sábado, 22 de maio de 2010

luta boa, luta limpa

lá na editora globo existe o projeto generosidade que envolve, desde 2006, todas as revistas em reportagens sobre ações de pessoas em busca pelo bem comum (geralmente são projetos que ainda não foram contemplados por grana da iniciativa privada). em 2007, lá na monet, escrevi uma sobre o projeto viver (cora garrido boxe), misto de instituição social, academia de ginástica e escola de boxe e artes marciais (tudo para ressocializar camadas mais pobres da população). quando entrevistei nilson garrido e cora garrido, o projeto estava embaixo de um viaduto na tradicionalíssima bela vista (bexiga). não sei se em 2008 ou 2009 foram expulsos de lá pela política higienista do prefeito kassab e agora estão na mooca, na altura do número 1200 da radial leste. a luta de nilson e cora não tem fim.

foto de joão kehl, da cia de foto, que fez uma série sobre
os boxeadores da academia nos tempos do bexiga


A CIDADE É UM RINGUE

Era uma noite qualquer no Centro de São Paulo quando o segurança e ex-boxeador Nilson Garrido se deparou com um menino. Ele disse que tinha 9 anos, estava machucado por causa de uma briga e pediu ajuda. Garrido disse que sim e a partir daquela noite começou a reunir meninos de rua em um improvisado ringue de boxe ali mesmo no Vale do Anhangabaú. Curiosamente aquele garoto - conhecido como Alemão - nunca apareceu. Garrido ainda o encontrou outras três vezes e em todas ele fugiu. Até hoje não sabe se o que aconteceu foi real ou se foi uma espécie de chamado, mas uma coisa é certa, o que começou individualmente se transformou em um projeto social que possui pouco mais de 900 pessoas cadastradas e atende de 100 a 150 pessoas/dia, todos sob coordenação de Garrido e da amiga Cora Batista. Em janeiro de 2007, o Cora Garrido Boxe, também conhecido como Projeto Viver, completou um ano em sua casa nova doada pela Prefeitura, debaixo do Viaduto do Café, no tradicional e central bairro da Bela Vista.

O barulho dos carros, caminhões e ônibus é alto, constante durante o dia e vem por todos os lados, mas ninguém parece se importar. Além do ringue de boxe, o projeto já conta com uma boa aparelhagem de ginástica, uma biblioteca, uma brinquedoteca e, futuramente, o plano de uma sala para informática e aulas de idiomas. “Trabalhamos com o resgate social de moradores de rua em situação de risco, albergados, ex-meninos da Febem e ex-detentos, além de moradores mais necessitados aqui da Bela Vista. Queremos trazê-los de volta à sociedade”, afirma Cora do alto de seu muitos anos de trabalho assistencial com mulheres. Suas vidas se encontraram há pouco mais de quatro anos em uma solenidade da Comunidade Negra do Estado e logo as idéias e projetos de ambos entraram em sintonia e a dupla resolveu juntar forças. “Temos que dar para estas pessoas estas duas grandes oportunidades para se viver melhor no mundo de hoje. É muito importante o acesso a tecnologia e cultura, mas caminhando sempre e lado a lado com o esporte. Assim é possível fazê-los acreditar que podem ser reciclados”, completa Garrido. O apoio da Prefeitura é essencial, mas o projeto vive mesmo de doações, tanto de particulares quanto de empresas.

Mas não são apenas os frequentadores do projeto que saem ganhando com a iniciativa. “Depois que a a gente chegou aqui muita coisa mudou. A região está mais segura e iluminada. As pessoas podem andar a pé durante a noite ou andar de carro com os vidros abertos”, diz Garrido. Enquanto constroem o futuro no dia-a-dia, Garrido e Cora sonham com um novo núcleo para as atividades do projeto e organizam um campeonato para novos boxeadores nos meses de fevereiro e março. “É fácil falar que é culpa do governo. O difícil é fazer as pessoas perceberem que podem dar um pouco de si para outros mais necessitados. Por isso queremos que as pessoas, políticos, empresários e cidadãos comuns, venham nos visitar para conhecer o projeto. Tenho certeza de que somos um modelo de ação social bem sucedidada, séria e com muito potencial”, afirma o ex-boxeador que só estudou até o 2º ano primário.

nilson garrido no clique de joão kehl

Ao fundo e lentamente começam a crescer os sons de punhos batendo nos sacos de treinamento. É um som seco e contínuo produzido por mais um jovem integrante do projeto. “Olha, as pessoas entram aqui de um jeito e saem com uma outra postura. Algumas até voltam a estudar. Por causa disso conseguimos fechar uma parceria com a Universidade Mackenzie. Somos beneficiados com o trote solidário deles e quatro dos nossos garotos estão no curso preparatório para a faculdade. Se eles forem bem nas provas ganharão bolsas integrais”, explica uma orgulhosa Corina.

Em muitos momentos a entrevista é interrompida: uma vizinha do projeto pergunta se eles aceitam e retiram doações; um carroceiro pede água; uma jovem com roupas esportivas quer saber quem pode orientá-la nos exercícios; e assim por diante. “Hoje estamos sem tempo para gente e com tempo para todos eles”, diz Garrido, enquanto lança um sorriso cúmplice para Cora, sua companheira de ringue e vida. A luta continua.


p.s.: encontrei alguns videos sobre o projeto dos garrido, mas esse foi o que achei mais bem feito. tem também um documentário feito como trabalho de conclusão de curso de alguns alunos da puc-sp. estão aqui parte 1 e parte 2.

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