sexta-feira, 22 de maio de 2009

o médico e o médico

mais um texto/entrevista do baú tam magazine. também de 2005.

drauzio retratado por kiko coelho

DA IMPORTÂNCIA DE SE EDUCAR PELA TV


Tudo começou quando ele pediu um café, pouco leite e nada de açúcar, perto de seu consultório em São Paulo. Depois a conversa seguiu dentro de um táxi, entre carros, motos e ônibus, e acabou na varanda de seu apartamento em Higienópolis. Só assim, entre compromissos, foi possível entrevistar o médico Drauzio Varella. Suas agendas, tanto pessoal quanto profissional, são tão complexas quanto a opção por tratar de saúde pública em um dos programas mais vistos da televisão brasileira, o dominical e global Fantástico.

Sua paixão pela Medicina, um agudo senso de responsabilidade profissional e o profundo interesse que tem pelas pessoas o fizeram superar tanto uma resistência da corporação médica no quesito aparições televisivas quanto a curiosidade vazia de certos meios de comunicação pela vida pessoal de quem está, ou aparece, na mídia. O Doutor Drauzio, como é chamado pelas ruas, conseguiu a proeza de ser reservado sem mudar uma vírgula do seu dia-a-dia, mantendo intacta sua curiosidade.

Pai de Mariana e Letícia e avô de primeira viagem de Manoela, filha de Mariana, Drauzio Varella sabe que se tornou referência médica para milhões de brasileiros, mas não se assusta e nem se envaidece com isso. Tem os dois pés na realidade. Quando recentemente contraiu febre amarela, e passou pouco mais de um mês de cama, deixou claro que a culpa era sua por não ter renovado a vacina. O erro faz parte da vida e Drauzio acabou usando um erro seu como mais uma aula sobre cuidados e atenções, afinal tudo é informação, tudo é útil e deve ser compartilhado. Agora, de uma coisa tem certeza, e fala sem medo: “pararia com todo o resto, mas nunca com a Medicina”.

Você já tinha feito algum outro trabalho na TV Globo antes dos especiais pro Fantástico?
Comecei fazendo uma série da BBC. Era sobre o corpo humano e eles queriam um médico para apresentar, porque no original inglês quem fazia também era médico. Isso foi logo depois que eu escrevi Estação Carandiru, em 1999. Vi a série e achei meio chata, muito falatório, mas as imagens do corpo humano eram deslumbrantes. Falei que me interessava, mas propus que a gente pegasse as imagens e fizesse um texto brasileiro. A série foi um sucesso e eles me convidaram para fazer um quadro no Fantástico. Na época não me interessei. Fiquei com medo dessa exposição e achei que fosse atrapalhar o meu trabalho. Um dia ligou o Ali Kamel, um dos diretores de jornalismo da TV Globo, porque tinha lido um artigo meu na Folha de São Paulo sobre a importância de lavar as mãos, uma coisa óbvia. Ele leu o artigo, gostou, e perguntou se eu não queria fazer aquilo no Fantástico. Disse que teria interesse se fosse uma série com tema específico. Uma coisa educativa. Por exemplo, uma série para convencer as pessoas a pararem de fumar. Em um país como o Brasil... se todo mundo lesse ou tivesse acesso a jornal e internet, tudo bem... mas é a televisão que é universal, então é também função dela encampar assuntos educativos para a população.

Então tudo começou com o cigarro...
Teve essa do cigarro, depois veio uma sobre primeiros socorros... como tratar queimaduras, o que fazer em caso de atropelamento, como se atende alguém que caiu de um altura grande, como se trata cortes e ferimentos... em saúde pública o que interessa são coisas elementares... depois vieram as grávidas, mas esse não foi idéia minha, foi da Karina Dorio [produção e direção da série]. Adorei essa série, ganhou esse prêmio Ayrton Senna de Jornalismo. Entrevistava uma gestante por semana. Tinha duas em São Paulo, uma no Rio de Janeiro, uma em Planalto, cidade perto de Recife e a quinta era em Piranduba, do outro lado do Rio Negro. Fiquei nessas viagens pelo Brasil durante um ano, todo fim de semana. Foi muito interessante fazer um acompanhamento em tempo real dessas gestações. Depois veio essa da obesidade. Já estava com a idéia de fazer sobre esse assunto, mas a série precisou de um tempo maior para pesquisa. Foi mais complicada. Aí fiquei doente... atrasou um pouco.

Que outros assuntos você pretende tratar em futuras séries?
Temos várias idéias, não sei qual vai ter prioridade. Tem uma sobre AIDS que é um assunto que ninguém fala mais a respeito, parece que acabou. Tem outra sobre contracepção onde a gente quer discutir essa questão do planejamento familiar que é um problema gravíssimo no Brasil. As duas têm atualidade, mas provavelmente a do planejamento familiar será a próxima.

A linguagem médica rebuscada dificulta nas soluções para a saúde pública no Brasil?
O desafio que nós temos em um país como o Brasil é pegar o conhecimento científico... ah, não adianta que o povo não vai entender... isso não é problema do povo, é problema seu... se você domina esse conhecimento científico você tem que encontrar uma linguagem que possa ser entendida pelos outros. Acho que essa é a razão do sucesso da série. Precisaria ter uma cadeira nas faculdades de Medicina sobre mídia ou comunicação.

E como você foi desenvolvendo a sua linguagem médica? Foi um processo natural?
Fui aprendendo desde jovem, porque entrei na Medicina e, ao mesmo tempo, comecei a dar aula em cursinho, aos 18 anos. Dar aula em cursinho é uma experiência muito interessante e super mal compreendida. É o único lugar em que o professor tem obrigação de ensinar aos alunos, caso contrário perde o emprego. Na universidade ninguém tem obrigação de nada, no colégio também... mas no cursinho se a aula não for boa, tem Ibope no fim do mês, e os caras te põe pra fora. Tive um aprendizado de vinte anos em cursinho. E na televisão, no rádio, foi só me adequar ao meio.

O que mudou do começo pra agora na sua percepção deste seu trabalho na TV?
Televisão é interessante porque nela você fica famoso independente da qualidade do que fala. Isso é um pouco incompatível com a imagem do médico no consultório cuidando de doentes. E aí você vê o seu médico falando na televisão... isso é uma coisa muito nova, porque os médicos não iam a televisão de jeito nenhum e quem acabava aproveitando eram os malandros, os que estavam em jogadas comerciais. No início fiquei com medo que isso me prejudicasse porque o que gosto de fazer é Medicina e o que faço na televisão é Medicina também. Mas com o tempo houve um entendimento sobre o que faço. Acho que é mais importante do que o que faço no consultório. Lá está o que mais gosto de fazer que é ver doente, examinar, tratar, acompanhar, é o que me dá mais prazer, mas se tivesse que pensar no alcance social, não tem nem comparação.

Com este seu trabalho na TV você acabou se tornando uma referência para muitos assuntos. Todo mundo quer sua opinião para todo tipo de tema. Qual é o tamanho dessa responsabilidade?
É complicado. Quando você chega nessa posição tem que medir tudo o que fala. Tudo tem repercussão, interpretação, sai no jornal... aí você começa a entender aqueles que falam, falam e não dizem nada. Detesto isso e às vezes acabo sendo espontâneo e falando coisas do jeito que penso. Isso causa problemas sérios porque tem gente que se ofende, ou não entende, ou pergunta coisas que não tem respostas simples. Dá vontade de ficar quieto, mas é impossível porque o trabalho na mídia tem essa característica pública. Agora tem uma coisa... eu acredito nisso e tenho a convicção que a gente tem que fazer esse trabalho. A gente tem uma obrigação moral... imagina, a pessoa faz uma universidade pública, trabalha, depois de um tempo está financeiramente tranqüilo, passa o fim de semana no sítio, depois vai pro consultório... acho que a vida é mais do que isso, tem que ter responsabilidade com o país, com as pessoas que vivem nele. Acredito firmemente nisso e é com esta certeza que consigo aguentar o peso da responsabilidade.

2 comentários:

Humberto Peron disse...

O Dr. é uma grande figura e faz um trabalho digno de respeito longe das teles. Mas esse comercial oficial da lei contra o tabaco do governo Serra, não caiu bem. Acho que pessoas, como o Dr. Drauzio não precisam ter sua imagem coladas com políticos - sejam eles de qualquer corrente política.

Dafne Sampaio disse...

putz, peron. assino embaixo. admiro drauzio e entendo o porquê de sua participação na campanha (ele é um anti-tabagista histórico), mas o serra, ah, o serra...