CADA UM NO SEU QUADRINHO
Tem gente que até hoje acha que quadrinho é coisa de
moleque, criança ou adolescente. Eu descobri criança, ali em meados dos anos
1980, que o buraco era mais embaixo, ou ainda, que os melhores quadrinhos eram
aqueles que usavam essa linguagem tão popular para tratar de temas
tremendamente adultos. E eles existiam aos montes! Na verdade desde sua origem,
na virada do século 19 para o 20, com o extraordinário Little Nemo
(1905-14/1924-27), de Winsor McCay. Claro que só fui saber disso muito depois.
No começo eram os super-heróis: Batman, X-Men, Homem Aranha,
Hulk, DC Comics e Marvel, aquela coisa toda. Mas aí dentro desse universo comecei
a ver coisas diferentes, densas, como Batman – O Cavaleiro das Trevas (Frank
Miller, 1986), Elektra Assassina (Miller e Bill
Sienkiewicz, 1986-87), Batman: Ano Um (Miller e David Mazzucchelli, 1987), Batman
– A Piada Mortal (Alan Moore e Brian Bolland, 1988), Asilo Arkham (Grant
Morrison e Dave McKean, 1989) e o Monstro do Pântano
de Alan Moore.
E as portas definitivamente se abriram com V de Vingança (Alan
Moore e David Lloyd, 1982-85), Watchmen (Alan Moore e Dave Gibbons, 1986-87), Maus
(Art Spiegelman, 1986/91), a Mafalda do argentino Quino,
a Valentina do italiano Guido Crepax, as moças do também italiano Milo Manara, as
aventuras do francês Moebius e o pioneirismo de Will Eisner. No Brasil eram os
tempos de Chiclete com Banana (Angeli),
dos Piratas do Tietê (Laerte),
da revista Circo (editada por Luiz Gê e Laerte) e da saudosa Animal, revista
que me fez conhecer um mundo inteiro de artistas de primeira como Tanino
Liberatore, Daniel Torres, Fábio Zimbres, Andrea Sapienza, os irmãos Jaime
e Gilbert Hernandez, e Lourenço Mutarelli.
Tudo isso que foi citado tinha (e tem) uma coisa em comum: linguagem
pop, impacto visual e dedo na ferida (nas mais diversas feridas).
Acredito que nos últimos anos os quadrinhos se cristalizaram
como uma das mais relevantes artes populares. E que o mercado editorial
brasileiro vem conseguindo dar conta de lançar grandes álbuns estrangeiros e
estimular a produção nacional (graças às editoras guerreiras Conrad, Devir e Zarabatana Books, e ao atual poderio
da Quadrinhos
na Cia.). Não é o ideal, poder ser mais, e ainda é um pouco caro, mas
estamos muito melhores do que já estivemos. Basta dar uma olhada nos
lançamentos deste ano para se ter pistas disso.
Entre os gringos é possível entender um pouco sobre as
relações entre o Oriente Médio e os Estados Unidos em Os Melhores Inimigos (Jean-Pierre
Filiu e David B.) ou da história chinesa em Adeus Tristeza – A História dos
Meus Ancestrais (Belle Yang). Acompanhar leituras particulares das vidas de
grandes personalidades como J. Edgar Hoover (Rick Geary) e Freud (Anne Simon e
Corinne Maier) ou de zés-ninguéns como Wilson (Daniel Clowes). E o subgênero ‘confessional’?
Está lá em Pagando por Sexo (Chester Brown). Porém, nada melhor que fábulas
barra pesada como Pinóquio (Vincent ‘Winshluss’ Paronnaud) e Habibi (Craig
Thompson).
Já no Brasil tem o confessionalismo moleque de Momentos
Brilhantes da Minha Vida Ridícula (Adão Iturrusgarai), a fantasia Monstros! (Gustavo
Duarte), a crônica sexual-racial de Deus Essa Gostosa (Rafael Campos Rocha) e a
deliciosa aventura de A Máquina de Goldberg (Vanessa Barbara e Fido Nesti). Destaque
especial para os relançamentos luxuosos de Avenida Paulista (Luiz Gê), Diomedes
(Lourenço Mutarelli) e Toda Rê Bordosa (Angeli).
Histórias diversas, traços ainda mais, tudo unido em nome de
obras que se mostram atualmente mais adultas que o cinema, mais impactantes que
a literatura e mais humanas que o noticiário.
p.s.: Até o final do ano deve sair Crônicas de Jerusalém, do
sempre excelente Guy Delisle, enquanto não chegam por essas bandas Building
Stories (Chris Ware, o mesmo de Jimmy Corrigan) e Journalism (Joe Sacco, de Notícias
de Gaza). Sem falar em mais Rafael Coutinho, Rafael Grampá, Dash Shaw, Charles
Burns, Marjane Satrapi, Caeto Melo, Alison Bechdel, muita gente boa pra
dedéu...
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