domingo, 31 de março de 2013

tudo que avoa

um mês atrás o estúdio carioca 18bis subiu em seu canal no vimeo o curta "the me bird", uma animação livremente inspirada no poema "el pássaro yo", de pablo neruda (que, com mil demônios caro google, não consegui saber de que ano é ou de qual livro). o título em inglês foi tática pra chamar atenção de clientes gringos e deu certo porque o vídeo ganhou um selo de qualidade do vimeo ("staff pick") e foi visto por uma cacetada de pessoas. trabalho bonito, muito bem feito, mas realmente "livremente inspirado" no poema do chileno. saca só.

The Me Bird from 18bis on Vimeo

e agora o poema. confesso que peguei uma tradução anônima da internet e dei uns tapinhas (tem original aqui, achei que ficou honesta). também não consegui saber em qual livro saiu aqui, o tradutor, etc.


o pássaro eu

chamo-me pássaro pablo,
ave de uma pena só,
voador na escuridão clara
e claridade confusa,
minhas asas não são vistas,
os ouvidos me retumbam
quando passo entre as árvores
ou por debaixo das tumbas
qual funesto guarda-chuva
ou como espada desnuda,
estirado como um arco
ou redondo como uma uva,
voo e voo sem saber,
ferido na noite escura,
aqueles que vão me esperar,
os que não querem meu canto,
os que me querem ver morto,
os que não sabem que chego
e não virão para vencer-me,
a sangrar-me, a retorcer-me
ou beijar minha roupa rota
pelo sibilante vento.
por isso volto e me vou,
voo mas não voo, mas canto:
sou o pássaro furioso
da tempestade tranquila. 

então é isso, "the me bird" é mesmo livremente inspirado em "o pássaro eu"/"el pássaro yo", o que não tira a beleza do trabalho (making of). mas o original de neruda tem uma força, uma segurança, um orgulho, que fiquei procurando um jeito de colocá-lo aqui na língua que foi criada, de preferência em áudio. mas achei esse vídeo delicioso de um garoto igualmente chileno declamando (e interpretando) o poema do grande neruda em um evento na escola.



p.s.: depois achei um áudio do próprio neruda declamando "el pássaro yo", mas não consegui incorporar aqui, nem baixar, então o menino contreras ficou com as honras. e fez bonito.

sexta-feira, 29 de março de 2013

foi-se o tempo

já escrevi um pouco de ficção (contos, uns roteiros curtos, coisas assim), um pouco de poesia. não tinha pretensão de ser escritor, nunca tive, era um misto de diversão e desabafo. isso durou uns dez anos, provavelmente até o início dos anos 2000, e aí o jornalismo e a fotografia acabaram tomando o lugar da ficção. não se salvam muitas dessas coisas do passado, mas gosto desse poeminha que fiz em 1998. acho sincero, sem firulas e tem um ritmo bom. e é bom saber que a gente pode falar de muitas formas.



BALADA


e o sol desceu.
só então te vi na
cortina escura, suspiro
com raiva e tristeza sem saber
o que foi ou não

se raiva
você louca não sabe
se tristeza
eu louco não posso
e saio na noite

nas pernas um peso morto
dói tanto quanto a cabeça
e essa chuva não para
e essas gotas confundem

sentei o corpo doendo
molhado pedi algo forte
bebi toda chuva naquele copo

logo as paredes se curvaram
sobre a mesa
fechando
e não vi mais nada

deve ser assim estar livre
e o garçom diz que vai passar
acredita tanto nisso que grita

tomo mais uma 
pela disposição
e as pernas respiram 
novamente levanto

boa noite 
e o garçom já em 
outra mesa
saio

vou tropeçando
de sombra em sombra
a dela corre tanto
caio

água da chuva corta

o garçom passa por mim
vai dormir e suspira
viu? passou,
dói, não?

quinta-feira, 28 de março de 2013

yahoo #66

já comecei meu blog solo no yahoo, o mexidão, e a ideia é que passe a tocar apenas ele com umas três atualizações semanais. portanto, este texto sobre o fenômeno "harlem shake" talvez seja meu último no ultrapop (tamos aí nas costuras, no que for melhor para ambas as partes, como diria aquele sujeitinho). os cães rodam e a caravana ruge.



O PRINCÍPIO, O MEIO E O FIM DE "HARLEM SHAKE"

Faz pouco mais de um mês que o mundo foi inundado por um novo e, como tudo na internet, inescapável meme. Impossível que você, caro(a) leitor(a), não tenha visto alguma versão do “Harlem Shake”, mesmo que depois tenha pensado cá com seus botões porque as pessoas estavam fazendo esse fuzuê todo.

A história começou mais ou menos assim. Baauer, um jovem DJ norte-americano nascido Harry Rodrigues, lançou em maio do ano passado a música “Harlem Shake”, mas ninguém deu a mínima pelota para esse batidão eletrônico que não tinha nenhuma relação com a dança de mesmo nome surgida no início dos anos 1980. Daí que o tempo passou e no final de janeiro deste ano, o comediante Filthy Frank pegou um trecho de quase 20 segundos da música, fez uma coreografia maluca com amigos e colocou como o início da compilação “Filthy Compilation #6 – Smell my fingers”. O viral estava quase pronto.

Três dias depois, apenas três dias depois, cinco moleques australianos autoproclamados The Sunny Coast Skate chegaram lá e definiram o formato que se espalharia pelo mundo com a mesma velocidade fatal da gripe espanhola. O vídeo tem apenas 30 segundos. Na primeira metade apenas um integrante do grupo dança ao som de “Harlem Shake”, e este usa um capacete, então acontece um breque na música, um corte seco no vídeo, e de repente todos começam a dançar dos jeitos mais nonsense possíveis. Pronto, o estrago estava feito.

No texto “Um artista desconhecido no topo da parada da Billboard”, o jornalista Alexandre Matias afirma que o vídeo “virou uma pérola de humor nonsense da internet. Justamente por isso pegou. E, como outros, começou a ser citado, referido, misturado. E o ‘do the harlem shake’ convidou as pessoas a fazerem seu próprio ‘Harlem Shake’. O resto é história”.

Essa combinação explosiva de dança, humor, simplicidade e tudo isso em apenas 30 segundos fez nascer versões como a do exército norueguês, os jogadores de basquete do Miami Heat e os mergulhadores da equipe da Universidade da Georgia, além de incontáveis compilações. O Brasil, claro, também deu sua contribuição e teve desde o Programa do Ratinho e o Programa da Eliana, passando por manifestações em Indaiatuba e na Avenida Paulista, até montagens com clipe de “66” da banda O Terno, o caos do transporte público em São Paulo e evangélicos rodopiando. E também compilações nacionais e até uma versão com letra em português (“Harlem Tcheka”) feita pelo Bonde do Rolê. Mas nada, em nenhum lugar, chega próximo da habitual genialidade d’Os Simpsons.


Claro que os mal humorados de plantão acham que por causa dessa febre o mundo vai acabar (mais uma vez). Não conseguem enxergar como um vídeo desses amplia o vocabulário de imagens e referências da cultura pop mundial. É uma Luisa Marilac, um “Gangman Style”, um “David after dentist”, coisas que passam, mas também deixam seus rastros.

De uma forma ou de outra, o sonho “Harlem Shake” está prestes a acabar, tanto que Rubinho Barrichello fez o seu no casamento de Tony Kanaan, mineiros australianos foram demitidos após colocarem sua versão no YouTube e russos foram presos após dançarem em um Memorial da Segunda Guerra. Por outro lado, Baauer está sendo processado por Hector Delgado e Jayson Musson por terem sampleado suas vozes (“Com los terroristas” e “Do the Harlem Shaker”, respectivamente) e ainda cometeu a burrada de brigar com uma estrela em ascensão, a rapper Azealia Banks, por causa de seu remix da música, quando deveria se sentir prestigiado. Escuta (e vê) só.


Já surge uma nova onda, um novo viral, porque a vida também é feita dessas coisas efêmeras e tem maluco pra tudo nesse mundo.

laerte da semana #44

laerte, na mosca do pastor

sábado, 23 de março de 2013

deusa e diaba na terra da chuva

dois anos atrás, quando foi gravado live in jurunas, gaby amarantos ainda estava se preparando para gravar seu cd de estreia (treme, 2012). muita coisa aconteceu com a paraense de lá pra cá, desde seu disco entrar em boa parte das listas de melhores do ano (também aqui no esforçado) até centenas de shows, participações, aparições em tv, editoriais de moda e o escambau, sempre trafegando muito fácil e confortavelmente entre os mundos popular e cult. 


mas este live in jurunas, lançado hoje, é particularmente revelador da energia da intérprete no palco e da sua forte ligação com seu bairro de nascimento e criação (coisas que, obviamente, não aparecem no disco). e tudo filmado de forma crua, documental, suada e apaixonada por priscilla brasil (que depois dirigiria o clipe de "xirley") e vincent moon. clique aí e se divirta com os muitos detalhes, sonoros e visuais, desse grande show que é gaby amarantos.

sexta-feira, 15 de março de 2013

yahoo #65

não resisti e aproveitei a chance de colocar o "você praça" lá no yahoo, um tanto para divulgar mais, mas também para ver a reação dos comentaristas malucos, e escolhi um recorte bem definido: a reação das pessoas na rua justamente na hora que estou aplicando o stencil. experiência interessante mesmo com poucos comentários postados. enquanto isso, lá no ultrapop, o texto "o princípio, o meio e o fim de harlem shake".



POR UMA CIDADE CHEIA DE GRAÇA

Deixa pedir licença para falar de um projeto pessoal. Quer dizer, pessoal, mas que também tem muito a ver com um dos temas recorrentes aqui nas minhas colunas no Ultrapop: a retomada de uma cidade mais humana a partir do diálogo, do comprometimento, da ação. Faz pouco menos de um mês que venho espalhando uma quadrinha, em formato estêncil, pelas ruas de São Paulo. Escrevi sobre a origem do “Você praça acho graça / Você prédio acho tédio” lá no Esforçado e aqui gostaria de tratar das reações que tenho percebido no momento que estou grafitando.

Antes de tudo é bom dizer que até agora não tive nenhuma experiência de repressão, nem da polícia e nem de seguranças particulares, e olha que tenho feito tudo às claras, sol a pino (e já fiz com dois amigos e duas amigas, sendo que uma delas com seu filho de 9 anos). Tenho duas explicações possíveis para essa calmaria: a quadrinha é doce, não dá para ver nada de ofensivo nela, e o objetivo não é vandalizar nada, justamente pela quadrinha ser doce. Existe uma transgressão, obviamente, mas é uma transgressão moleque, meio hippie, e feita por um sujeito de cabelos e barba grisalhos, óculos. Enfim, eles nem ligam. Melhor pra mim.


E lá vou eu com algumas opções de sprays na mochila (preto, vermelho, cinza, amarelo e azul safira) à procura de tapumes de obras, muros de terrenos baldios, estacionamentos, coisas assim. Logo no primeiro, na Rua Amaro Cavalheiro, um pai parou seu filho de 7 anos. “Olha o que o moço tá fazendo”, disse, e o moleque rapidamente foi hipnotizado pelos movimentos do spray. Não disse nada, mas saiu a contragosto para almoçar em casa. Logo depois, na Rua Fradique Coutinho, o primeiro sorriso.

Sorrisos silenciosos, e invariavelmente femininos, foram se repetindo nos dias seguintes: um grupo de evangélicas perto do Largo da Batata, uma família na Rua Heitor Penteado, um grupo de crianças na Rua Paris, duas amigas em um ponto de ônibus da Av. Corifeu de Azevedo Marques e metade de um outro ponto na Av. Paulista. Mas também um chinês que parou na Rua Girassol, leu o texto com certa dificuldade em voz alta e me deu tapinhas nas costas repetindo “Muito bom, muito bom”. Ou um garoto que passou com a mãe por um dos últimos casarões na Paulista, deu meia volta e tirou uma foto do estêncil fresquinho dizendo que ia colocar “no Face”.

“Você nunca tinha visto alguém fazendo arte na rua, então... e olha, é poesia também”, disse uma mãe para sua filha na Rua Pedroso de Moraes. Já em tapume na Travessa Pátio do Colégio uma garota olha para o namorado e dispara “Vi um desses na Cardeal”, enquanto na escondida Rua das Flores, perto do Poupatempo da Sé, um grupo de amigos lê o texto da quadrinha e ao fim um deles diz simplesmente um “Ó!”. Sem falar em um senhor que deu um tempo de sua cervejinha dominical para acompanhar o grafite sendo feito na Rua Aurélia e seguranças que depois foram bisbilhotar na Rua João Moura e na Av. Brigadeiro Luis Antônio (até agora fiz grafites em 91 pontos de São Paulo e Fortaleza, tudo devidamente registrado no Google Maps e em um tumblr). A listagem de reações não é para encher a bola deste que voz escreve e sim para mostrar como é possível, e fácil, fazer sorrir em uma cidade que aparentemente distancia as pessoas. Basta ser carinhoso.


Por fim, esse grafite, como toda arte urbana, tem a consciência do efêmero. O local pode ser demolido, alguém pode pintar por cima, outro grafite pode ser feito por cima, tudo pode acontecer, menos a eternidade. E tudo bem. O que importa é a ação e as reflexões/emoções conseguidas através dela. Por essas e outras disponibilizei o PDF da quadrinha-estêncil para download. Para que essa ação possa ser feita em outras cidades, por outras pessoas, ou seja inspiradora, vai saber. Cidade boa é aquela que sorri junto com a gente.

p.s.: Dos mais de 60 textos que já fiz para o Yahoo! estes são os outros em que tratei da cidade. “Quando o Minhocão balançou de alegria”, “Saudade de cinema de rua”, “Nem todos estão surdos”, “Um centro vivo e no virote”, “Arte que desmancha no ar”, “São Paulo, velha e louca” e “Pra cima, com raiva”. E para finalizar o texto, “Cola de Farinha”, ótimo documentário sobre um grupo que vem trabalhando em São Paulo com stickers, uma variação do bom e velho lambe-lambe, e suas inspirações.

segunda-feira, 11 de março de 2013

gal costa, muito ao viva

lançado no finalzinho de 2011, recanto foi uma linda volta aos braços de gal costa (doce, rascante, a baita intérprete de sempre, uma das maiores do mundo). o mano caetano, vindo de sua fase roqueira, e moreno veloso deixaram tudo mínimo, poderoso e levemente eletrônico na produção deste ousado disco de inéditas, e gal deu a volta nas mudanças naturais de sua voz. não é nada fácil criar clássicos instantâneos neste engarrafado século 21 e recanto veio com duas de uma vez só: "recanto escuro" e "neguinho". tudo lindo, tudo certo, e em outubro do ano passado foi gravado no teatro tereza rachel, no rio de janeiro, um registro da turnê. agora, junto com o lançamento do dvd recanto ao vivo (e de um consequente cd duplo), o canal do youtube da cantora disponibilizou (por enquanto) 10 das 23 músicas do show. escolhi 6 para colocar aqui, começando com "recanto escuro", "neguinho" e "miami maculelê", todas de recanto.







o show também foi dirigido por caetano veloso e a banda é formada por pedro baby (guitarras), bruno di lullo (baixo) e domenico lancellotti (bateria e mpc). o roteiro alterna inéditas e alguns clássicos do repertório de gal, todos com arranjos novos e cheios de surpresas, tais como "da maior importância", "barato total" e "vapor barato" (numa versão particularmente emocionante com a cantora chorando ao introduzir o solo de guitarra de pedro baby).







naldo ou naldo benny, pra mim tanto faz

após uma entrevista com lia sophia e uma breve reportagem sobre a série "cidades ilustradas" na edição de fevereiro da revista da gol, fiz agora pra de março um longo perfil do cantor naldo (naldo benny). a entrevista aconteceu na tarde da sexta de carnaval lá na fundição progresso, no rio de janeiro, e a noite fui ver um show seu no clube monte líbano, na lagoa rodrigo de freitas. pessoalmente não gosto do som dele, acho que falta uma sujeira aqui e ali, mas é impressionante ver o tanto que o cara deu duro, além de ser trabalhador, obstinado e sério, até colher os frutos, os muitos frutos, nesse seu momento de sucesso (e ainda é gente boa). como sempre, a versão no esforçado é maior que a publicada, mas tenho que agradecer a thiago lotufo, que tanto me chamou pra fazer o perfil como fez uma ótima edição. ah, e as fotos que tirei foram feitas durante o trabalho do marcelo corrêa, autor dos retratos do cantor que estampam a revista.



E ELE QUER MAIS

Sucesso absoluto do verão com músicas como “Amor de Chocolate”, o carioca Naldo, agora Naldo Benny, prepara-se para dominar o mundo com sua mistura de funk, pop e calor da noite

O sorriso de Naldo chega antes de seu próprio dono e motivos não lhe faltam. É o seu cartão de visitas, sua bandeira, a música que faz e, de um ano para cá, seu estrondoso sucesso. Neste verão foi simplesmente impossível andar em qualquer cidade brasileira sem ouvi-lo cantar “uísque ou água de coco, pra mim tanto faz”. De postos de gasolina a coberturas, de bailes de debutantes no interior a barracas de praia, tanto faz. E o carioca diz que isso é só começo, que tem muito chão pela frente e muita coisa para acontecer.

Quando a reportagem da Gol encontrou com o cantor, na tarde da sexta-feira de carnaval, ele estava voltando de Salvador e nos dias seguintes iria encarar um novo batidão de shows (de 2 a 4 por noite e às vezes em cidades e estados diferentes), encontrar com Will Smith e Kanye West no Rio de Janeiro, e participar de um arrastão com Ivete Sangalo e Gaby Amarantos, novamente em Salvador. E o sorrisão lá, fácil, grande, querendo mais.

Mas antes da conversa, a sessão de fotos. O palco da vez é a Fundição Progresso, lugar que frequentou quando fez aulas de movimentos de solo no espaço da Intrépida Trupe. Cuidadoso com a aparência e muito consciente de seus movimentos, o garoto que nasceu em Bonsucesso e cresceu no Complexo da Maré sabe como e de que jeito quer aparecer. Adora usar tênis, por exemplo. É seu objeto de consumo preferido e contabiliza cerca de 350 pares em casa, todos impecáveis. “Uso, chego em casa, limpo e guardo”, diz enquanto pega emprestado o tênis de seu produtor, Thiago Rodrigues, pois justamente naquele dia calçava uma sapatilha. No entanto, antes de colocar no pé não resiste e acaba dando uma esfregadinha. “Eu já gosto de tênis marcado”, diz o produtor se divertindo com a mania de Naldo.



Enquanto as fotos são feitas nos inúmeros cenários possíveis da Fundição chega Rique Silva, produtor geral e irmão do cantor, com mais alguns acessórios. Quatro anos mais novo, Rique começou a trabalhar ainda no tempo de Naldo & Lula, e a dupla já fazia algum sucesso no Rio de Janeiro quando, em 2008, Lula foi assassinado. Nascido Jorge Luiz da Silva, Lula era dois anos mais novo que Naldo e outros dois mais velho que Rique, bem irmão do meio mesmo, e sempre foi considerado o mais brincalhão da família. 

Os dois cantavam juntos desde os 15 anos e ambos começaram, ainda crianças, na Assembleia de Deus que os pais sempre frequentaram. O gosto por black music e os ídolos eternos Stevie Wonder e Michael Jackson também os uniam, mas foi pelo funk carioca, ritmo mais próximo e acessível, que entraram na música. Só que não queriam cantar “proibidões” (funks feitos para facções criminosas) e sabiam que podiam colocar sensualidade em suas letras sem apelar para vulgaridade. Restava procurar qual caminho e trabalhar duro em busca de uma carreira e não apenas uma música de sucesso.

A sorte dos irmãos mudou quando em 2005 a música “Tá Surdo” entrou numa das disputadas coletâneas do veterano DJ Marlboro. Daí surgiram convites para TV, elogios de Ivete Sangalo, clipes e shows, muitos shows, principalmente no Rio de Janeiro. Naldo, que quase desistiu da carreira após a tragédia, chama hoje o irmão de “meu anjo bom”.

“A gente tem uma base familiar muito forte, nossos pais sempre nos mantiveram unidos, e tem a nossa fé também. Acho que essas são algumas razões do sucesso do Naldo. E tem essa roupagem nova que ele deu ao funk, mais puxada para o pop. Quer dizer, nós sempre buscamos o sucesso, mas nunca imaginei que fosse acontecer desse jeito. Assusta um pouco”, explica Rique. 



A tal roupagem nova a que se refere o irmão-produtor ganhou contornos mais claros quando Na Veia, a estreia solo de Naldo, foi lançado de forma independente em 2009 como uma espécie de homenagem ao irmão. O disco trouxe material que vinha sendo trabalhado desde os tempos da dupla, mas de um jeito mais eletrônico e festeiro. E quando começaram os shows houve bastante investimento na dança e em coreografias, uma sugestão de Lula para incrementar o espetáculo. “O gancho dele é o de ser um romântico tipo Buchecha, machão tipo MC Leozinho, e meio ostentador estilo gangsta rap. Nessa pegada do romantismo acho que ele acaba fazendo uma mistura com o pagode mais romântico e o sertanejo. Ou seja, joga num campo que tem muitos admiradores”, explica o jornalista Pedro Alexandre Sanches sobre as variadas misturas do cantor.

As fotos acabam e é hora de Naldo falar. Sempre acompanhado da namorada Ellen Cardoso, a Mulher Moranguinho, ele não aparenta nenhum sinal de cansaço. “Sempre tive certeza que quando meu trabalho conseguisse chegar até o povo, o sucesso aconteceria. Sempre fui muito dedicado, trabalhei muito e sou completamente alucinado pelo palco e pela música. Acho que isso é que não me faz me deslumbrar. Estou sempre pensando no trabalho e em como melhorá-lo”, diz o novo popstar brasileiro que já foi ajudante de feirante, engraxate e segurança de supermercado.

Como disse o irmão Rique logo acima, a coesão familiar teve um papel fundamental nessa perseguição determinada de Naldo pelo sonho de uma carreira musical. A mãe Ivonete vendia produtos cosméticos pra ajudar a pagar seus estudos de canto, as irmãs tomavam conta de Pablo, o filho de 15 anos do cantor resultado de um namorico adolescente, e o pai Manoel, soldador elétrico, lhe dava conselhos que traz até hoje no coração. 

“Ele me disse uma vez que ‘em pelo menos uma coisa na vida se você não for o melhor tem que tentar ser’. Já dá minha mãe trouxe a fé em Deus para o meu dia-a-dia. E dos dois, o respeito e o carinho pelo próximo. Independente do sucesso, carrego dentro de mim esse respeito pelo ser humano”, e nessa hora Naldo lembra quando ganhou o DVD de Ouro (25 mil cópias) pelo Na Veia Tour em janeiro deste ano. Antes de entrar no palco do Citibank Hall, no Rio de Janeiro, sua mãe lhe puxou de canto e disse, com os olhos cheios de lágrimas, que sempre acreditou nele. Pausa para recuperar o fôlego.

“Ah, tenho orgulho mesmo”, diz Dona Ivonete ao telefone. “Ele sempre foi muito honesto, muito trabalhador, e sempre buscou esse sonho com aquele sorrisão bonito. Agorinha mesmo estava fazendo unha na varanda e começou a tocar na vizinha uma música do Naldo & Lula... [e começa a cantarolar] ‘Não sei se sou / O cara que você sonhou / Você precisa acreditar / Não gosto de te ver chorar’... fiquei emocionada. Gosto das músicas também, viu? Só tem umas letras que eu mudaria um pouquinho”, e ri timidamente. Está falando de “Exagerado”, mais especificamente do verso “Falar besteiras no ouvido até você gozar”. Ela trocaria facilmente a última palavra por “pirar” e quando Naldo canta a música na TV ele faz o mesmo.



“Pra minha família nunca houve problema entre as letras mais quentes e a religião. Eles sempre entenderam isso. Sabe que até mostrei minhas músicas para um pastor da minha igreja? Ele disse que não tinha nada de mais, que amor é coisa de Deus”, explica Naldo. Entre as músicas mais “quentes” de seu repertório estão “Exagerado”, “Amor de Chocolate”, “Chantilly” e “Sem Sutiã”, mas também existe espaço para o romantismo de “Meu Corpo Quer Você” (música que, em dueto com Preta Gil, entrou na trilha da novela Salve Jorge).

Só que entre esses dois pólos, a dança acaba aumentando ainda mais o calor das letras (inclusive das românticas). “Quero falar de amor sim, mas também de coisas que rolam na noite e entre quatro paredes. Hoje tenho mais liberdade e quero colocar músicas mais românticas no CD e DVD que lançarei no meio do ano. Mas pra pista não tem jeito, tem que fazer algo mais quente, mais pesado”, confessa. 

Seu próximo trabalho se chamará Benny e será o primeiro assinado por Naldo Benny, seu novo nome artístico pensado para o mercado internacional. Nesse caminho já deu outros dois passos: uma versão em espanhol de “Exagerado” e a participação do rapper norte-americano Fat Joe em “Se Joga”. “Hoje consigo brincar com os universos do funk e do pop. E isso é um som para o mundo. Li que ‘Benny’ em hebraico quer dizer justo, bendito, abençoado, e achei que tinha tudo a ver com essa história mais moderna”, e os olhos brilham ao falar que se programou este ano para três viagens aos Estados Unidos. Em duas se apresentará e em outra conhecerá, via o novo amigo Fat Joe, Chris Brown e Snoop Dogg. O sonho de parcerias com alguns de seus maiores ídolos está cada vez mais próximo.

Logo ali ao lado, por toda Lapa e Rio de Janeiro, o carnaval pega fogo e Naldo tem dois shows à noite. O segundo, com banda e dançarinos, é em um clube tradicional na Lagoa Rodrigo de Freitas, o público previsto é de 4 mil pessoas e os ingressos estão esgotados. “Nunca tive medo de nada. Eu quero o Grammy, a carreira internacional, e vou conseguir. Sei que vai ser trabalhoso e exigir muito de mim. Mas não tenho medo não.” Will Smith que o diga, afinal, dias depois, presenciou Naldo ser adorado e cantado histericamente por centenas de fãs que nem deram bola para o astro norte-americano.

Agora, se Naldo não tem medo de tamanha ousadia internacional obviamente não temeria esse seu público novo de classe média alta e seus cercadinhos VIP. Então, quando sobe ao palco, trata logo de hipnotizar a todos com sua eletricidade e uma saraivada de hits. Mas também faz questão de bater no peito suas origens e canta alto um hino para muitos brasileiros como ele: “Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci”. Em seu caso, com um Grammy à tiracolo.



p.s.: abaixo, o texto nas sete páginas da revista.