sábado, 26 de novembro de 2011

yahoo #19

upalelê, novembro puxado esse, viu? postei muito pouca coisa aqui no esforçado, mas foi por um bom motivo (muito trabalho) e o yahoo foi um deles. essa semana subiu por lá o "custe o que custar, uma ova!", meu vigésimo texto para a coluna ultrapop e um dos que mais gostei de fazer. a repercussão foi ótima, até surpreendente porque muita gente elogiou e se identificou com a decepção frente ao "humorismo-político" do cqc. muito diferente desse "pra cima, com raiva", sobre a desocupação da usp e a presença de policiais no campus, que também teve boa repercussão, mas com o pessoal me odiando e coisa e tal.


PRA CIMA, COM RAIVA

Pois é, acabou na segunda a ocupação dos estudantes na reitoria da USP com direito a algumas centenas de soldados da tropa de choque da PM fortemente armados (e sem identificação). Nesses novos tempos bicudos, no qual até um ex-presidente diagnosticado com câncer é alvo de desejos de morte e “campanhas” idiotas para vê-lo se tratar no SUS, esses estudantes foram xingados de tudo quanto é nome pelos comentaristas anônimos e raivosos de plantão.

Filhinhos de papai, playboys, vagabundos, baderneiros, maconheiros e o diabo a quatro. E quando um deles foi fotografado com um casaco da GAP então? Até um pessoal mais esclarecidinho saiu jogando pedra. Ninguém pensou que o casaco poderia ser falsificado? Ninguém pensou que um mero casaco não tem relação alguma com o que está sendo questionado? Em tempos assim, pensar realmente é exigir demais.

Quase toda minha vida escolar passou pelos corredores de escolas públicas e foi assim que entrei na USP, em 1994, no curso de Ciências Sociais. Lembro que boa parte de meus contemporâneos era parecido comigo: ou vinham de escolas públicas ou de outras cidades, ou os dois.

Sempre fui avesso a políticas estudantis. Sentia uma preguiça gigantesca dos papos furados politizados e vazios de sempre, da distância entre as necessidades e problemas diários da universidade e as bandeiras levantadas (abaixo o imperialismo? Por favor). O mais próximo que cheguei do Centro Acadêmico foi na participação de um divertido e farsesco roubo da urna de uma das votações: a ideia porra louca era criticar a ausência de representatividade do processo (íamos fazer um vídeo com a urna amarrada numa cama pedindo que nossas exigências fossem atendidas. Detalhe: não tínhamos exigências). Como era de se esperar deu o maior chabu. Foi sensacional. Era um jeito diferente de fazer política.



Então me formei e de vez em quando ficava sabendo de alguma coisa na faculdade. Tudo meio parado, ninguém se mexia pra nada. Anos e anos de reitores capatazes de um governo do Estado sem interesse por educação resultam nisso mesmo: apatia (estou falando aqui de São Paulo, mas essa história se repete de outras formas em outros Estados).

Quando aconteceu esse recente confronto entre a Polícia Militar e os estudantes achei interessante. Primeiro porque acho que passou da hora de receber paulada de policiais numa boa. Porque só eles podem bater? Segundo porque foi um sinal de movimentação e raiva, e isso é bom, é transformador.

Bem, a questão do policiamento no campus deveria ser pensada pelo Estado em conjunto com estudantes, professores e funcionários. Mas é pedir muito de um reitor autoritário, e com uma extensa folha corrida de barbaridades, como João Grandino Rodas (saiba mais sobre o figura aqui). No entanto não dá para ficar do lado dos estudantes que desejam a total exclusão de policiamento. O campus é público, faz parte da cidade. Agora, o que não pode é a polícia fazer o maior fuzuê por causa de três usuários de maconha e seguir completamente ausente para os casos de estupros, roubos e assassinatos nesse mesmo campus.

Nessas horas é preciso ser inteligente e não cair em armadilhas como a ocupação besta da reitoria. Claro que a justiça iria pedir “reintegração de posse” e que junto disso viriam os policiais e a imprensa sedenta por imagens de impacto desses baderneiros “recebendo o que merecem”. Prato feito para deixar parte da opinião pública de olhos e ouvidos fechados para qualquer discussão. É necessário pensar uma outra forma de confrontar politicamente o sistema e acredito que o Wikileaks, a Primavera Árabe e os movimentos decorrentes do Occupy Wall Street possam nos dar pistas do que fazer no futuro (vale ler o discurso do filósofo Slavoj Zizek, “A tinta vermelha”, feito um mês atrás em Nova York).

Porque você aí ignorante que defende que a polícia bata em estudantes, você pode muito bem ser o próximo. Afinal, a mal treinada e gloriosa Polícia Militar do Estado de São Paulo bate em professores, estudantes, grevistas das mais diversas profissões, e dispersa manifestações pacíficas com bombas e balas de borrachas. Não é esse mundo que eu quero. Não mesmo.



p.s.: aproveito para recomendar outros textos escritos recentemente no calor do momento. São eles “Geração mascarada”, de Marcelo Rubens Paiva, “O choque na USP e a militarização de São Paulo”, de André Forastieri, e “A cortina de fumaça da segurança na USP”, de Pablo Ortellado.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

a igreja católica por dentro

prepare-se para saber toda a verdade em 3, 2, 1...



e para quem não conhece este é louis c.k., gênio. fiquei sabendo desta versão legendada hoje via um monte de gente.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

treme-treme-treme-treme

na íntegra, o showzão que a gang do eletro fez no studio sp no primeiro semestre. claro que não chega aos pés de ver o pessoal ao vivo, mas esse ótimo registro do incontornável e impermeável timpin pinto - que escreveu o ótimo "na estrada com a gang do eletro" - dá uma boa medida do poder pop de waldo squash, keila, maderito e william (e, mais recentemente, joe benassi).



a gang é da casa - o primeiro post, "waldo squash, o fenômeno", é de outubro do ano passado - e escrevi sobre eles o texto "duas cabeças, uma levada" para o site da vice brasil.

sábado, 12 de novembro de 2011

yahoo #18

essa foi difícil. não sabia o que escrever, não conseguia pensar em nada. um tanto bom disso foi resultado de uma semana infernal com dentes doendo, minha arcada dentária se vingando após anos de descuidos. acabei apelando para um texto mais na primeira pessoa, claro que tentando sempre manter aquela linha com os temas principais da ultrapop. de nada adiantou e esse "classe econômica, ida e volta", sobre viagens, aprendizados, alteridade e aeroportos-rodoviárias, passou em brancas nuvens pelo yahoo. totalmente diferente do atual, "pra cima, com raiva", que tratou da ocupação e desocupação na usp, filhinhos e não-filhinhos de papai, no qual voltei a ser odiado (nos comentários) e amado (nos 'likes' do facebook) em grandes quantidades.


CLASSE ECONÔMICA, IDA E VOLTA

Vou pedir licença para fazer uma coluna um pouco diferente das outras, um tanto mais pessoal. Tentarei não aborrecer ninguém. Será uma coisa assim sobre viagens, sobre fugir do universo umbigo e depois voltar.

Acho que uma das melhores coisas de viajar é colocar sua vida (e sua cidade, seu país, tudo que o cerca cotidianamente) em perspectiva. Não lembro quando tive a primeira consciência de que existia um mundo grande além da minha cidade natal (Fortaleza), mas sei que foram os mapas – muito mais que a TV e o cinema e sua ilusória proximidade – que me fizeram ver que existiam outras cidades, várias muito distantes, com outras pessoas vivendo mais ou menos como eu mesmo.

Em cada um daqueles pontinhos se reuniam pessoas andando de carros, fazendo sexo, chorando, morando juntas, embalando bebês, pedindo água sem gás e sem gelo, por favor. Tive a certeza disso quando me mudei, aos 9 anos, para o Rio de Janeiro (e depois Ribeirão Preto e então, finalmente, São Paulo). Mas porque diabos tanto blábláblá em um espaço que deveria tratar de comportamento e cultura popular?



É que eu estou querendo falar de viagens, mais especificamente de viagens para o exterior, e que são uma coisa nova pra mim, tá entendendo? Uns três anos atrás fui para Buenos Aires, mas só em 2010 tirei passaporte e comecei a carimbá-lo por algumas capitais europeias. Isso mesmo, sou filho orgulhoso dessa era brasileira na qual os aeroportos se tornaram acessíveis a mais pessoas (ah, e se você já ouviu a expressão “que horror, os aeroportos estão parecendo rodoviárias” tenha certeza que a pessoa que falou é um(a) idiota).

Olha, viagem ao exterior tem que ser uma lição de humildade. Temos que aprender a nos comunicar novamente, é quase uma volta a infância, e tudo que temos como certo pode virar de cabeça pra baixo. Em um país não se brinda com cerveja, em outro homens andam de mãos dadas e assim por diante. E é isso. Você está indo para outro país para ver coisas novas, para aprender, e não para procurar o que tem de sua cultura em outra (depois você vê isso e também pode ser legal, mas é outra história). Se ninguém é dono da verdade em casa, imagine em terras estrangeiras.

Por isso obedeço cegamente um dos nossos mais sábios ditados populares: “em terra alheia, pise no chão devagar”. E esse tipo de aprendizado, o do respeito e atenção ao outro e sua cultura e costumes, é coisa que se leva para o dia-a-dia. Não adianta falarem que no Brasil faltam mais leis e punições, mais família, mais Jesus. Tudo bobagem. O que falta é respeito, olhar pro outro e viajar mais.



sábado, 5 de novembro de 2011

olhar mais, olhar além

segundo perfil para a revista oas (o primeiro foi do claude troisgros), esse do escultor e artista plástico mário cravo jr. foi um tanto mais difícil de fazer. personagem complexo, profundo, octogenário, cravo jr. é lenda viva cheia de histórias e foi uma grande pena não poder tê-lo encontrado pessoalmente (como aconteceu com aldemir martins). só dei uma arranhadinha nessa superfície de tantas texturas. saiu isso.

o fotógrafo mário cravo neto, morto precocemente em 2009,
e o pai mário cravo jr.


POETA DAS FORMAS E MATÉRIAS

Existe um homem na Bahia que teima ver coisas onde elas não existem. Pode ser um pedaço de madeira queimada, uma pilha de pneus ou então chapas de acrílico. Bastou o sujeito pousar seus olhos azuis em algumas dessas coisas para que elas se transformem em bichos alados, um Cristo crucificado ou apenas forma, outras formas. E ele vem olhando o mundo assim mais ou menos desde quando nasceu em 13 de abril de 1923, na cidade de Salvador, com o nome de Mario Cravo Jr.

Uma das principais referências da escultura moderna no Brasil, o baiano segue, aos 88 anos, trabalhando sem parar na fundação que leva seu nome, sediada no Parque Metropolitano de Pituaçu, e que abriga milhares de grandes, pequenos ou gigantescos trabalhos seus. O que Cravo viu neles e no que eles se transformaram acabaram por definir visual e graficamente uma nova Bahia, sem mais, nem menos (não é a toa que a monumental “Fonte da Rampa do Mercado”, de 1970, é o símbolo do Estado).

“A Bahia é uma paixão para todo homem, não importa a sua origem. É um estado de espírito. Nossos sincretismos, etnias e costumes ainda encantam aos sensíveis e interessados que nos visitam. O índio, o negro e o branco junto a outros tons, amarelo, vermelho e semitons de pele e almas, aqui são fundidos e amalgamados. Tenho a sorte de aqui ter nascido. Cresci e descobrir a veia criativa convivendo neste mundo afrodisíaco de nossas praias, igrejas, festas populares e candomblés”, explicou Cravo em rara entrevista por e-mail.

fonte da rampa do mercado, 1970

Mas nada melhor que um amigo muito próximo para definir tal veia criativa (alguns diriam fogo) do escultor. No livro Mario Cravo Jr. Desenhos, lançado em 1999, Jorge Amado afirmou que “Mario não sabe por ter aprendido, sabe por trazer dentro de si. Aprendeu, isso sim, seu duro ofício de escultor, seu dramático artesanato, sua consciência de trabalhador. Mas a criação, essa está dentro dele, como se, no momento de criar os pássaros impossíveis, os peixes misteriosos, os santos e os exus, o seu mundo sofrido e exaltante, como se, nesse momento, ele contivesse toda a velha cultura do nosso povo, como se em suas mãos estivessem todo o saber e toda a arte do povo da Bahia.”

A verdade é que ainda criança descobriu o gosto e uma facilidade natural pelo desenho ao mesmo tempo em que foi tomado por uma intensa paixão pela astronomia. Criava na cabeça e no papel máquinas interplanetárias numa versão pessoal do planeta Mongo, principal cenário das aventuras de Flash Gordon, seu herói predileto. Foi levando esses dois amores adolescência afora até descobrir que precisaria encarar a engenharia e muitos cálculos para estudar as estrelas.

A descoberta da argila e uma série de viagens reveladoras - sobre arte popular, geologia, mas não só - pelo interior da Bahia, no final da década de 1930, acabaram lhe dando a confiança necessária para assumir que suas mãos tinham o poder de dar forma e vida ao inanimado. Era escultor. Mas antes era preciso formar-se.

Entre 1945 e 1949, o inquieto e intenso Mario Cravo Jr. teve nada menos que três mestres em três cidades diferentes. Em Salvador trocou a argila por cedro e jacarandá ao trabalhar com Pedro Ferreira, o último grande santeiro baiano. Então partiu para o Rio de Janeiro e conheceu novas técnicas no ateliê do escultor Humberto Cozzo.

Para finalizar esses anos de formação, foi aluno especial do escultor croata Ivan Mestrovic, um dos discípulos mais conhecidos de Auguste Rodin, na Universidade de Syracuse, no Estado de Nova York, Estados Unidos. Descobriu o gesso e as esculturas de grandes proporções. E o ano e meio que se seguiu em Nova York, no boêmio bairro de Greenwich Village, lhe deu a centelha de energia que só o encontro de pessoas criativas em um ambiente favorável pode dar. Cruzou caminho com artistas como Heitor Villa-Lobos, Max Ernst e Marcel Duchamp, quase sempre por intermédio de Maria Martins, escultora e embaixatriz brasileira nos Estados Unidos, e sentiu que no Brasil sua querida Salvador poderia muito bem ser (e era) um lugar assim tão cheio de energia e possibilidades artísticas e não apenas Rio de Janeiro ou São Paulo. Então voltou à sua terra em 1949.

cruz caída, 1999; crédito: girardi photos

Essa mistura de escolas e vivências, aliada ao inspirador calor baiano e a sua própria personalidade – que herdara a política do pai Mário da Silva Cravo e poesia da mãe Marina Jorge Cravo –, fez com que Mario Cravo e seu célebre ateliê no Largo da Barra se tornassem os principais agregadores de uma geração que injetou modernidade e liberdade nas artes plásticas brasileiras, a geração Caderno da Bahia. Passaram por lá artistas como o grande amigo Carybé, Carlos Bastos, Genaro de Carvalho, Pierre Verger, Jenner Augusto, Rubem Valentim, Agnaldo Manoel dos Santos, Pancetti, Aldemir Martins, Marcelo Grassman e Djanira.

Trabalhando euforicamente, desenhando sem descanso, Cravo foi criando um espantoso corpo de obra que ia de formas vegetais aos ferros do candomblé, passando por cerâmica indígena, danças populares, sexo, lutas, carrancas do Rio São Francisco, e sempre com o melhor aproveitamento possível das formas dos materiais que caíam em suas mãos. “O material que mais me identifico entre os que tenho trabalhado? O próximo, sim, aquele que no (amanhã) ainda poderá ser ofertado ao velho escultor. Ainda estou com apetite, meu amigo, e felizmente minha fome e inquietude continuam atuando. Enquanto tiver alguma energia ativa, neste ‘velho corpo’, sinto que todos os materiais podem ser transformados e materializados em mensagens, em arte.”

E foi assim que ganhou, no início dos anos 1950, prêmios nas primeiras Bienais de Arte Moderna em São Paulo, tornou-se professor na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (UFBA), representou o Brasil na Bienal de Veneza em 1960, ganhou bolsa de artista residente patrocinada pela Fundação Ford para trabalhar e criar em Berlim entre 1964 e 66 e, na volta, tornou-se diretor do Museu de Arte da Moderna da Bahia.

“Nada chega a nós (no mundo da criação) se estamos ou somos passivos. O acaso também existe, ele ajuda e nos afeta, o problema é que aqueles que ficam estáticos aguardando o acaso certamente não conhecem o insubstituível prazer da criatividade”, e desse mal Mario Cravo Jr. nunca sofreu, tanto que, curioso como sempre, acabou sendo pioneiro em exposições ao ar livre de (invariavelmente grandes) esculturas contemporâneas. Uma espécie de comunhão da arte com a natureza, com o terreno, com as pessoas de passagem.

Em 1994, com o estímulo de Jorge Amado e de outro grande amigo, o pintor Carybé, além do apoio do Estado, o Parque de Pituaçu foi inundado com suas esculturas, sendo que cerca de 1.000 obras foram doadas pelo próprio artista, e desde então virou endereço do Espaço Mário Cravo. Foi (e é) uma bela e oportuna homenagem a um homem que tanto fez por sua terra, um artista de tantas obras, um pai de quatro filhos (frutos do casamento com Lúcia, mulher de toda sua vida).

“Filhos, netos e bisnetos são os elos da corrente da natureza e vida do homem em sociedade, em fim da memória de nossa história humana. Meus representantes são os irmãos em arte-fazer, colegas e participantes. E tão natural quanto a floração da semente, o broto só cresce e desenvolve se houver húmus, ambiente favorável”, reflete o artista, poeta delicado das formas, sobre si e os seus. Certa vez, Mário Cravo Jr. disse que é “herdeiro (felizmente) de uma cepa de rebeldes, poetas, sonhadores e lutadores.” Sorte a da Bahia, sorte a do Brasil.



Cosmogonia Cravo from Ayrson Heráclito on Vimeo