domingo, 21 de maio de 2017

a virada vazia do "gestor"

ainda antes de tomar posse no início de janeiro, o “gestor” deixou claro que desejava esvaziar e vender são paulo, mais ou menos nessa ordem. e então veio a ideia cretina, uma de suas muitas, de tirar a virada cultural do centro da cidade para “descentralizá-la” em interlagos (!!!). houve uma grande gritaria de movimentos sociais, artistas e setores culturais, e o secretário andré estrume falou que não era bem assim, só os shows grandes e tal, mas que haveriam sim menos atrações no centro – destruindo assim o conceito original do evento criado em 2005 na administração do igualmente tucano, josé serra. enfim, a virada estava morta. só faltava o velório. 

sim, doria mente [e muito]

não dá nem pra dizer “bem feito” em um caso assim porque acompanhar o assassinato de um evento tão bacana, tão são paulo – mesmo com seus erros e problemas, maiores ou menores dependendo da gestão –, é de machucar o coração. triste ver daniela mercury cantando pra meras 2 mil pessoas no anhembi [ela que no aniversário da cidade em 2016, o último ano da gestão haddad, levou uma gigantesca multidão da faria lima até a praça roosevelt]; triste ver os cancelamentos de shows de fafá de belém [anhembi, falta de público] e mano brown [grajaú, problemas na estrutura do palco]; triste ver o parque do carmo vazio; triste não terem montando o palco da festa talco bells no centro; triste ver a viradinha sem público espremida entre cercas em interlagos e disputando atenção com o ronco de motores de uma corrida de stock car; triste ver um palco repleto de veteranos da música brasileira como paulo diniz, luis vagner, carlos dafé e tony tornado sem rampa de acessibilidade; triste ver palcos muito distantes um do outro no outrora agitadíssimo centro da virada; triste triste triste.

o público de daniela mercury no anhembi

não foi à toa que o “gestor” não postou nada sobre o evento em suas caudalosas redes sociais – a são paulo que ele administra, principalmente no facebook, está bem distante da são paulo real – e não foi à toa mesmo que ele e alckmin resolveram aproveitar o domingo da virada para invadir a cracolândia com mais de 500 policiais [mais gente que em muitos palcos] e acabar com o programa braços abertos [criado na gestão haddad para ressocialização de dependentes]. em outros anos, a praça júlio prestes vivia um domingo de virada com festa e inclusão. com doria e alckmin veio a violência, o vazio e a limpeza para os amigos da especulação imobiliária.

doria está fazendo com a virada, entre outras coisas na cidade, o que é um costume histórico de seus pares do psdb: esculhamba um serviço público, diz que não dá pra manter e o privatiza. só que o espertão que “consegue” doações de amigos empresários “sem contrapartida” parece não saber que o empresariado brasileiro é um dos mais encostados, corruptos e desinteressados do mundo. jamais bancariam por si só um evento como a virada. só colocam um dinheirinho porque o resto é bancado pela administração pública. então nem vai rolar de privatizar a virada. esvaziá-la é matá-la, caro “gestor”. 20 e 21 de maio 2017 ficarão marcados como os dias dos últimos suspiros de um dos eventos culturais mais interessantes da cidade e do brasil.

a viradinha em interlagos

fui em quase todas as edições da virada, trabalhando ou como espectador, e presenciei alguns momentos inesquecíveis dessa união de cultura, cidade e gente. conheci também várias pessoas que trabalham duramente na secretaria de cultura para fazer esse e outros eventos públicos acontecerem. triste pensar em tudo isso, nessas pessoas vivendo essa destruição de dentro e tendo que aguentar as arrogâncias e os desinteresses da dupla andré estrume e joão dollar. triste triste triste.

morreu são paulo de braços abertos [todas as fotos vieram do uol/folha]

p.s.: bem feito mesmo foi pro bradesco que pagou 2 milhões de golpes pra aparecer num evento todo destruído.

segunda-feira, 8 de maio de 2017

lincoln, o release

dando sequência à recente buena onda de frilas-release - já rolaram aqui héloa e zé ed -, agora é a vez de lincoln. baiano, brasiliense e paulistano de muitos talentos, lincoln acabou de lançar seu disco de estreia solo. não sabia nada sobre ele, seu som, nada nada, e foi uma bela surpresa encontrar um trabalho tão coeso, bem escrito e bem produzido [e acompanhado de músicos experientes como guilherme held e fábio sá]. com vocês, o release, o clipe de "fica a dica" e a íntegra do disco malvado canto.



Entre idas e vidas, Lincoln foi e é um tanto de várias coisas. Artista plástico, compositor, web-designer, músico, designer de produtos e cantor, além de baiano de nascimento, brasiliense, paulistano e até com uma passagem pelos Estados Unidos para estudos. Mas ele sempre quis, acima de tudo, mostrar sua música, mesmo quando se escondia [ou se procurava] em experimentações pessoais. Agora, aos 35 anos, o artista sai das sombras com seu primeiro disco solo, o belo Malvado Canto.

Só que antes de falar do disco se faz necessário um rápido flashback. Dois anos atrás, após uma combinação explosiva de crise de identidade e desilusão amorosa, Lincoln sentiu necessidade de um aconselhamento espiritual. Foi então que ouviu que precisava mostrar o que estava escondido, precisava cantar. 

A partir daí, como num passe mágico, caminhos se abriram, encontros se multiplicaram, todas as letras do futuro disco nasceram em apenas uma hora e as músicas foram compostas em duas semanas em parceria com Nei Zigma, que acabou assinando Malvado Canto como produtor musical. E o disco se fez, foi feito: conciso em suas 10 faixas, rebuscado em sua afetividade e pop na vontade de se comunicar. Então, solte o som & o canto, Lincoln.



“Fica a dica”, a música que abre o disco, é um rock confessional com metais abolerados e versos cortantes como “Se ele soubesse mirar no espelho / Veria mais fácil o outro sem medo”. Já “Um a um” é balada mansa de coração à mostra, daquela que traz lembranças de amores encontrados e perdidos. Mas esse tom conciliatório muda em “Escorpiônico”, uma canção de sentimentos à flor da pele no qual Lincoln grita, entre dentes, que um ex-amor “se satisfez matando um tanto de outra pessoa”. Tem raiva, frustração e desencantamento nessa música que, não coincidentemente, traz os versos que dão o nome ao disco Malvado Canto.



Só que Lincoln sabe que [o fim de] uma história de amor tem mais de uma versão, muito mais que uma leitura, e em “Silêncio e melancolia” ele dá um passo atrás e assume suas próprias responsabilidades. E é com alegria, musical inclusive, que faz isso. É tempo de reconciliação, ou pelo menos de tentativa, e surge então “O fardo do amor”, um belo pós-fado de alguém que só quer carinho. Daí que certas coisas quebradas não tem conserto, não tem cola que dê jeito, e Lincoln entende que “Já é tarde”, uma canção dolorosamente pé no chão.

Enquanto o disco se aproxima do fim, o artista, compositor e cantor olha para frente, buscando entender seus próprios desejos, medos e dúvidas. Entre efeitos e pedais, a guitarra de Guilherme Held ajuda muito a transformar em realidade as tantas emoções diferentes que saem do malvado canto de Lincoln [mas Lincoln, Zigma e Held não estão sozinhos nessa empreitada e é sempre importante citar músicos que colaboram decisivamente nos arranjos finais, tais como Fabio Sá e José Aurélio, além das participações de Marcelo Sanches, Gustavo Da Lua e Natan Oliveira].



“Frieza”, “Padrão”, “Trato de dono” e “Deita em mim”, as últimas faixas do disco, completam o arco narrativo proposto, mesmo que não todo conscientemente, por Malvado Canto. E assim Lincoln oferece sua primeira e bela contribuição solo para uma das mais fortes tradições da música popular brasileira, a saga dos afetos. Não é pouco e é só o começo.

p.s.: segue o disco na íntegra, no youtube e no spotify.