sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

uma grande dama

acho que já falei por aqui que não gosto de entrevistar por telefone. falta o olho no olho, a reveladora linguagem corporal, enfim, falta uma porrada de coisas. mas como o tempo ruge e as distâncias existem, ocasionalmente não existe saída. foi assim com marília pêra em maio de 2008. o mote da entrevista pra revista monet era a estreia, no canal brasil, de vestido de noiva, de joffre rodrigues. olha o trailer.



confesso que até hoje não vi o filme, mas conheço bem a genial peça do nelson rodrigues, já li algumas vezes. e a entrevista? que desperdício falar apenas uns 20 minutos com uma atriz com tanta história pra contar. e ela foi tão profissional ao telefone, tão anti-estrela. enfim... segue aqui o bate-papo, direto do meu baú (que há tempos não abria).

INSTINTO PURO - A grande dama fala de sua relação com a obra de Nelson Rodrigues – das crônicas que a avó lhe contava para dormir à cafetina do filme Vestido de Noiva


Quando você assistiu uma peça do Nelson pela primeira vez?
Tenho uma história anterior com o Nelson porque quando tinha, sei lá, uns 5 anos meus pais saíam para trabalhar no teatro e me deixavam com a minha avó, que era atriz também, lá no Rio Comprido. E ela lia pra mim na cama aquelas crônicas de
A Vida Como Ela É. Não tinha idéia de quem escrevia, mas gostava muito daquilo. Tenho esse encontro com Nelson ainda muito menina. Depois vi Toda Nudez Será Castigada, Bonitinha Mas Ordinária e todas as adaptações para o cinema. Fiz também alguns trechos de peças dele para o Fantástico na década de 1970 e depois, em 1998, estive em uma montagem de Toda Nudez.

Alguma razão para essa demora?
É que foi a primeira vez que me convidaram pra fazer um Nelson Rodrigues e como não produzo tudo o que faço... foi só por isso. Outras atrizes foram fazendo e houve um momento em que montaram muito as peças dele. Acho que acabou surgindo um desinteresse meu por causa disso, por causa de tantas boas montagens. Já estava feito. Aí fui esquecendo da minha vontade de fazer.

Qual a contribuição do Nelson Rodrigues para a dramaturgia nacional?
Ele é um revolucionário e uma pessoa louca, mas no sentido criativo. Engraçado. Com uma família dilacerada e uma coragem de expor todas as coisas que aconteceram com ele. Teve uma vida muito rica, uma história muito sofrida e tudo colocado ali no teatro. É um clássico. É o nosso maior autor e um desbravador que abriu o caminho para muitos autores brasileiros.


E como chegou o convite para participar dessa adaptação?
Acho que o Joffre Rodrigues
[diretor do filme e filho de Nelson Rodrigues] pretendia fazer com outras atrizes, uma delas era a Lucélia Santos, mas não sei porque não aconteceu com nenhuma delas e ele acabou chegando a mim. Quando ele chegou com o texto e o convite não entendi muito bem porque sempre imaginei a Madame Clessy como uma mulher de 40 anos. Achei estranho porque tenho uma idade maior que essa, mas ele disse que isso não tinha importância e partimos para o filme.

Como foi a experiência de viver a Madame Clessy?
Viver qualquer texto do Nelson é uma experiência rica porque ele tem um jeito todo particular de contar a vida. Queria muito viver isso. E a Clessy é linda, é uma personagem muito bonita que morre de amor por um menino de 17 anos. Sempre vi a Madame Clessy muito meiga e delicada, diferente de outras interpretações que deram a ela. Já vi a Clessy muito incisiva, mais cafetina mesmo, mas sempre imaginei ela mais doce, mais menina. Aliás, eu tenho mesmo essa tendência de puxar o lado menina das personagens. Gosto de fazer isso.


E porque você faz isso?
Acho que a alma da personagem está na criança. É quando ela é mais verdadeira. Eu sempre regrido um pouco os personagens para entender suas almas. Acho que é isso. E a Madame Clessy é uma menina, uma menina.


Isso me lembra seu personagem em Polaróides Urbanas...
É que as gêmeas são puro instinto e a criança é puro instinto. A Magali e a Magda talvez tenham essa coisa mais infantil, mais espontânea. Possuem menos auto-censura.


Como foi o trabalho em Polaróides?
O Miguel Falabella é um homem de teatro. Primeiro como ator e depois como escritor, produtor e diretor. Depois é que foi fazer televisão e agora está começando em cinema. O Miguel é muito talentoso e delicado no trato com os atores. Essa é uma diferença muito visível entre os diretores que são também atores e os diretores-diretores. Os diretores-atores possuem um extremo cuidado com os atores e um desejo enorme de deixá-los à vontade e felizes. Voltando ao Miguel... ele sabia muito bem o que queria, nunca ficou perdido e conseguiu com o diretor de fotografia uma movimentação de câmera muito cinematográfica. Acho o filme muito bem acabado, muito redondo. E muito bonito, o que acabou me surpreendendo porque a minha parte é muito chanchada da Atlântida – a Magali e a Magda são a Dercy Gonçalves
[risos] - e não sabia que aconteceriam tantos momentos pungentes e dramáticos nas outras partes.

e pra encerrar, o video da "polêmica" participação da atriz no especial elas cantam roberto (2009), no qual interpretou a setentista "120, 150, 200 km por hora". é um pouco cheio de excessos teatrais mais que a conta, mas é forte e de verdade.



p.s.: procurando videos de marilia no youtube achei uma propaganda de sempre livre que ela estrelou em 1974. toda metalinguística, a propaganda teve um trecho censurado - um close na aba do absorvente (?) - e a história é contada no blog almanaque da comunicação.

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