LAERTE, MAIS QUE UM ROSTINHO BONITO
Cerca de três anos atrás o cartunista Laerte Coutinho, um dos
artistas mais importantes das artes visuais brasileiras, passou a dar mergulhos
profundos e públicos na própria sexualidade. Quem acompanha suas tirinhas
diárias no jornal Folha de S. Paulo já poderia prever que algo
estava para acontecer, pois desde 2004/05 elas estavam mais existenciais,
filosóficas. Mas então, em 2009, o paulistano começou a virar mulher. Quer
dizer, mulher não.
Era o mesmo Laerte de sempre só que com roupas femininas,
maquiagem, acessórios, depilação, assumidamente bissexual, e querendo
seriamente experimentar um possível “ser mulher” sendo homem (nunca teve
intenção de fazer cirurgia de troca de sexo, por exemplo, mas vem pensando em próteses
de silicone). Tudo isso foi uma surpresa para os filhos, namorada, amigos e
fãs. Mas quem está vivendo na pele, dia após dia, essa surpresa e essa batalha
é o próprio Laerte.
“Gênero é uma construção social que faz parte da cultura e
não da biologia. As possibilidades são inúmeras”, afirmou em recente entrevista
à revista Continuum
(Itaú Cultural). Homem, mulher, roupa de homem, roupa de mulher, nada disso
importa. O que importa mesmo é ser livre e respeitado. O resto vai de cada um.
Agora, o fato de ser muito querido como artista/profissional
ajudou um bocado na boa aceitação social de sua nova vida. Com pouco mais de 40
anos de carreira e um curriculum invejável de personagens (Piratas do Tietê,
Overman, Palhaços Mudos, Deus, etc.) e obras (Laertevisão, Los Tres Amigos,
Muchacha, etc.), Laerte é um privilegiado. Ele sabe disso.
Por isso vem usando suas entrevistas em revistas e TVs (“De frente com Gabi” e “Roda Viva”, por exemplo) como uma forma
leve e didática de registrar sua busca pessoal
e, ao mesmo tempo, quebrar tabus. Em um mundo que não oferece alguns dos
direitos civis mais básicos a homossexuais e transgêneros, a discussão proposta
por Laerte parece muito avançada. E é mesmo.
Basta ver a disposição de deputados federais irresponsáveis
como o trio João Campos (PSDB-GO), Pastor Eurico (PSB-PE) e Pastor Marco
Feliciano (PSC-SP) que vem tentando revogar a resolução do Conselho Federal de
Psicologia que proíbe profissionais da área de oferecerem tratamento para
“curar” homossexuais. Coisa mais óbvia do mundo, afinal homossexualidade não é
doença. Intolerância sim é uma doença e, felizmente, tem cura: educação.
Em reportagem da Exame, Marco Feliciano chega ao absurdo de afirmar que “Não é que nem negro que nasce negro e não tem como mudar. ‘Homossexualismo’ pode ser mudado”. Provavelmente se existisse uma cura para negritude esse homem de Deus lutaria por um tratamento voluntário. De um sujeito que já disse que a AIDS e a fome surgiram na África por causa da “maldição do paganismo, ocultismo” é possível se esperar qualquer coisa.
Em reportagem da Exame, Marco Feliciano chega ao absurdo de afirmar que “Não é que nem negro que nasce negro e não tem como mudar. ‘Homossexualismo’ pode ser mudado”. Provavelmente se existisse uma cura para negritude esse homem de Deus lutaria por um tratamento voluntário. De um sujeito que já disse que a AIDS e a fome surgiram na África por causa da “maldição do paganismo, ocultismo” é possível se esperar qualquer coisa.
Mas é isso. As coisas do mundo não caminham em linha reta.
São camadas variadas, níveis diversos, ocasionalmente fazendo curvas bruscas à
direita ou esquerda, passando por solavancos, dando cavalos de pau. No entanto,
alguém ter que se linha de frente, dar a cara pra bater. Sessentona enxuta,
Laerte é a cara mais lindamente maquiada de quem respeita a diferença, luta
pelo amor e recusa
o ódio.
p.s. esforçado: depois lembrei de um vídeo muito divertido feito pelo comediante carioca rafucko que trata justamente de um dos "argumentos" mais recorrentes dos intolerantes dos tempos de hoje, a tal da "ditadura gay". as coisas que a gente tem que ouvir nessa vida...
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