quarta-feira, 28 de novembro de 2012

yahoo #54

acho que foi em agosto que o muy aguardado disco de samba de mr. catra caiu na rede e a expectativa era alta para quem acompanha a carreira do sujeito. eu, que sempre esperei um disco bem produzido de catra, também me frustrei um pouco. não foi dessa vez. fora as razões musicais que aponto no texto pro yahoo, tenho a impressão que ele não liga muito pra esse lance de discos, nunca ligou. ele só quer as músicas para os shows e tá bom demais. catra, afinal, só faz o que lhe der na telha.




O SAMBA SEM PUTARIA DE MR. CATRA

Ele gosta de ser chamado de “Operário do funk”, o que diz muito sobre como encara seu ofício: música é trabalho (está no batente há quase 20 anos), entretenimento é trabalho (aos 44 anos segue fazendo shows todos os dias). Pra falar a verdade, sua vida toda é trabalho, afinal possui entre 20 e 24 filhos, sempre mais de uma esposa e muitas ex-mulheres.

Figura das mais singulares da música popular brasileira, Mr. Catra é tudo isso, mas é também um sujeito espiritualizado, autoproclamado “judeu salomônico”. Esse lado religioso, despertado por uma viagem a Jerusalém em 1999, acabou entrando no seu conhecido repertório de funks hipersexualizados, proibidões ou de crítica social. Mas ele também é machista, sexista e homofóbico. E bem humorado e a favor da legalização das drogas para acabar com o tráfico. O Isaac Hayes da Tijuca é um liquidificador de mil loucuras e sanidades.

Como se tudo isso fosse pouco, Catra encarou recentemente um disco de sambas, heresia total para alguém que começou no rock, passou pelo rap e ganhou notoriedade no funk. Na humildade lhe deu o título de Com Todo Respeito ao Samba. Mas talvez, talvez não, com certeza, humildade e respeito acabaram atrapalhando seu acerto de contas com a tradição de sua cidade. Claro que tem coisa boa – além dessa “Eu só quero paz” salvam-se as ótimas “Triste fim da mina”, “Sua foto” e “Mangueira é uma mãe” –, mas faltou mais Catra nesse samba (o pessoal do Fita Bruta, um dos poucos veículos que resenhou o disco, ficou ainda mais frustrado que eu).


O resultado abaixo das expectativas não tem nada a ver com sua interpretação, segura, rascante, dolorida como sempre. A voz de Catra é uma das mais fortes e cheias de balanço dos últimos tempos, mas a produção musical nunca ajuda. Nos funks geralmente é pobre e nesses sambalanços ficou quadrada, achatada. Todos os arranjos tem aquele peso de teclados e batuque careta, confirmando que o samba pop carioca foi definitivamente ganho por diluições da turma de Cacique de Ramos (Arlindo Cruz, Jorge Aragão, Zeca Pagodinho, etc.), produção do Rildo Hora, aquela coisa toda. Rolam até uns saxofones oitentistas estragando “Happy end” e “Tão lindo”, faixas que poderiam ser boas baladas soul.

Tudo é limpinho demais, redondinho demais, o que é exatamente o oposto do que Catra sempre fez. Um cara que cantou pedradas como “Júri popular” (player abaixo) agora vai de beatices constrangedoras como “Minha vida é um milagre de Deus” e “Evolução”.


Agora é torcer para Catra voltar logo aos bons tempos de molecagem. O funk e o samba carioca, atualmente tão carentes de novidades e vozes poderosas, agradeceriam. Porque, da minha parte, sempre vou achar mais legal um cara que fala “Putaria é sexo com alegria, putaria é quase amor” – frase já clássica registrada no documentário 90 Dias com Catra (direção de Rafael Mellin, 2010) – do que o que diz “Muito obrigado Senhor por esse mundo de maravilhas”. Mas aí vai de cada um.

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