JORNALISMO EM FOGO CRUZADO
São Paulo, 18 de junho de 2013. Duas horas após um grupo de
alucinados tentarem invadir a Prefeitura de São Paulo, o Choque da PM do
governador Geraldo Alckmin chegou ao centro da cidade e foi subindo até a
Avenida Paulista expulsando todo mundo da rua com bombas e gás. Quando chegaram
ao cruzamento da Paulista com a Rua da Consolação encontraram um painel da Coca
Cola em chamas e o cercaram. Ninguém mais pode se aproximar a não ser dois
catadores de latinha que fizeram a festa com os restos do painel-propaganda.
Belo Horizonte, 26 de junho de 2013. Dez minutos após a PM
do governador Antônio Anastasia expulsar com bombas e gás centenas de
manifestantes que estavam pacificamente na Praça 7 de Setembro, um trio
elétrico aparece. Nada de Daniela Mercury ou Ivete Sangalo, e sim o Comandante
Xuxa (sim, esse era seu nome) da PM mineira com o microfone na mão a falar que
a polícia estava devolvendo a cidade às “pessoas de bem nesse momento histórico
de resgate da democracia”.
Quem acompanhou ou está acompanhando as manifestações que
tomaram o país neste junho pela mídia tradicional nem chegou perto dessas
aparentemente pequenas, mas muito reveladoras, cenas brasileiras. Bem, pra
falar a verdade, quem está acompanhando as manifestações pela mídia tradicional
não está sabendo de muita coisa além de “pequeno grupo de vândalos” ou “a PM
jogou bombas de efeito moral para conter a manifestação” e um bando de análises
chutadas de especialistas que não tem a mínima ideia do que está acontecendo.
O pessoal da mídia Ninja
também não sabe o que está acontecendo, mas eles estão cobrindo as
manifestações em várias cidades com disposição, sangue frio e interesse, e tudo
ali de muito perto da ação em transmissões ao vivo e sem cortes pela internet
(vi as cenas descritas no alto do texto durante as transmissões). É, sem sombra
de dúvida, o mais interessante acontecimento jornalístico desses novos tempos.
Daí que fui conversar com o jornalista Bruno Torturra (@torturra), um dos idealizadores e linha
de frente do Ninja, sobre a origem, os métodos e a assumida não-neutralidade da
cobertura que estão fazendo dos protestos Brasil afora.
Belo Horizonte, 26.06.13 [foto: Mídia NINJA]
Você pode contar um
pouco da história do surgimento (quando, como) da mídia Ninja e qual seu
propósito. E quais outras coberturas importantes que vocês fizeram nesse
período de existência.
O Ninja vem sendo pensado e articulado nos bastidores há
alguns meses a partir da experiência da postv.org
e de coberturas fotográficas pontuais que fizemos em rede. Antes de ser um
veículo, começou como a tentativa de pensar e experimentar uma rede de
jornalismo independente e descentralizada. Recentemente, no texto “O Ficaralho”,
fizemos um chamado público para uma reunião aberta para a apresentação de um
projeto e da criação de um banco de colaboradores. No dia da reunião [13 de junho], com mais de 300
confirmados, tivemos que adiá-la por conta do protesto do Passe Livre que
terminou sendo o mais reprimido pela PM. Em vez de lançá-lo como um projeto, o Ninja
acabou se lançando como um veículo na rua naquele dia. Outras coberturas
importantes que fizemos: o Fórum Social Mundial na Tunísia, o julgamento dos
acusados pelo assassinato de Zé Cláudio e Maria em Marabá. A cobertura de
conflitos entre fazendeiros e povos indígenas no Mato Grosso. Os blocos de rua
de SP e algumas cidades do Brasil. E incontáveis marchas e protestos pelo país.
Essas manifestações
certamente estão sendo uma prova de fogo (tecnológica e conceitual) para vocês.
O que estão aprendendo? Quais os acertos? Houve erros?
Aprendendo, como sempre, fazendo. A grande tecnologia Ninja
é a recusa a dizer que "não vai dar". Todos os recursos, digitais e
analógicos, podem ser utilizados para cobrir algo na rua. Os maiores acertos do
ponto de vista técnico foram as construções e gambiarras cada vez mais
portáteis e eficazes de transmissão de vídeo e fotos em tempo real. Do ponto de
vista humano, a grande diferença é a disponibilidade 24hs dos envolvidos, a
disposição de entrar no meio da ação e a base da articulação de colaboradores
no país todo. Erros sempre acontecem. Desde deslizes técnicos a vacilos
editoriais, comentários inadequados ou informações que poderiam ter sido melhor
apuradas.
Você vê similaridade,
na estrutura horizontal, entre a Ninja e movimentos sociais novos como o MPL?
Difícil responder por que não conheço bem o MPL por dentro.
Talvez sim. Mas horizontalidade não é um conceito bem definido, nem homogêneo
para nos compararmos com eles. Temos o maior respeito e admiração pela
capacidade, maturidade e pelos argumentos do movimento passe livre. Mas,
olhando de fora, vemos nosso trabalho mais como complementar, dentro de uma
grande atualização dos processos políticos e de comunicação do que uma
similaridade estrutural.
Já vi críticas à
cobertura Ninja por sua “parcialidade”. O que você acha dessa crítica?
Entendo de onde vem a crítica, mas acho, no geral, um pouco
equivocada. Nosso ponto de vista, nossa suposta parcialidade é, antes de tudo,
assumida. Emitir uma opinião não pode significar, na era da rede, uma quebra da
objetividade. Pelo contrário, cada vez mais ser subjetivo é ser objetivo
também. Ser “neutro” diante de situações que consideramos injustas não é ser
objetivo, é ser omisso. Mas me recuso a aceitar que somos tendenciosos. Basta
ver nossa política de não edição. Transmitimos ao vivo, sem corte, direto da
rua, dialogando e dando absoluta liberdade de expressão a todos os envolvidos
nos protestos. Dos militantes de partidos, aos cidadãos de verde e amarelo, aos
fascistas quase assumidos, aos policiais.
Qual sua avaliação
pessoal desse momento no Brasil?
Antes de qualquer conclusão, acho que o mais importante
nesse momento é a profunda ativação do pensamento político no país. Dos mais
sofisticados pensadores ao mané mais despolitizado. O campo está aberto e todo
mundo deu as caras na rua e na rede. É uma grande terapia coletiva ainda longe
de acabar. Não me arrisco a grandes interpretações nesse ponto, mas sinto que é
algo essencialmente bom. E que vai fortalecer, principalmente, os movimentos e
organizações que trabalham causas e políticas quando a temperatura estava mais
baixa.
Quantas pessoas estão
envolvidas nas operações Ninja de cobertura das manifestações?
Difícil responder, já que pelo país muita gente está
ajudando na cobertura colaborativamente. Mas existe um núcleo mais ativo em São
Paulo e algumas capitais. Esse núcleo, que já estava trabalhando antes dos
protestos começarem, e do Ninja ganhar tanta exposição, é de umas 10 ou 15
pessoas.
Belo Horizonte, 26.06.13 [foto: Mídia NINJA]
JORNALISMO TÁ MORTO?!
TÁ NADA!
Pouco mais de dois anos atrás o jornalismo brasileiro
começou a sofrer regulares ataques cardíacos. Também conhecidos como
“passaralhos”, essas demissões em massa atingiram grandes empresas como as
editoras Globo e Trip e os jornais Folha de S. Paulo e Estadão (do falecido
Jornal da Tarde). Então, logo após a morte Roberto Civita em maio, o tsunami da
crise chegou aos costados da Editora Abril. Em junho
alguns executivos foram demitidos e entre ontem e hoje a tal “reestruturação”
anunciada mostrou sua cara
feia: foram encerradas as revistas Bravo, Alfa, Lola e Gloss, bem como os
sites da revista Contigo e o abril.com.
As mais de 150 demissões previstas por esses dias alcançaram
também as redações das revistas Info, Recreio, Contigo, Quatro Rodas, Viagem
& Turismo, Placar, Men´s Health, Claudia e Veja, o portal M de Mulher e o
site Bebê.com.
“A Abril encara esta fase como parte da evolução natural dos
negócios e segue com a missão de difundir a informação, com excelência
editorial, pioneirismo e integridade”, afirmou Fábio Barbosa, presidente da
Abril S.A., em comunicado oficial & surreal. Claro que nem ele nem outros
grandes executivos de empresas jornalísticas explicam como é possível ter
excelência editorial com redações muito menores e profissionais sobrecarregados
ou ganhando menos.
Precarizar a profissão jornalística é um caminho sem volta e
quem perde mais com isso são justamente a credibilidade da informação e os
leitores (esse caminho de mão dupla que é a essência do trabalho). Mas executivos
não ligam para detalhes tão pequenos de nós todos e muito menos para os
profissionais que estão na rua. Vivem de números, perdem aqui e ganham acolá, e
bem podiam comandar a Comunicação de uma empresa farmacêutica ou o marketing de
um banco, tanto faz.
Claro que existe uma crise no mercado e que ela tem atingido
com mais contundência o jornalismo impresso que o televisivo, só que tantas demissões
podem ser melhor explicadas por uma mistura de mau gerenciamento, soberba, investimentos
errados, falta de visão estratégica, imediatismo e obsessão cega pelos anunciantes
(Será que os anunciantes tão bajulados, e ocasionalmente intrometidos na linha
editorial, continuarão juntos de um jornalismo cada vez mais raquítico?).
O jornalismo é maior que empresas jornalísticas e certamente
sobreviverá a muitas delas. Para sorte de quem vive e ama a profissão, a boa
notícia é que o jornalismo está se reinventando às próprias custas. Às vezes em
coletivos independentes como a Pública –
Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo, o Centro de Mídia Independente ou a Mídia
Ninja e também dentro da grande imprensa por profissionais sérios e
dedicados (de todas as gerações).
Vivemos também um momento no qual novas ferramentas
jornalísticas estão disponíveis para todos, possibilitando que cada um crie
seus próprios paradigmas de informação e comunicação (Não gosta da Folha? Não
gosta da Mídia Ninja? Seja você mesmo sua mídia!). E isso é bom, caótico,
transparente e renovador.
Tudo isso junto fará diferença para o futuro do jornalismo
(além de pensar novas formas de negócio, obviamente) e não abraços
simbólicos em homenagem a patrões.
p.s.: em 5 de agosto, o programa roda viva (tv cultura) entrevistou bruno torturra e pablo capilé sobre a mídia ninja.
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