quarta-feira, 30 de junho de 2010

do lado de fora da cela

quase três anos depois voltei a escrever uma reportagem para o projeto generosidade (a outra tá aqui), e novamente na revista monet (agora na edição de julho). fui com o fotógrafo jefferson dias rumo a cidade paulista de votorantim, próximo a sorocaba, para saber mais sobre o tv cela, projeto que une as reeducandas da cadeia pública feminina da cidade na criação e realização de um programa que trata de saúde, mulheres, direitos humanos e cultura, entre outros assuntos (e que é exibido em tvs comunitárias e afiliadas da região). tudo feito por elas com o objetivo de quebrar uns tantos preconceitos da sociedade civil. projeto bacana e importante.

uma das coordenadoras do projeto, a jornalista luciana lopez, prende um lençol que serve para suavizar um pouco da luz natural, enquanto a apresentadora do tv cela (e detenta) iara mello observa

CORREDOR DA LIBERDADE

É dia de visita na Cadeia Pública Feminina de Votorantim, cidade que foi distrito de Sorocaba e fica a 100 km de São Paulo, e a alegria é palpável em cada conversa. Mas, como é habitual no sistema prisional brasileiro, existem mais bocas por aqui do que deveriam. Construída para abrigar 48, a cadeia está agora com 172 e já chegou a ter pouco mais de 200 reeducandas – termo utilizado para substituir os estigmatizados ‘detentas’ ou ‘presidiárias’ e que revela o desejo por ressocialização. Com tanta mulher junto, o burburinho não tem fim, nem mesmo quando chega a hora das visitas irem embora, pois a melancolia das despedidas é logo substituída pela euforia das lembranças. E elas cantam, batem palmas, riem. Mas o dia ainda não acabou e é hora de começar a gravação de mais um programa do TV Cela.

Criado e coordenado voluntariamente pelos jornalistas Werinton Kermes e Luciana Lopez, o TV Cela teve início em setembro de 2009 e é filho direto de um programa de rádio chamado Povo Marcado (e um posterior documentário de mesmo nome), realizado no mesmo local entre 2007 e 2008. O estímulo sempre foi muito claro e de mão dupla: os programas servem para desfazer preconceitos da sociedade sobre o universo da carceragem e, ao mesmo tempo, as detentas se descobrem capazes de habilidades até então desconhecidas, afinal são as próprias que assinam roteiro, produção, apresentação e câmeras.


“A gente não costuma perguntar sobre o passado, mas sabemos que a grande maioria das mulheres veio parar aqui por tráfico de drogas ou por associação ao tráfico. E quase todas ainda estão esperando, presas, a sentença. Por isso, nossos assuntos giram sempre sobre o futuro”, explica Luciana. E assim elas falam de saúde, cultura, direitos humanos, leis, beleza e trabalho, além de uma entrevista especial por programa, que é veiculados em canais comunitários como a TV Votorantim, e apoiado pela Associação Cultura Votorantim e pelo CEUNSP (Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio).

A “cela-estúdio” é montada rapidamente em um dos corredores da cadeia, enquanto um maquiador faz o seu trabalho na apresentadora Iara Mello e na cinegrafista Edicleusa Gomes que, experientes, estão no projeto desde o início. Existe um rodízio entre as integrantes da equipe que faz a TV Cela, um tanto para envolver um número maior de detentas, mas também por causa de ocasionais liberdades e transferências.

“O cotidiano aqui é muito parado, então quando o projeto apareceu foi uma maravilha, me deu uma nova esperança”, diz Edicleusa, mãe de três filhas e natural de Itu. “Sabe uma coisa que me impressionou? A repercussão do que a gente faz lá no blog e em cartas que recebemos. Tem do Brasil inteiro, principalmente depois de um programa que fizeram sobre a gente lá na ESPN”, explica Iara, que era auxiliar de modelista em Tietê e agora pensa em apresentar uma atração para jovens. No momento, e um pouco nervosa, entrevistará o respeitado jurista e político Hélio Bicudo que, antes de começar o programa, pede para conhecer a cadeia de cela em cela.

Tudo pronto e uma das detentas manda um “salve geral” para as colegas fazerem silêncio. A gravação transcorre dentro do mais calmo profissionalismo e é visível o encantamento de Bicudo ao se deparar com perguntas tão sérias quanto pertinentes. “Eu vi algo de novo aqui, nesse programa que desvenda uma prisão feminina. Foi muito gratificante participar”, declarou após cerca de uma hora de gravação. Então a noite cai e é hora de partir. Mas não para essas mulheres de Votorantim que já sonham com novos programas, enquanto a liberdade não chega.

p.s.: achei no amigão youtube um trecho desse programa com o hélio bicudo e que acompanhei a gravação. saca só.



também achei esse outro (mais interessante e melhor editado) com cenas do cotidiano da cadeia e bastidores de outras gravações. ao som de "metrô linha 743" (raul seixas) por cássia eller.


2 comentários:

produção disse...

Olá! Somos da equipe do "TV Cela" e fazemos questão de deixar registada aqui a nossa satisfação com a reportagem escrita pelo jornalista Dafne Sampaio, bem como as fotos do Jefferson Dias e a diagramação. Estão todos de parabéns e ficamos profundamente contentes com a matéria. Em nome de todas as reeducandas, agradecemos a divulgação.
Atenciosamente, Luciana Lopez e Werinton Kermes (http://projetotvcela.blogspot.com)

Anônimo disse...

muito bom Dafne.
Jeff