segue abaixo um perfil do claude troisgros que fiz para a revista oas (spring). infelizmente, pela correria das agendas do chef franco-brasileiro e a minha própria, a entrevista foi por email, mas acho que o resultado saiu bem honesto.
A EDUCAÇÃO BEM TEMPERADA DE CLAUDE
Ele não tinha como fugir. Aliás, melhor, ele nunca pensou nisso. O destino de Claude Troisgros estava traçado muito antes da maternidade, antes até de sua existência ser cogitada na pequena Roanne, cidade bem no centro da França e às margens do Rio Loire. Nascido do mesmo berço que gerações e gerações de cozinheiros, chefs e amantes da boa gastronomia, Claude cresceu brincando entre panelas e fogões, queijos e legumes. Não podia querer outra coisa. E foi para fazer o que gosta que chegou ao Brasil há pouco mais de trinta anos. Mal sabia que fincaria raízes no país, criando família, restaurantes e misturas gastronômicas inéditas.
“Como qualquer francês, a imagem que tinha do Brasil se resumia a futebol, Pelé, Copacabana, samba, carnaval, belas mulheres, praia e sol. Enfim, o Paraíso Tropical”, explicou em entrevista exclusiva. “Naquela época não tinha pretensão alguma. Era mais o desejo de conhecer o país trabalhando no que faço bem que é cozinhar. E depois voltar para casa da família e continuar a tradição Troisgros”. Mas calma porque já chegaremos ao Brasil. Antes é bom falar da tal tradição Troisgros.
Família almoça junto todo dia
Tudo começa com o casal Jean-Baptiste e Marie Troisgros que, autodidatas na cozinha, ganharam notoriedade ao criarem um menu de pratos regionais do interior francês, tudo enganosamente simples, após se mudarem para a cidade de Roanne, em 1930. Jean-Bapstite ainda ganhou fama de polêmico na época ao sugerir que não era nenhum fim do mundo comer peixe acompanhado de vinho tinto. Os dois filhos do casal, Jean e Pierre, foram educados nesse meio, no qual tradição e experimentação sempre conviveram em harmonia. Não deu outra, os dois começaram sua educação formal no início da década de 1940, pouco depois de completarem 15 anos. Em 1957, com experiência acumulada em restaurantes premiados em toda a França, os irmãos voltaram a Roanne para assumirem o Hotel Moderne do pai Jean-Baptiste, que queria ficar mais sossegado cuidando apenas da carta de vinhos.
Foi em Roanne que Jean e Pierre Troisgros criaram, junto com o amigo Paul Bocuse em Paris, os fundamentos da nouvelle cuisine, um jeito mais leve e sofisticado de experimentar a tradição. Pelo lado familiar, Pierre se casou com a italiana Olympe e tiveram três filhos: Michel, Anne-Marie e Claude. Todos seguiram incrementando a história de uma das linhagens mais respeitadas da gastronomia mundial (entre as muitas láureas estão as cobiçadas três estrelas do Guia Michelin que o restaurante de Roanne possui desde 1968). Michel faz sua cozinha na cidade que os Troisgros colocaram no mapa, Anne-Marie em Bordeaux e Claude, bem, Claude foi para outro continente, para um país chamado Brasil.
Bonito por natureza
Em 1979, Claude aceitou o convite do veterano chef Gaston Lenôtre e veio para o Rio de Janeiro com a equipe do Le Pré Catelan (que existe até hoje). O contrato era de dois anos, mas o francês nunca mais foi embora. Curioso e inquieto como todos da família Troisgros, Claude logo descobriu que vários ingredientes que conhecia não eram facilmente encontrados no Brasil do início da década de 1980. Precisou se adaptar, acertar e errar com o que tinha na mão, e aí um novo mundo se abriu diante de seu paladar. “Por necessidade de produtos frescos, da estação, fui até os pequenos produtores e incorporei, naquela época, os produtos do mercado brasileiro. Criei uma personalidade própria que podemos chamar de ‘francês valorizando o produto brasileiro’. Casei a França com produtos como manga, maracujá, inhame, quiabo, jabuticaba e maxixe, entre outros. E isso deu um start para uma nova cozinha brasileira”.
Nasceram assim, dessa necessidade e já no seu próprio restaurante (o Olympe), pratos clássicos como Ravioli recheado de mousseline de inhame em molho aveludado de trufa branca, o Filet de linguado grelhado com banana e o Cheesecake caramelado com calda de goiaba. Agora, como era de se esperar numa família aberta e criativa, o aprendizado brasileiro de Claude acabou contagiando os premiados restaurantes dos familiares ao redor do mundo. “A família já usa receitas minhas como Tapioca caviar, Crepe Passion, Peixe com coco e Cherne com banana. E estão querendo jambu, açaí e tucupi”. Aprendizado tem dessas coisas, multiplica-se e nunca tem fim. Por isso o chef expandiu seu prazer para além da cozinha (mas sem nunca sair dela, claro).
Além de seus restaurantes - atualmente são três, o Olympe, o 66 Bistrô e o CT Brasserie, todos no Rio de Janeiro -, Claude escreve livros, é consultor gastronômico para outros restaurantes e desenvolve linhas de produtos para supermercados e delicatessens (conservas artesanais, por exemplo). Sua simpatia, e o divertido português com sotaque, também lhe garantiram espaço em programas de TV, o que lhe permitiu injetar outros novos mundos em sua cozinha.
Com sabor de descoberta
A ideia de entrar na televisão era desejo antigo de Claude. Mas qual a motivação? “Queria divulgar mais o meu savoir faire (conhecimento), meu amor pelo Brasil e também ficar mais perto das pessoas, que é o que a televisão propicia. O primeiro programa que fiz no GNT já tem quatro anos e era chamado Adivinha o Que Tem para Jantar?. De lá pra cá consegui me aproximar mais do telespectador, das pessoas que querem aprender as bases, das pessoas que querem comer bem em casa com receitas fáceis, mas com um toque de chef”. O que certamente lhe ajudou nesse processo de conquista foram as viagens que fez pelo Brasil em edições especiais do Menu Confiança, programa que dividiu durante anos com o jornalista Renato Machado e, durante uma temporada, com a somelière Denise Novakovski.
Foram nessas jornadas que caiu de amores pelos pratos e ingredientes do Norte do Brasil. Um dos pratos nacionais que mais gosta é o nortista Pato no tucupi. “Acho que aprendi a ser mais simples no meu jeito de cozinhar. Sempre fui um chef de alta gastronomia e continuo sendo, mas aprendi que podemos comer muito bem sem complicar demais a coisa. Sem precisar usar técnicas muito sofisticadas e apuradas. É isso que quero passar para o telespectador”. Essa é a receita que usa no seu terceiro e mais recente programa, Que Marrravilha!, no qual ajuda pessoas comuns a cozinharem pratos nada ordinários.
Incentivador e embaixador de uma nova e moderna cozinha brasileira - que, segundo ele, existe sim e “está ultrapassando fronteiras e mostrando para o mundo que o Brasil existe também na arte culinária” -, Claude gosta de citar dois nomes 100% nacionais que já estão fazendo bonito entre fogos e panelas: Alex Atala e Roberta Sudbrack. Da sua parte colocou no mundo uma quarta geração de Troisgros, os filhos Thomas e Carolina, a entrar nesse mundo de muitos sabores e labuta quente e diária. Mas nem por isso sonha em parar. “Tenho grande prazer em descobrir novos produtos, novos sabores e tentar criar alguma coisa que agrade os paladares”. Em resumo, Claude Troisgros ama cozinhar e esse amor é do tipo que dura a vida toda.
p.s.: e a imagem que abriu essa reportagem, do encontro de claude troisgros e paulo tiefenthaler, é um flagra do último episódio da segunda temporada do larica total. saca só o caos e as rãs...
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