sexta-feira, 11 de novembro de 2016

i'm not alone, i've met a few

o grande grande grande leonard cohen nos deixou, mas também deixou muita coisa em seus 82 anos de vida: 14 discos, 13 livros de poesia, 2 romances, uma porrada de shows, uma infinidade de coisas bonitas. lembro até hoje que o ouvi o canadense pela primeira vez em algum momento do final dos anos 1980. meu pai comprou o LP poets in new york [1986], um tributo em memória aos então 50 anos da morte de federico garcia lorca, e lá estava leonard e sua voz rouca cantando "take this waltz" [versão que fez para a "pequena valsa vienense" do poeta espanhol]. lorca era um de seus poetas preferidos.



o tempo passou, minha adolescência foi indo embora e reencontrei leonard nas trilhas de assassinos por natureza de oliver stone e exotica de atom egoyam, ambos de 1994. do primeiro vieram "the future", "waiting for the miracle" e "anthem"; do segundo, "everybody knows". aí fiquei sabendo que ele era o autor de "hallelujah", "so long marianne", "first we take manhattan", "the partisan" e "suzanne", entre tantas outras de seus primeiros anos [seu disco de estreia é de 1967, quando já tinha pouco mais de 30 anos]. foi também nessa época, meados da década de 1990, que ele se converteu ao budismo e largou mão dessas coisas ocidentais. pausa para um flashback rápido com "suzanne" ao vivo em seu lendário show na ilha de wight em 1970.



daí que durante seu retiro budista, leonard foi passado pra trás por uma ex-empresária e precisou voltar aos palcos por motivos financeiros. e ele voltou com tudo em shows de 3, 4 horas, além de discos novos e novos clássicos sobre os temas que sempre o rodearam: amor, espiritualidade, sexo e, eventualmente, política. seus três últimos discos de estúdio são umas lindezas e separei aqui as minhas preferidas: "different sides" [old ideas, 2012], "almost like blues" [popular problems, 2014] e "traveling light" [you want it darker, 2016]. o título desta postagem é um verso desta última, uma linda e leve canção de despedida.








i'm traveling light. it's au revoir.



p.s. 1: um finlandês obcecado pelo artista mantém desde 1995 um grande arquivo online com tudo o que você possa imaginar que exista sobre leonard e também as muitas regravações de seus trabalhos. é o leonard cohen files.

p.s. 2: segue abaixo, como faixa bônus, ladies and gentlemen... mr. leonard cohen, um interessante documentário feito em 1965, quando leonard ainda era exclusivamente escritor.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

horace & pete, louis & donald

meu interesse por louis ck me levou a horace and pete, série em dez episódios que ele escreveu, dirigiu, atuou e lançou de surpresa no início do ano e exclusivamente em seu site [dá pra comprar tudo pela bagatela de 31 dólares].

a sinopse é simples: os irmãos horace [louis ck] e pete [steve buscemi] cuidam de um boteco mantido pela família a cem anos no brooklyn. o estabelecimento é frequentado por pessoas geralmente solitárias, gente que bebe durante o dia, e os episódios giram em torno de conversas aleatórias destes clientes e os dramas familiares de horace e pete [mortes, perdas, ressentimentos, um câncer, culpas, segredos, sexo, traições, etc]. 



horace and pete parece, visualmente, com uma sitcom, mas não tem aquela claque de risadas e nem plateia. também é bastante teatral e essencialmente dramática [com algumas piadas surgindo aqui e ali, geralmente pelos clientes]. e é, acima de tudo, muito muito triste, o que é ao mesmo tempo um gesto ousado e belo de louis ck em tempos de 'curtidas'. o texto é lindo, os personagens tem histórias e dramas profundos e muito bem construídos, e o espectador - eu, pelo menos - vai roendo as unhas e torcendo pra que essas pessoas não se machuquem ou machuquem tanto. vã esperança.

a série tem muitos grandes momentos e o longo monólogo do terceiro episódio com sarah [laurie metcalf], ex-mulher de horace, contando um segredo de seu atual casamento é assombroso de sensacional. mas tem ainda, por exemplo, um diálogo absolutamente atual sobre sexo com pessoas trans no sétimo episódio, entre muitas outras coisas [aliás, esses dois links que coloquei são de uma usuária que subiu todos os episódios no youtube, mas não sei se vão durar muito]. outro destaque é o elenco que, além de louis ck e steve buscemi, tem os monstros edie falco, alan alda e jessica lange, e coadjuvantes como aidy bryant, tom noonan, rebecca hall, karen pittman, steven wright, george wallace, david blaine e até paul simon [autor da música-tema da série] em participação especial.  



na madrugada deste 9 de novembro, enquanto a contagem dos votos da eleição americana mostrava uma inescapável e assustadora vitória de donald trump, vi o último e devastador episódio da série. lá pelas tantas, um dos clientes do bar, interpretado por kurt metzger, lança uma teoria bastante sarcástica sobre trump. segue abaixo uma transcrição levemente editada do diálogo.

- Ei, sabe de uma coisa? Desmascarei o Trump. 
- Mesmo?
- Sim, ele é o cara mais necessitado do planeta. Tipo, ele é muito carente e realmente precisa ser presidente mais do que qualquer coisa, e todos vamos votar por ele, porque somos um país generoso e ajudamos as pessoas necessitadas. (...) Mas Trump tem um vazio presidencial, sacou? Nada além da presidência vai preencher este vazio, e ele vai agarrar como agarrou aqueles dez bilhões, por que quando ele conseguiu os dez bilhões, isso não preencheu seu vazio. Ele percebeu, oh meu Deus ainda tem mais espaço... e minha muitas esposas não o preenchem (...). Eu preciso ser o líder do Mundo Livre e todo mundo tem que me amar, como se ele soubesse do vazio dentro dele e tentasse preenchê-lo, entende? E a América, porque somos bons, vamos ajudá-lo!
- Ok, então todos vamos votar no Trump porque ele está triste e sofrendo? Então na verdade nós vamos deixar ele ser nosso presidente só para ser legais, gentis ou algo do tipo?
- Sim, sim, como o Batboy. Lembram do Batboy? Todos participamos disso.
- O que foi o Batboy?
- Um garoto com câncer que queria ser o Batman, então a cidade inteira dizia: “você é o Batman!”
- Eu tenho essa amiga, e ela tem dez anos de idade.  Enfim, conversei com ela noutro dia e ela disse que estava com dor no estômago, então ela disse pra mim, Big Boy... bem, ela me chama assim, de Big Boy... Ela disse, meu estômago tá doendo tanto que quero dar socos no meu estômago porque dói muito. E eu disse, bem, não é assim que funciona, Esmeralda. Se seu estômago dói e você machucar mais ele, então você fica mais machucada. Eu disse, você precisa achar o lugar em você que dói e ser gentil com ele, ser bom pra ele, dar-lhe leite e mel e remédios e você vai ficar bem e se curar... Depois pensei: "Se alguém é parte de você, como você faz para essa pessoa parar de te machucar?" É sendo bom para eles e sendo cuidadoso com eles e lhes dando leite e mel. Você precisa cuidar das pessoas pra elas não te machucarem.
- Sim, estamos todos conectados. Essa bobagem hippie é verdade. Não é só o Trump, esse é o nosso Trump, entendem? Ele está sofrendo, está inchado, temos que pôr gelo nele e botá-lo rápido dentro da Casa Branca.
- Não podemos só dizer pra ele que ele é o presidente? Não podemos apenas fingir pra que ele fique bem?
- Como o Batboy.
- Sim, como o Batboy.

e assim foi feito e os estados unidos da américa elegeram para presidente o garoto mais mimado da turma. e como horace and pete mostra... às vezes, não tem leite e mel suficientes para aplacar certos machucados.