sábado, 3 de novembro de 2012

yahoo #51

nesse primeiro texto yahoozístico pós-campanha escolhi um assunto que queria tratar há tempos: quadrinhos. os últimos anos tem sido sensacionais em termos de lançamentos aqui no brasil e posso falar com conhecimento de causa porque compro e leio quadrinhos nacionais e internacionais desde meados dos anos 1980. na primeira parte, o texto é um apanhado pessoal, enquanto na segunda é um vôo panorâmico sobre os livros em quadrinhos (as tais 'graphic novels') de 2012. quem conhece quadrinhos tá careca de saber de tudo isso, mas é que foi feito como uma apresentação desse mundo pros leitores do yahoo.




CADA UM NO SEU QUADRINHO

Tem gente que até hoje acha que quadrinho é coisa de moleque, criança ou adolescente. Eu descobri criança, ali em meados dos anos 1980, que o buraco era mais embaixo, ou ainda, que os melhores quadrinhos eram aqueles que usavam essa linguagem tão popular para tratar de temas tremendamente adultos. E eles existiam aos montes! Na verdade desde sua origem, na virada do século 19 para o 20, com o extraordinário Little Nemo (1905-14/1924-27), de Winsor McCay. Claro que só fui saber disso muito depois.

No começo eram os super-heróis: Batman, X-Men, Homem Aranha, Hulk, DC Comics e Marvel, aquela coisa toda. Mas aí dentro desse universo comecei a ver coisas diferentes, densas, como Batman – O Cavaleiro das Trevas (Frank Miller, 1986), Elektra Assassina (Miller e Bill Sienkiewicz, 1986-87), Batman: Ano Um (Miller e David Mazzucchelli, 1987), Batman – A Piada Mortal (Alan Moore e Brian Bolland, 1988), Asilo Arkham (Grant Morrison e Dave McKean, 1989) e o Monstro do Pântano de Alan Moore.

E as portas definitivamente se abriram com V de Vingança (Alan Moore e David Lloyd, 1982-85), Watchmen (Alan Moore e Dave Gibbons, 1986-87), Maus (Art Spiegelman, 1986/91), a Mafalda do argentino Quino, a Valentina do italiano Guido Crepax, as moças do também italiano Milo Manara, as aventuras do francês Moebius e o pioneirismo de Will Eisner. No Brasil eram os tempos de Chiclete com Banana (Angeli), dos Piratas do Tietê (Laerte), da revista Circo (editada por Luiz Gê e Laerte) e da saudosa Animal, revista que me fez conhecer um mundo inteiro de artistas de primeira como Tanino Liberatore, Daniel Torres, Fábio Zimbres, Andrea Sapienza, os irmãos Jaime e Gilbert Hernandez, e Lourenço Mutarelli.

Tudo isso que foi citado tinha (e tem) uma coisa em comum: linguagem pop, impacto visual e dedo na ferida (nas mais diversas feridas).


Acredito que nos últimos anos os quadrinhos se cristalizaram como uma das mais relevantes artes populares. E que o mercado editorial brasileiro vem conseguindo dar conta de lançar grandes álbuns estrangeiros e estimular a produção nacional (graças às editoras guerreiras Conrad, Devir e Zarabatana Books, e ao atual poderio da Quadrinhos na Cia.). Não é o ideal, poder ser mais, e ainda é um pouco caro, mas estamos muito melhores do que já estivemos. Basta dar uma olhada nos lançamentos deste ano para se ter pistas disso.

Entre os gringos é possível entender um pouco sobre as relações entre o Oriente Médio e os Estados Unidos em Os Melhores Inimigos (Jean-Pierre Filiu e David B.) ou da história chinesa em Adeus Tristeza – A História dos Meus Ancestrais (Belle Yang). Acompanhar leituras particulares das vidas de grandes personalidades como J. Edgar Hoover (Rick Geary) e Freud (Anne Simon e Corinne Maier) ou de zés-ninguéns como Wilson (Daniel Clowes). E o subgênero ‘confessional’? Está lá em Pagando por Sexo (Chester Brown). Porém, nada melhor que fábulas barra pesada como Pinóquio (Vincent ‘Winshluss’ Paronnaud) e Habibi (Craig Thompson).

Já no Brasil tem o confessionalismo moleque de Momentos Brilhantes da Minha Vida Ridícula (Adão Iturrusgarai), a fantasia Monstros! (Gustavo Duarte), a crônica sexual-racial de Deus Essa Gostosa (Rafael Campos Rocha) e a deliciosa aventura de A Máquina de Goldberg (Vanessa Barbara e Fido Nesti). Destaque especial para os relançamentos luxuosos de Avenida Paulista (Luiz Gê), Diomedes (Lourenço Mutarelli) e Toda Rê Bordosa (Angeli).

Histórias diversas, traços ainda mais, tudo unido em nome de obras que se mostram atualmente mais adultas que o cinema, mais impactantes que a literatura e mais humanas que o noticiário.

p.s.: Até o final do ano deve sair Crônicas de Jerusalém, do sempre excelente Guy Delisle, enquanto não chegam por essas bandas Building Stories (Chris Ware, o mesmo de Jimmy Corrigan) e Journalism (Joe Sacco, de Notícias de Gaza). Sem falar em mais Rafael Coutinho, Rafael Grampá, Dash Shaw, Charles Burns, Marjane Satrapi, Caeto Melo, Alison Bechdel, muita gente boa pra dedéu...

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