vivem de números, perdem aqui e ganham acolá, e bem podiam comandar a Comunicação de uma empresa farmacêutica ou o marketing de um banco, tanto faz.


Claro que existe uma crise no mercado e que ela tem atingido com mais contundência o jornalismo impresso que o televisivo, só que tantas demissões podem ser melhor explicadas por uma mistura de mau gerenciamento, soberba, investimentos errados, falta de visão estratégica, imediatismo e obsessão cega pelos anunciantes (Será que os anunciantes tão bajulados, e ocasionalmente intrometidos na linha editorial, continuarão juntos de um jornalismo cada vez mais raquítico?).

O jornalismo é maior que empresas jornalísticas e certamente sobreviverá a muitas delas. Para sorte de quem vive e ama a profissão, a boa notícia é que o jornalismo está se reinventando às próprias custas. Às vezes em coletivos independentes como a Pública – Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo, o Centro de Mídia Independente ou a Mídia Ninja e também dentro da grande imprensa por profissionais sérios e dedicados (de todas as gerações).

Vivemos também um momento no qual novas ferramentas jornalísticas estão disponíveis para todos, possibilitando que cada um crie seus próprios paradigmas de informação e comunicação (Não gosta da Folha? Não gosta da Mídia Ninja? Seja você mesmo sua mídia!). E isso é bom, caótico, transparente e renovador.

Tudo isso junto fará diferença para o futuro do jornalismo (além de pensar novas formas de negócio, obviamente) e não abraços simbólicos em homenagem a patrões.

p.s.: em 5 de agosto, o programa roda viva (tv cultura) entrevistou bruno torturra e pablo capilé sobre a mídia ninja.

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