terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

profissão? ser outro

taí o primeiro perfil que fiz nessa minha volta ao maravilhoso mundo do jornalismo freelancer: o ator caco ciocler para a revista voetrip. a entrevista rolou em sua própria residência, em são paulo, e durou pouco mais de uma hora. ótimo quando temos tempo, maravilha quando podemos nos perder entre um assunto e outro. a deixa era o lançamento nos cinemas do longa dois coelhos (que, infelizmente, ainda não assisti) e a estreia de seu monólogo adaptado do conto a construção, de franz kafka (é a sua primeira produção no teatro, a partir do dia 10, no sesc pompéia). e pouco antes da entrevista em si rolaram as fotos sob o comando de kiko ferrite, amigo dos tempos da sociais na usp e a primeira pessoa com quem trabalhei, lá em 1999, como assistente de fotógrafo (fazia um tempão que não nos encontrávamos). gente finíssima e grande fotógrafo. no mais, o texto que segue é a versão original, um terço maior da que mandei pra revista.


UM HOMEM DE SORTE


Elogiado pela crítica e querido pelo público, o ator Caco Ciocler revê sua trajetória enquanto encara novos desafios no cinema, o filme de ação Dois Coelhos, e no teatro, o monólogo A Construção


Por muito pouco a carreira de Caco Ciocler não virou outra coisa. Hoje, aos 40 anos, consagrado no teatro, cinema e televisão, o ator sabe que alguns dos trabalhos-chave que fez só aconteceram por coincidências muito loucas do destino. Não sabe explicar a razão, mas agradece. Todos os dias. “Tenho muita sorte. Quer dizer, não sei se é sorte ou se é projeção desse meu plano interno, mas uma coisa foi levando a outra. Alguém me via em um trabalho e me chamava para outro”, relembrou no sofá de sua sala de TV. Durante pouco mais de uma hora de conversa, o paulistano foi listando uma série de encontros que mudaram sua vida, causo a causo. Um pouco de tudo que o fez chegar até aqui.


Judeu de família tradicional, Carlos Alberto Ciocler começou a brincar de atuar na pré-adolescência, mas dos 11 aos 15 anos, o teatro era apenas mais uma das muitas atividades do fim de semana. Disciplinado, o garoto ainda dividia seu tempo com futebol, atletismo, natação e dança folclórica. No entanto, o tablado começou a ocupar mais tempo no sábado, depois no domingo e logo até os dias de semana tinham alguma tarefa. “O teatro na Hebraica era um teatro de formação. Não era uma coisa de montar peças. A peça era uma consequência do trabalho”, e diz que apesar do fascínio por atuar nem passava pela sua cabeça de garoto abraçar o ofício profissionalmente.


De uma forma ou de outra, seguiu atuando e trabalhando em outras funções na escola de teatro da Hebraica até receber um convite para protagonizar uma montagem de Equus [peça de Peter Shaffer]. Tinha 17 anos. “Quem me chamou foi o Moisés Miastkwosky... ele sempre reclama que o nome dele não aparece nas entrevistas, mas também, com um sobrenome difícil desses... enfim, era uma peça muito forte e o personagem também tinha a minha idade. Só sei que ocorreu ali uma catarse qualquer que vi que algo estava acontecendo comigo. E ainda tive a sorte de ter a presença de um crítico da Veja.” Essa foi a primeira coincidência-sorte da carreira de Ciocler, afinal o jornalista ia assistir uma peça com Antônio Fagundes no teatro ao lado. Mas chegou atrasado, e como Fagundes não deixa ninguém entrar após o terceiro sinal, ele foi ver a montagem amadora de Equus. “Saiu uma notinha elogiando a peça e falando pra prestarem atenção no menino Caco Ciocler”, diverte-se o homem Caco Ciocler.


Mas essa notinha não era sólida o bastante para lutar contra pressões familiares e quando completou 18 anos, Ciocler entrou em Engenharia Química na USP. Seria uma outra vida, nada disso de fingir ser outras pessoas. Então veio um novo convite transformador: participar da montagem do musical Um Violinista no Telhado com a participação de não-atores da comunidade judaica de São Paulo. “Durante a temporada, isso em 1993, a [atriz] Riva Nimitz faleceu e o salário dela veio pra mim. Foi a primeira vez que ganhei dinheiro fazendo teatro. Coincidência ou não, o diretor da peça, o Iacov Hillel, também era diretor da Escola de Arte Dramática, e ficou me estimulando a entrar na escola.” No ano seguinte, Ciocler entrou na EAD e durante algum tempo conseguiu manter os dois cursos, mas aí veio 1995 e bagunçou tudo em sua vida.


Vieram as duas primeiras peças profissionais, ambas infantis, e numa delas conheceu e começou a namorar a atriz Lavínia Lorenzon. As peças lhe deram os primeiros prêmios como ator, enquanto Lavínia engravidou de Bruno, hoje com quase 16 anos. Uma semana após saber que seria pai, Ciocler recebeu um convite para fazer um teste para o que seria sua primeira novela, O Rei do Gado (alguém da TV Globo o viu numa das infantis). “Em 1995 aconteceu tudo. Ser pai, sair de casa, constituir família, decidir o que seria profissionalmente. Foi uma época de muita tensão, ainda mais porque depois que acabou O Rei do Gado não fui contratado”, mas volta a falar de sorte, pois as peças infantis que geraram toda essa história eram produções do Sesi, o que garantiu carteira assinada para o jovem casal de atores sem nada nos bolsos e um plano de saúde que cobriu todo o primeiro ano do bebê (o casamento, no entanto, não durou muito).


“Não, não foi natural fazer novela. Nem foi relaxado. Hoje tenho plena consciência disso. Não tinha noção alguma, nunca tinha feito televisão. Não foi natural me ver pela primeira vez. Mas fazia parte de um projeto de vida que tinha que dar certo”, e tinha mesmo porque a família de Ciocler não gostou nada dessa história do caçula com uma não-judia e a relação ficou estremecida por anos.


Nessa correria de começo de carreira, Ciocler lembra que foi Herval Rossano, veterano diretor de TV, que fez com que, pouco mais tarde, a Globo lhe oferecesse o primeiro contrato de três anos. Lembra também de alguns episódios do programa Você Decide, umas peças de teatro, aulas, nada de cinema, e uma sensação de que as coisas não iam para frente. Então, nova virada do destino em 1999: “A Denise Saraceni estava vendo os testes de maquiagem de O Rei do Gado para um novo trabalho e me viu passando no corredor. Disse que ficou pensando de onde me conhecia e quando lembrou que era da novela me chamou para fazer o Bento Coutinho na minissérie A Muralha. E esse foi personagem que me lançou. A partir dele tudo mudou. Também foi uma sorte.”


Mais ou menos na mesma época, a atriz Maria Zilda Bethlem estava produzindo um longa, Minha Vida em Suas Mãos, e ainda não tinha o protagonista. Uma certa noite sonhou com o nome ‘Caco Ciocler’, acordou com esse nome na cabeça, mas não sabia quem era. Saiu perguntando para amigos que acabaram por lhe dizer que era um ator que estava no ar em A Muralha. Começou então a assistir a minissérie e teve certeza que seu protagonista estava ali. “Pelo menos foi essa história que ela me contou”, e dá uma risada. Minha Vida em Suas Mãos foi seu primeiro longa a chegar aos cinemas e pouco depois saiu Bicho de Sete Cabeças, de Laís Bodanzky, cujo convite veio até antes, mas que acabou sendo lançado posteriormente. Pronto, Caco Ciocler já podia se orgulhar de trabalhar em teatro, televisão e cinema. A partir daí tudo começou a andar mais rápido.


Vieram novelas como Chocolate com Pimenta, América, Páginas da Vida, Duas Caras e Caminho das Índias; as minisséries Quinto dos Infernos, JK e A Cura; e filmes como Desmundo, Olga, Quase Dois Irmãos, Quanto Valeu ou é por Quilo? e Sexo, Amor e Traição. E teatro sempre, obviamente. “Aprendi com o tempo a ter prazer na TV e cinema. Isso demorou um pouco. Sofria pra fazer televisão no começo, sofria muito pra fazer cinema. Sofria no sentido de ingenuidade mesmo. Porque na minha escola, que era do teatro, tinha essa história do processo, né? A televisão não tem esse tempo. Por outro lado, aprendi a exercitar rapidez de raciocínio e como você consegue se ver dá tempo de consertar uma coisa ou outra.”


montagem caseira das páginas da reportagem na voetrip de fevereiro


E então, depois de tudo isso e agora nesse início de 2012, o ator só tem cabeça para duas coisas: o lançamento do longa Dois Coelhos, filme de estreia do diretor Afonso Poyart, e a estreia em São Paulo do monólogo A Construção, baseado em conto de Franz Kafka e sua primeira produção em teatro. Fora isso, Ciocler cita dois filmes já prontos (Meu Pé de Laranja Lima e Disparos), dois que serão filmados ainda esse ano (De Menor e o novo de José Eduardo Belmonte, ainda sem título), e um negócio fora dos palcos e estúdios, o restaurante Biondi, no qual é sócio com o cunhado Bruno Previato (Ciocler está casado há quatro anos com a vídeo-artista Marina Previato). Enfim, muita coisa na cabeça.


“O que me cativou no Afonso foi que ele é muito cheio de paixão, de uma ingenuidade gostosa. Gosto de fazer filmes de diretores estreantes porque encontro essa possibilidade de um diálogo maior. Odeio quem vem com filme pronto na cabeça, desenhadinho. E o roteiro era muito interessante, exigia uma atenção, uma participação do leitor. Não era um roteiro passivo. É um filme que exige uma não-passividade do público. Se o público ficar comendo pipoca não vai entender. Gosto disso”, diz sobre Dois Coelhos de ação com muito tiroteiro, efeitos especiais, traições e um clima pop raro de se ver no cinema brasileiro. No filme, ao lado de Ciocler, também estão Alessandra Negrini, Fernando Alves Pinto e Marat Descartes.


A Construção não poderia ser mais diferente. “Foi na análise, uns três anos atrás, que descobri esse texto do Kafka. Eu estava trabalhando há tempos em um assunto íntimo e meu analista me indicou o texto. Fiquei louco.” A princípio pensou em adaptá-lo para cinema, mas a tarefa pareceu impossível. Depois pensou em unir teatro e cinema com ajuda do amigo, também diretor e ator, Gero Camilo, mas as agendas não bateram. Então pensou em Roberto Alvim que o havia dirigido em outro monólogo, 45 Minutos. “A Construção é a história de um bicho, uma toupeira, de um rato, ninguém sabe direito o que é, e que vive em um buraco cavando alguma coisa. Eu faço o Kafka no escritório no momento em que está escrevendo A Construção. A criação desse texto é a própria metamorfose do Kafka nessa criatura. Acho que a gente acertou nessa escolha.”

De todo esse caminho, de tudo que fez de certo e errado, Ciocler aprendeu, com ajuda da análise, que era preciso “deixar de atender a demandas alheias. Não tenho mais que me preocupar com a construção de uma carreira. Estou tranquilo. E isso é muito gostoso.” Volta então a pensar em A Contrução, trabalho que cada vez mais parece ter sido feito sob encomenda para esse momento do ator. “O fato de estar sozinho no palco é também um sinal de maturidade, estou chamando pra mim a responsabilidade do risco. É um tremendo salto no abismo e é o que me restava fazer. Pode dar errado, posso me esbotecar... não sei se existe essa palavra [risos]... posso me esborrachar no chão, mas o salto já valeu a pena.”


e alguns instântaneos dos bastidores da sessão de fotos

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