O SAMBA SEM PUTARIA DE MR. CATRA
Ele gosta de ser chamado de “Operário do funk”, o que diz
muito sobre como encara seu ofício: música é trabalho (está no batente há quase
20 anos), entretenimento é trabalho (aos 44 anos segue fazendo shows todos os
dias). Pra falar a verdade, sua vida toda é trabalho, afinal possui entre 20 e
24 filhos, sempre mais de uma esposa e muitas ex-mulheres.
Figura das mais singulares da música popular brasileira, Mr. Catra é tudo isso, mas é também um
sujeito espiritualizado, autoproclamado “judeu salomônico”. Esse lado
religioso, despertado por uma viagem a Jerusalém em 1999, acabou entrando no
seu conhecido repertório de funks hipersexualizados, proibidões ou de crítica
social. Mas ele também é machista, sexista e homofóbico. E bem humorado e a
favor da legalização das drogas para acabar com o tráfico. O Isaac Hayes da
Tijuca é um liquidificador de mil loucuras e sanidades.
Como se tudo isso fosse pouco, Catra encarou recentemente um
disco de sambas, heresia total para alguém que começou no rock, passou pelo rap
e ganhou notoriedade no funk. Na humildade lhe deu o título de Com Todo Respeito ao Samba. Mas talvez,
talvez não, com certeza, humildade e respeito acabaram atrapalhando seu acerto
de contas com a tradição de sua cidade. Claro que tem coisa boa – além dessa
“Eu só quero paz” salvam-se as ótimas “Triste
fim da mina”, “Sua foto” e “Mangueira é uma mãe” –, mas faltou mais
Catra nesse samba (o pessoal do Fita
Bruta, um dos poucos veículos que resenhou o disco, ficou ainda mais
frustrado que eu).
O resultado abaixo das expectativas não tem nada a ver com
sua interpretação, segura, rascante, dolorida como sempre. A voz de Catra é uma
das mais fortes e cheias de balanço dos últimos tempos, mas a produção musical
nunca ajuda. Nos funks geralmente é pobre e nesses sambalanços ficou quadrada,
achatada. Todos os arranjos tem aquele peso de teclados e batuque careta,
confirmando que o samba pop carioca foi definitivamente ganho por diluições da
turma de Cacique de Ramos (Arlindo Cruz, Jorge Aragão, Zeca Pagodinho, etc.),
produção do Rildo Hora, aquela coisa toda. Rolam até uns saxofones oitentistas
estragando “Happy end” e “Tão lindo”, faixas que poderiam ser boas baladas
soul.
Tudo é limpinho demais, redondinho demais, o que é
exatamente o oposto do que Catra sempre fez. Um cara que cantou pedradas como
“Júri popular” (player abaixo) agora vai de beatices constrangedoras como
“Minha vida é um milagre de Deus” e “Evolução”.
Agora é torcer para Catra voltar logo aos bons tempos de
molecagem. O funk e o samba carioca, atualmente tão carentes de novidades e
vozes poderosas, agradeceriam. Porque, da minha parte, sempre vou achar mais
legal um cara que fala “Putaria é sexo com alegria, putaria é quase amor” –
frase já clássica registrada no documentário 90 Dias com Catra (direção de Rafael
Mellin, 2010) – do que o que diz “Muito obrigado Senhor por esse mundo de
maravilhas”. Mas aí vai de cada um.
Nenhum comentário:
Postar um comentário